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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

sábado, 29 de junho de 2013

El Manisero, a rumba cubana de um judeu basco interpretada por alemães



A rumba El Manisero ('O vendedor de amendoim', 1927) foi composta pelo basco radicado em Cuba, Moises Simons, de origem judaica. Aqui no vídeo está interpretada pela banda alemã de metais 'German Brass', fundada em 1976.  

Quem disse que a globalização é um fenômeno exclusivo do século 21?

sexta-feira, 28 de junho de 2013

TV argentina denuncia e tira sarro da TV Globo



Já que no Brasil não temos uma TV pública que faça o contraponto aos meios de comunicação do velho baronato midiático, pelo menos a mídia estrangeira - indignada, com sangue nas veias - trata de ocupar esse espaço e denunciar (com humor) as trapalhadas ideológicas da nossa direita.

Na noite do anúncio da presidenta Dilma dos cinco pactos para atender parte das reivindicações das ruas, procurei a transmissão da TV Brasil e da NBR (TV's públicas do Brasil) mas foi inútil. Ambas transmitiam sua grade de programação normal, alheia à relevância do momento presente. Assim procede a nossa chamada TV pública, alienada da realidade pelo qual vive o País, por que dirigida por gente igualmente alienada, gente que não compreende o papel político dos meios de comunicação modernos, gente que prefere produzir entretenimento em vez de debater e espelhar o que vai na consciência de nosso povo.

É de nos deixar envergonhados que a TV pública argentina cumpra um papel que seria da nossa TV pública brasileira.

Assista o vídeo acima somente até o oitavo minuto e vinte segundos, depois vêm os comerciais do programa argentino, que não nos interessam.

terça-feira, 25 de junho de 2013

"Precisamos disputar corações e mentes. Quem não entrar, ficará fora da história"


Entrevista com o líder do MST, João Pedro Stédile, publicada originalmente aqui.


Como você analisa as recentes manifestações que vem sacudindo o Brasil nas últimas semanas? Qual é base econômica para elas terem acontecido?

Há muitas avaliações de porque estarem ocorrendo estas manifestações. Me somo à analise da professora Erminia Maricato, que é nossa maior especialista em temas urbanos e já atuou no Ministério das Cidades na gestão Olivio Dutra.
Ela defende a tese de que há uma crise urbana instalada nas cidades brasileiras provocadas por essa etapa do capitalismo financeiro. Houve uma enorme especulação imobiliária que elevou os preços dos alugueis e dos terrenos em 150% nos últimos três anos.
O capital financiou sem nenhum controle governamental a venda de automóveis, para enviar dinheiro pro exterior e transformou nosso trânsito um caos. E nos últimos dez anos não houve investimento em transporte público. O programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, empurrou os pobres para as periferias, sem condições de infraestrutura.
Tudo isso gerou uma crise estrutural em que as pessoas estão vivendo num inferno nas grandes cidades, perdendo três, quatro horas por dia no trânsito, quando poderiam estar com a família, estudando ou tendo atividades culturais.
Somado a isso, a péssima qualidade dos serviços públicos em especial na saúde e mesmo na educação, desde a escola fundamental, ensino médio, em que os estudantes saem sem saber fazer uma redação. E o ensino superior virou lojas de vendas de diplomas a prestações, onde estão 70% dos estudantes universitários.

E do ponto de vista político, por que aconteceu?


Os quinze anos de neoliberalismo e mais os últimos dez anos de um governo de composição de classes transformou a forma de fazer política refém apenas dos interesses do capital. Os partidos ficaram velhos em suas práticas e se transformaram em meras siglas que aglutinam, em sua maioria, oportunistas para ascender a cargos públicos ou disputar recursos públicos para seus interesses.
Toda juventude nascida depois das diretas já, não teve oportunidade de participar da política. Hoje, para disputar qualquer cargo de vereador, por exemplo, o sujeito precisa ter mais de 1 milhão de reais. Deputado custa ao redor de 10 milhões de reais. Os capitalistas pagam, e depois os políticos obedecem. A juventude está de saco cheio dessa forma de fazer política burguesa, mercantil.
Mas o mais grave foi que os partidos da esquerda institucional, todos eles, se moldaram a esses métodos. Envelheceram e se burocratizaram. E, portanto, gerou na juventude uma ojeriza a forma dos partidos atuarem. E eles tem razão. A juventude não é apolítica, ao contrário, tanto é que levou a política às ruas, mesmo sem ter consciência do seu significado.
Estão dizendo que não aguentam mais assistir na televisão essas práticas políticas, que seqüestraram o voto das pessoas, baseadas na mentira e na manipulação. E os partidos de esquerda precisam reapreender que seu papel é organizar a luta social e politizar a classe trabalhadora. Senão cairão na vala comum da história.

