O tema relativo ao peso dos impostos, taxas e contribuições no Brasil permanece ainda sendo tratado na superfície. A identificação de que a carga tributária supera 35% do PIB (Produto Interno Bruto) é um simples registro, insuficiente, por si só, para permitir comparações adequadas com outros países. Ou seja, mencionar que o Brasil possui carga tributária de país rico, embora se situe no bloco das nações de renda intermediária, ajuda pouco, quando não confunde o entendimento a respeito das especificidades nacionais. Elas dificultam análises comparativas internacionais e exigem maior investigação.
Por causa disso, cabem, pelo menos, duas observações principais que terminam por desconstruir o mito da tributação elevada no Brasil.
Em primeiro lugar, a observação de que os impostos, taxas e contribuições incidem regressivamente sobre os brasileiros. Como o país mantém uma péssima repartição da renda e riqueza, há segmentos sociais que praticamente não sentem o peso da tributação, ao contrário de outros submetidos ao fardo muito expressivo da arrecadação fiscal.
Os ricos brasileiros quase não pagam impostos, taxas e contribuições.
Os 10% mais ricos, que concentram três quartos de toda a riqueza do país, estão praticamente imunizados contra o vírus da tributação, seja pela falta de impostos que incidam direta e especialmente sobre eles - como o tributo sobre grandes fortunas -, seja porque contam com assessorias sofisticadas para encontrar brechas legais para planejar ganhos quase ausentes de impostos, taxas e contribuições.
Já os pobres não têm escapatória, pois estão condenados a compartilhar suas reduzidas rendas com o financiamento do Estado brasileiro. Isso porque a tributação brasileira é pesadamente indireta, ou seja, arrecada a maior parte em impostos sobre produtos e serviços - portanto, pesa mais para quem ganha menos.
Além disso, há uma tributação direta, sobre renda e bens, muito "tímida" em termos de progressividade. O Imposto de Renda, que, nos EUA, tem cinco faixas e alíquotas de até 40% e, na França, 12 faixas com até 57%, no Brasil tem apenas duas, com alíquota máxima de 27,5%. Aqui, impostos sobre patrimônio, como IPTU ou ITR, nem progressividade têm.
As habitações dos mais pobres, por exemplo, pagam, proporcionalmente à renda, mais tributos em geral do que aqueles que residem nas mansões, enquanto os grandes proprietários de terra convivem com impostos reduzidos e decrescentes.
Aqueles com renda acima de R$ 3.900 contribuem apenas com 23%.
No entanto, quem vive com renda média mensal de R$ 73 transfere um terço para a receita tributária.
Em síntese, a pobreza no Brasil não implica somente a insuficiência de renda para sobreviver, mas também a condição de pagar mais impostos, taxas e contribuições.
Em segundo lugar, a observação de que a carga tributária corresponde à capacidade efetiva de gasto da administração pública brasileiro, conforme comparações internacionais indicam ser. No Brasil, a cada R$ 3 arrecadados pela tributação, somente R$ 1 termina sendo alocado livremente pelos governantes.
Isso porque, uma vez arrecadado, configurando a carga tributária bruta, há a quase imediata devolução a determinados segmentos sociais na forma de subsídios, isenções, transferências sociais e pagamento dos juros do endividamento público.
Noutras palavras, R$ 2 de cada R$ 3 arrecadados só passeiam pela esfera pública antes de retornar imediata e diretamente aos ricos (recebimento de juros da dívida), às empresas (subsídios e incentivos) e aos beneficiários de aposentadorias e pensões. Assim, o uso da carga tributária bruta no Brasil se transforma num indicador pouco eficaz para aferir o peso real da tributação.
Talvez o mais adequado possa ser análises sobre a carga tributária líquida, que é aquela que, de fato, indica a magnitude efetiva dos impostos, taxas e contribuições relativamente ao tamanho da renda dos brasileiros, pois é com essa quantia que os governantes conduzem (bem ou mal) o conjunto das políticas públicas.
