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quarta-feira, 24 de setembro de 2008

V - Por que o Rio Grande do Sul é assim


Uma Constituição revolucionária e republicana

Júlio de Castilhos (imagem) e seus companheiros da vanguarda comtista intuiram que o Rio Grande do Sul estava pronto para se modernizar, mas que essa necessidade histórica não se realizaria por si só.

O “espírito revolucionário” exige ações revolucionárias estratégicas materializadas em instrumentos institucionais-constitucionais decisivos.

Neste sentido, em primeiro lugar, era preciso um marco jurídico-constitucional para a nova ordem, em segundo, era preciso uma imprensa partidária combativa, e terceiro, uma força militar estatal auxiliada por corpos provisórios politizados e treinados militarmente, a partir de militantes locais do PRR, com capilaridade em todo o território sulino e mesmo no Exterior (o PRR mantinha agentes de análise política e inteligência em Montevideo, Buenos Aires e Rio).

A Constituição castilhista de 1891 é um marco legal singular. Trata-se de uma peça jurídica que garante um governo autoritário, cerebralmente autoritário, uma vez que não previa a divisão dos três poderes, segundo o modelo liberal clássico, atribuindo ao Presidente (hoje, governador) o direito de legislar e editar decretos que se referenciavam diretamente na Constituição e não em leis ordinárias escritas por uma Assembléia de Representantes.

A Constituição sul-rio-grandense e a prática político-administrativa do castilhismo por quase 40 anos, garantiram ao Estado funcionar praticamente como uma República autônoma do resto da Federação brasileira. Desta forma, o PRR cumpria agora o ideário Farroupilha de 1836, quando da decretação da malograda República Rio-grandense em Piratini.

Como assinala muito bem Luiz Roberto Targa, “essa constituição inédita e original não se baseou na dos Estados Unidos da América, como foi o caso das outras constituições brasileiras, tanto a da União, quanto a dos Estados”.

Os positivistas tiveram uma administração marcadamente anti-oligárquica e anti-patrimonialista, com ações políticas, segundo Targa, que mostravam concretamente uma ruptura com a ordem latifundiária, tais como: transparência das contas públicas, coincidência entre o orçamento previsto e o realizado, política de proteção ao consumo das classe baixas (pelo contigenciamento de bens de primeira necessidade passíveis de serem exportados), pela estatização não-patrimonialista de dois dos mais importantes portos sulinos (Porto Alegre e Rio Grande) e de toda a rede férrea do Estado (de uma empresa francesa, mas explorada por norte-americanos), a realização de obras essenciais em infra-estrutura somente nas zonas minifundiárias e coloniais, tendo-se negado a privilegiar áreas de interesse da pecuária de exportação, bem como políticas de proteção fiscal e tarifária à indústria nascente das regiões de imigração européia.

Outro marco importante da gestão castilhista do Estado foi a reforma fiscal, cujo ponto central foi a substituição do imposto de exportação (quase sempre sonegado) pelo imposto territorial. Para tanto, era fundamental discriminar a esfera pública da esfera privada. Na prática, tratava-se de impor medidas efetivas de o Governo retomar as terras públicas ilegalmente apropriadas pela oligarquia rural nas últimas décadas do Império. Retomadas as terras, no período compreendido entre 1895-1906, legitimado pela vitória na guerra civil e com força militar suficiente para garantir o cumprimento da lei e da ordem pública, o Governo castilhista entregou lotes rurais a posseiros, a companhias de loteamento e a novos pequenos proprietários.

Essas medidas cada vez mais afirmavam a consolidação do Estado burguês moderno, qual seja a de tornar autônoma a esfera estatal da esfera privada das oligarquias rurais tradicionais e atrasadas.

No Rio Grande do Sul isso foi conquistado a ferro, fogo e vontade revolucionária organizada e materializada em instrumentos concretos de mudança social.

Amanhã, a parte VI: “A revolução vinda de cima”

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente sacada, Feil. Estou aprendendo - e lembrando dos meus tempos de sociologia na Unisinos (lá se vão 1982). Com o Raul de professor e o Miguel Rossetto de colega. Covardia, né? Um abraço.

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