E porque as manifestações eclodiram somente agora?


Provavelmente tenha sido a soma de diversos fatores de caráter da psicologia de massas, mais do que alguma decisão política planejada. Somou-se todo o clima que comentei, mais as denúncias de superfaturamento das obras dos estádios, que é um acinte ao povo. Vejam  alguns episódios. A Rede Globo recebeu do governo do estado do Rio e da prefeitura, 20 milhões de reais de dinheiro público para organizar o showzinho de apenas duas horas, no sorteio dos jogos da Copa das Confederações.
O estádio de Brasília custou 1,4 bilhões de reais e não tem ônibus na cidade! A ditadura explícita e as maracutais que a FIFA/CBF impuseram e os governos se submeteram. A reinauguração do Maracanã foi um tapa no povo brasileiro. As fotos eram claras: no maior templo do futebol mundial não havia nenhum negro ou mestiço!
E aí o aumento das tarifas de ônibus foi apenas a faísca para ascender o sentimento generalizado de revolta, de indignação. A gasolina para a faísca veio do governo Gerlado Alckmin, que protegido pela mídia que ele financia e acostumado a bater no povo impunemente, como fez no Pinheirinho, jogou sua polícia para a barbárie. Aí todo mundo reagiu.

Ainda bem que a juventude acordou. E nisso houve o mérito do Movimento Passe Livre, que soube capitalizar essa insatisfação popular e organizou os protestos na hora certa.

Por que a classe trabalhadora ainda não foi à rua?

É verdade, a classe trabalhadora ainda não foi para a rua. Quem está na rua são os filhos da classe média, da classe média baixa, e também alguns jovens do que o André Singer chamaria de sub-proletariado, que estudam e trabalham no setor de serviços, que melhoraram as condições de consumo, mas querem ser ouvidos. Esses últimos apareceram mais em outras capitais e nas periferias.
A redução da tarifa  interessava muito a todo povo e esse foi o acerto do MPL. Soube convocar mobilizações em nome dos interesses do povo. E o povo apoiou as manifestações e isso está expresso nos índices de popularidade dos jovens, sobretudo quando foram reprimidos.
A classe trabalhadora demora a se mover, mas quando se move, afeta diretamente ao capital. Coisa que ainda não começou a acontecer. Acho que as organizações que fazem a mediação com a classe trabalhadora ainda não compreenderam o momento e estão um pouco tímidas. Mas acho que enquanto classe, ela também está disposta a lutar. Veja que o número de greves por melhorias salariais já recuperou os padrões da década de 80.
Acho que é apenas uma questão de tempo, e se as mediações acertarem nas bandeiras que possam motivar a classe a se mexer. Nos últimos dias, já se percebe que em algumas cidades menores, e nas periferias das grandes cidades, já começam a ter manifestações com bandeiras de reivindicações bem localizadas. E isso é muito importante.

E vocês do MST e camponeses também não se mexeram ainda.


É verdade. Nas capitais onde temos assentamentos e agricultores familiares mais próximos já estamos participando. E inclusive sou testemunho de que fomos muito bem recebidos com nossa bandeira vermelha, com nossa reivindicação de Reforma Agrária e alimentos saudáveis e baratos para todo povo.
Acho que nas próximas semanas poderá haver uma adesão maior, inclusive realizando manifestações dos camponeses nas rodovias e municípios do interior. Na nossa militância  está todo mundo doido para entrar na briga e se mobilizar. Espero que também se mexam logo.

Na sua opinião, qual é a origem da violência que tem acontecido em algumas manifestações?


Primeiro vamos relativizar. A burguesia através de suas televisões tem usado a tática de assustar o povo colocando apenas a propaganda dos baderneiros e quebra-quebra.  São minoritários e insignificantes diante das milhares de pessoas que se mobilizaram.