Nesse sentido, a tributação elevada é um mito no Brasil. A carga tributária líquida permanece estabilizada em 12% do PIB já faz tempo. O que tem aumentado mesmo são impostos, taxas e contribuições que, uma vez arrecadados, são imediatamente devolvidos, o que impede de serem considerados efetivamente como peso da tributação elevada.
Artigo do economista Marcio Pochmann, professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), publicado na Folha de hoje.
10 comentários:
Bacana.
Além de pagarem bem menos impostos, os ricos são os que mais sonegam e os que mais devem, vide a dívida do agronegócio por exemplo.
Devem estar agradedendo a Lula até agora pelo perdão dos setenta e tantos bilhões de reais.
E o mercado financeiro?? E os bancos??
Investidor ou especulador??
Nenhum governo sério precisa de dinheiro de "investidor". Podemos taxar sim os especuladores e mesmo assim crescer. Mas o politico q propor isso vira cinza...vejam o q aocntenceu com Lincoln e Kennedy
tem um erro creio eu: No entanto, quem vive com renda média mensal de R$ 73 transfere um terço para a receita tributária.
(talvez 730,00 ????????
é cada vez maior meu respeito e admiração pelo marcio pochmann.
tributo sobre grandes fortunas já!
Comentaristas:
A eliminação da CPMF foi a maior conquista dos sonegadores e lavadores de dinheiro sujo deste país.
Enquanto a prisão e condenação de um jovem que furta um aparelho de som de carro (cerca de R$ 500,00 de valor, isso?) é rápida e fácil, a perseguição dos crimes financeiros e tributários no Brasil é uma aventura homérica. Há dificuldade de fiscalização, legislação permissiva e entendimentos jurisprudenciais extremamente caridosos com nossos "homens de bens", coitadinhos.
A Satiagraha está aí para provar.
Abraço.
Pochmann, muito bom. Comprei um livro dele, mas tem vários na frente na fila.
Excelente o artigo. A classe média também acaba prejudicada, mas com os "Cansei" da vida faz um discurso míope - discurso de quem almeja ser rico, diga-se. Pede para que haja a simples redução de impostos, quando deve haver uma revisão dos tributos. E, ignorante, cai no blá blá blá da mídia que desvia o foco da corrupção para o meio político, quando a maior evasão de divisas é aquela que vai sai ilegalmente do país. Além disso, aceita que o Governo Federal sustente dívidas dos latifundiários, subsidie grandes multinacionais e não questiona formas de burlar impostos através de Ong's e leis de incentivo.
O Brasil vai melhorar quando o Estado brasileiro for mais organizado e eficiente e tiver condições de dar a população de baixa renda um razoável serviço público. Essa é a linguagem do desenvolvimento que o Brasil precisa seguir. É só seguir.
O EStado brasileiro vai ser mais organizado e eficiente e ter condições de dar a população de baixa renda algum serviço vai ser quando conseguirmos enxotar de vez esta pilantragem do governo minimo.
Com um bom conjunto de funcionários, e bem treinados, e bem pagos podem aparecer bons serviços.
Mas bom serviços é criar salas de aulas em vez de fechar.
Bom serviço é ter uma pessoa capacitada e equilibrada, por exemplo, na segurança. Não esta que se caso a população saia ´para reclamar do mau serviço que recebe é escorraçada com violência.
Vamos ter um bom serviço para a população de baixa renda quando o Ministério Público deixar sair cometendo violência política contra o "os baixa renda" dos movimentos sociais, mas sim quando tonmar conhecimento da confissão de um Busatto da vida tomar uma medida contundente, dentro da civilidade, mas que represente pelo menos justiça.
Que quando a compra de uma casa tem que ser explicada através de um advogado criminalista se investigue. Podem acreditar é um trabalho razoável para a população de baixa renda.
Se fizerem a investigação no Detran, no Daer e no Banrisul já é o início de um serviço razoável para a população de baixa renda.
Já o desenvolvimento isto vamos deixar para o Lula que gosta muito.
Claudio Dode
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