Para a direita interessa colocar no imaginário da população que isso é apenas bagunça, e no final se tiver caos, colocar a culpa no governo e exigir a presença das forças armadas. Espero que o governo não cometa essa besteira de chamar a guarda nacional e as forças armadas para reprimir as manifestações. É tudo o que a direita sonha!
Quem está provocando as cenas de violência é a forma de intervenção da Policia Militar. A PM foi preparada desde a ditadura militar para tratar o povo sempre como inimigo. E nos estados governados pelos tucanos(SP, RJ e MG), ainda tem a promessa de impunidade.

Há grupos direitistas organizados com orientação de fazer provocações e saques. Em São Paulo atuaram grupos fascistas e leões de chácaras contratados. No Rio de Janeiro atuaram as milícias organizadas que protegem seus políticos conservadores. E claro, há também um substrato de lumpesinato que aparece em qualquer mobilização popular, seja nos estádios, carnaval, até em festa de igreja tentando tirar seus proveitos.

Há então uma luta de classes nas ruas ou é apenas a juventude manifestando sua indignação?


É claro que há uma luta de classes na rua. Embora ainda concentrada na disputa ideológica. E o que é mais grave, a própria juventude mobilizada, por sua origem de classe, não tem consciência de que está participando de uma luta ideológica.
Vejam, eles estão fazendo política da melhor forma possível, nas ruas. E ai escrevem nos cartazes: somos contra os partidos e a política? Por isso tem sido tão difusa as mensagens nos cartazes. Está ocorrendo em cada cidade, em cada manifestação, uma disputa ideológica permanente da luta dos interesses de classes. Os jovens estão sendo disputados pelas idéias da direita e pela esquerda. Pelos capitalistas e pela classe trabalhadora.
Por outro lado, são evidentes os sinais da direita muito bem articulada, e de seus serviços de inteligência, que usam a internet, se escondem atrás das mascaras e procuram criar ondas de boatos e opiniões pela internet. De repente uma mensagem estranha alcança milhares de mensagens. E ai se passa a difundir o resultado como se ela fosse a expressão da maioria.
Esses mecanismos de manipulação foram usados pela CIA e o departamento de estado Estadunidense na primavera árabe, na tentativa de desestabilização da Venezuela, na guerra da Síria. E é claro que eles estão operando aqui também para alcançar os seus objetivos.

E quais são os objetivos da direita e suas propostas?


A classe dominante, os capitalistas, os interesses do império Estadunidense e seus porta-vozes ideológicos que aparecem na televisão todos os dias, tem um grande objetivo: desgastar ao máximo o governo Dilma, enfraquecer as formas organizativas da classe trabalhadora, derrotar qualquer propostas de mudanças estruturais na sociedade brasileira e ganhar as eleições de 2014, para recompor uma hegemonia total no comando do estado brasileiro, que agora está em disputa.

Para alcançar esses objetivos eles estão ainda tateando, alternando suas táticas. As vezes provocam a violência, para desfocar os objetivos dos jovens. As vezes colocam nos cartazes dos jovens a sua mensagem. Por exemplo, a manifestação do sábado em São Paulo, embora pequena, foi totalmente manipulada por setores direitistas que pautaram apenas a luta contra a PEC 37, com cartazes estranhamente iguais e palavras de ordem iguais.
Certamente a maioria dos jovens nem sabem do que se trata. E é um tema secundário para o povo, mas a direita está tentando levantar as bandeiras da moralidade, como fez  a UDN (União Democrática Nacional) em tempos passados. Isso que já estão fazendo no Congresso, logo logo, vão levar às ruas.

Tenho visto nas redes sociais controladas pela direita que suas bandeiras, além da PEC 37, são a saída do Renan do Senado, CPI e transparência dos gastos da Copa, declarar a corrupção crime hediondo, e fim do Foro especial para os políticos. Já os grupos mais fascistas ensaiam Fora Dilma e abaixo-assinados pelo impechment.

Felizmente essas bandeiras não tem nada ver com as condições de vida das massas, ainda que elas possam ser manipuladas pela mídia. E objetivamente podem ser um tiro no pé. Afinal, é a burguesia brasileira, seus empresários e políticos que são os maiores corruptos e corruptores. Quem se apropriou dos gastos exagerados da Copa? A Rede Globo e as empreiteiras!

Quais os desafios que estão colocados para a classe trabalhadora e as organizações populares e partidos de esquerda?


Os desafios são muitos. Primeiro devemos ter consciência da natureza dessas manifestações, e irmos todos para a rua, disputar corações e mentes para politizar essa juventude que não tem experiência da luta de classes. Segundo, a classe trabalhadora precisa se mover. Ir para a rua, manifestar-se nas fábricas, campos e construções, como diria Geraldo Vandré. Levantar suas demandas para resolver os problemas concretos da classe, do ponto de vista econômico e político.
Terceiro, precisamos explicar para o povo quem são seus principais inimigos. E agora são os bancos, as empresas transnacionais que tomaram conta de nossa economia, os latifundiários do agronegócio, e os especuladores.

Precisamos tomar a iniciativa de pautar o debate na sociedade e exigir a aprovação do projeto de redução da jornada de trabalho para 40 horas; exigir que a prioridade de investimentos públicos seja em saúde, educação, Reforma Agrária.
Mas para isso o governo precisa cortar juros e deslocar os recursos do superávit primário, aqueles 200 bilhões de reais que todo ano vão para apenas 20 mil ricos, rentistas, credores de uma dívida interna que nunca fizemos, deslocar para investimentos produtivos e sociais. E é isso que a luta de classes coloca para o governo Dilma: os recursos públicos irão para a burguesia rentista ou para resolver os problemas do povo?

Aprovar em regime de urgência para que vigore nas próximas eleições uma reforma política de fôlego, que no mínimo institua o financiamento público exclusivo da campanha. Direito a revogação de mandatos e plebiscitos populares auto-convocados.
Precisamos de uma reforma tributária que volte a cobrar ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) das exportações primárias, penalize a riqueza dos ricos e amenize os impostos dos pobres, que são os que mais pagam.

Precisamos que o governo suspenda os leilões do petróleo e todas as concessões privatizantes de minérios e outras áreas públicas. De nada adianta aplicar todo royalties do petróleo em educação, se os royalties representarão apenas 8% da renda petroleira, e os outros 92% irão para as empresas transnacionais que vão ficar com o petróleo nos leilões!

Uma reforma urbana estrutural, que volte a priorizar o transporte público, de qualidade e com tarifa zero. Já está provado que não é caro e nem difícil instituir transporte gratuito para as massas das capitais. Controlar a especulação imobiliária.
E finalmente, precisamos aproveitar e aprovar o projeto da Conferência Nacional de Comunicação, amplamente representativa, de democratização dos meios de comunicação. Para acabar com o monopólio da Globo e para que o povo e suas organizações populares tenham ampla acesso a se comunicar, criar seus próprios meios de comunicação, com  recursos públicos. Ouvi de diversos movimentos da juventude que estão articulando as marchas, que talvez essa seja a única bandeira que unifica a todos: Abaixo ao monopólio da Globo!   
Mas para que essas bandeiras tenham ressonância na sociedade e pressionem o governo e os políticos, somente acontecerá se a classe trabalhadora se mover.

O que o governo deveria  fazer agora?


Espero que o governo tenha a sensibilidade e a inteligência de aproveitar esse apoio, esse clamor que vem das ruas, que é apenas uma síntese de uma consciência difusa na sociedade, que é hora de mudar. E mudar a favor do povo.
E para isso o governo precisa enfrentar a classe dominante, em todos os aspectos. Enfrentar a burguesia rentista, deslocando os pagamentos de juros para investimentos em áreas que resolvam os problemas do povo. Promover logo as reformas políticas, tributárias. Encaminhar a aprovação do projeto de democratização dos meios de comunicação. Criar mecanismos para investimento pesados em transporte público, que encaminhem para a tarifa zero. Acelerar a Reforma Agrária e um plano de produção de alimentos sadios para o mercado interno.

Garantir logo a aplicação de 10% do PIB em recursos públicos para a educação em todos os níveis, desde as cirandas infantis nas grandes cidades, ensino fundamental de qualidade, até a universalização do acesso dos jovens à universidade pública.

Sem isso, haverá uma decepção, e o governo entregará para a direita a iniciativa das bandeiras, que levarão a novas manifestações visando desgastar o governo até as eleições de 2014. É hora do governo aliar-se ao povo, ou pagará a fatura no futuro. 

E que perspectivas essas mobilizações podem levar para o país nos próximos meses?


Tudo ainda é uma incógnita. Porque os jovens e as massas estão em disputa. Por isso que as forças populares e os partidos de esquerda precisam colocar todas suas energias para ir à rua. Manifestar-se, colocar as bandeiras de luta de reformas que interessam ao povo, porque a direita vai fazer a mesma coisa e colocar as suas bandeiras conservadoras, atrasadas, de criminalização e estigmatização das idéias de mudanças sociais.
Estamos em plena batalha ideológica que ninguém sabe ainda qual será o resultado. Em cada cidade, cada manifestação, precisamos disputar corações e mentes. E quem não entrar, ficará de fora da história.

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Nei Lisboa inédito



Música inédita de Nei Lisboa, que lança a campanha para produção do seu décimo disco através do portal de financiamento Catarse.me [Não confundir com o Coletivo Catarse.] 

Saiba como apoiar o CD "A Vida Inteira" em:http://catarse.me/neilisboa

terça-feira, 18 de junho de 2013

Tem muito barulho nas ruas? Quem gosta de silêncio prefere ditaduras


Proposta concreta
Há várias maneiras de esconder uma grande manifestação. Você pode fazer como a Rede Globo e esconder uma passeata a favor das Diretas-Já, afirmando que a população nas ruas está lá para, na verdade, comemorar o aniversário da cidade de São Paulo.

Mas você pode transformar manifestações em uma sucessão de belas fotos de jovens que querem simplesmente o "direito de se manifestar". Dessa forma, o caráter concreto e preciso de suas demandas será paulatinamente calado.

O que impressiona nas manifestações contra o aumento do preço das passagens de ônibus e contra a imposição de uma lógica que transforma um transporte público de péssima qualidade em terceiro gasto das famílias é sua precisão.

Como as cidades brasileiras transformaram-se em catástrofes urbanas, moldadas pela especulação imobiliária e pelas máfias de transportes, nada mais justo do que problematizar a ausência de uma política pública eficiente.

Mas, em uma cidade onde o metrô é alvo de acusações de corrupção que pararam até em tribunais suíços e onde a passagem de ônibus é uma das mais caras do mundo, manifestantes eram, até a semana passada, tratados ou como jovens com ideias delirantes ou como simples vândalos que mereciam uma Polícia Militar que age como manada enfu-recida de porcos.

Vários deleitaram-se em ridicularizar a proposta de tarifa zero. No entanto, a ideia original não nasceu da cabeça de "grupelhos protorrevolucionários". Ela foi resultado de grupos de trabalho da própria Prefeitura de São Paulo, quando comandada pelo mesmo partido que agora está no poder.

Em uma ironia maior da história, o PT ouve das ruas a radicalidade de propostas que ele construiu, mas que não tem mais coragem de assumir.

A proposta original previa financiar subsídios ao transporte por meio do aumento progressivo do IPTU. Ela poderia ainda apelar a um imposto sobre o segundo carro das famílias, estimulando as classes média e alta a entrar no ônibus e a descongestionar as ruas.

Apenas nos EUA, ao menos 35 cidades, todas com mais de 200 mil habitantes, adotaram o transporte totalmente subsidiado. Da mesma forma, Hasselt, na Bélgica, e Tallinn, na Estônia. Mas, em vez de discussão concreta sobre o tema, a população de São Paulo só ouviu, até agora, ironias contra os manifestantes.

Ao menos, parece que ninguém defende mais uma concepção bisonha de democracia, que valia na semana passada e compreendia manifestações públicas como atentados contra o "direito de ir e vir". Segundo essa concepção, manifestações só no pico do Jaraguá. Contra ela, lembremos: democracia é barulho.

Quem gosta de silêncio prefere ditaduras.

Artigo do professor Vladimir Safatle, da Filosofia da USP.  Fotografia de Marcello Casal Jr. da Agência Brasil.

sábado, 15 de junho de 2013

O gato socialista





Um gato que bancava o socialista,
com o fim de chegar a deputado,
estava a comer um frango assado
na cozinha de um capitalista.

Outro gato, com lógica sectária
ao primeiro afirmou: - Estou contigo.
Pensa tu que eu também, querido amigo,
pertenço à mesma classe proletária.

E bem sei que se nestas revoadas,
eu quiser esse frango que dispões,
o partirás já, já, em duas porções,
pois não somos, debalde, camaradas.

- Isso não, disse o outro sem pudor,
eu não divido nada, ó meu artista.
Porque, se em jejum sou socialista,
comendo, sempre sou conservador.

Do poeta satírico italiano Carlo Alberto Salustri (1871-1950). 
Tradução de Breno di Grado.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

PM paulista quebra o vidro de viatura militar durante protesto



O flagrante foi colhido durante a manifestação popular na cidade de São Paulo, em 13 de junho de 2013.

Certamente inspirado no amor de Santo Antônio (santo do dia, pelo calendário católico romano), o policial militar "vandaliza" o carro da Polícia Militar paulista.

Supõe-se que a passeata dos manifestantes por um transporte urbano decente e eficiente, naquele momento, estivesse muito morna. Talvez por esse motivo o policial tenha tentado esquentar os ânimos com a finalidade de justificar a interverção da força bruta do aparelho repressivo do estado de São Paulo, governado pelo tucano Geraldo Alckmin.


sexta-feira, 7 de junho de 2013

- É muito punk! - disse a tia Maggie





Três décadas do disco "London Calling" da banda punk rock The Clash 

Reparem o frescor de "Radio Clash" (no vídeo do alto), do qual eu gosto muito. Essa foi a revolucionária The Clash, uma banda que durou de 1976 até 1986. 

Há trinta anos os caras faziam um rock que mostrava a bunda para a tia Maggie Thatcher, primeira mandatária da Inglaterra de maio de 1979 até 1990. 

O disco (de vinil) "London Calling", com dezenove composições, foi lançado no dia 14 de dezembro de 1979 (*). 

Ontem, portanto, fez três décadas de influência na cena musical do mundo inteiro. Nesta data, o thatcherismo já estava no poder desde maio, suprimindo direitos (liquidou com o salário mínimo, depois restituído por Tony Blair), privatizando empresas estatais, cortando o alimento gratuito das escolas públicas, e provocando uma política macroeconômica recessiva com o objetivo de baixar a inflação que chegou a 20% ao ano, entre 1979/80. 

Houve numerosa quebra de empresas privadas, bancos faliram e o desemprego aumentava a cada trimestre. 

A Dama de Ferro, como ficou conhecida, criou o chamado "poll tax", um imposto regressivo, onde os mais pobres pagavam mais impostos que os mais ricos, seguindo a orientação do pensamento econômico monetarista (neoliberal), segundo o qual havia que incentivar a poupança e o investimento somente dos que podem empreender, e estes são formados pelos mais ricos do espectro social - o topo da cadeia alimentar, segundo Charles Darwin (que entra nesse trololó de neodarwinismo do eixo Viena-Chicago, como Pilatos no Credo). 

Conta a lenda que tia Maggie, uma vez, indagada do que achava da música do recém formado grupo londrino The Clash, teria dito a frase que virou bordão: 

É muito punk! 

De fato, o Clash deixou a sua marca na história do rock e da música pop contemporânea. Com letras politizadas, algo panfletárias e rebatendo forte contra a direita, o belicismo, o racismo e as ditaduras (tem um álbum em homenagem aos sandinistas) fez uma mescla experimental de gêneros musicais, "como reggae, ska, dub, funk, rap e rockabilly" (conforme a Wikipédia). 

Hoje, depois de trinta anos o Clash ainda é atual para denunciar a tragédia representada pelo neoliberalismo globalitário. Afinal, foi a música da banda punk das primeiras que ajudou a suspeitar do mundo no qual estamos vivendo - um mundo clash, em conflito, em choque permanente. E muito punk! 

NotaPunk, é um anglicismo, significa algo imprestável, um traste. O movimento punk foi uma onda cultural (decadentista) urbana surgido na década de 70 que debocha de tudo, do rock e da música tradicional, da esquerda (stalinismo) à direita (nazismo, Thatcher, Reagan, etc.). Ao contrário do movimento punk, a banda Clash não foi adepta do solipsismo e do niilismo, sempre militou por causas políticas progressistas.

(*) Este post foi publicado originalmente neste blog em 15/dez/2009.

terça-feira, 4 de junho de 2013

O Brasil produz hoje 23 novos milionários por dia


Onde está o dinheiro?
Franklin Roosevelt (foto), até segunda ordem, não era comunista. Na verdade, ao que tudo indica, o sr. Roosevelt foi presidente dos EUA de 1933 a 1945 sem que ninguém tenha encontrado indícios de que ele estaria envolvido em alguma forma de complô contra o capitalismo e seus grandes empreendedores. Esses mesmos empreendedores que fazem fortunas, como todos nós sabemos, graças exclusivamente ao trabalho árduo e dedicado.

Lembrar do sr. Roosevelt hoje é algo que faz bem. Pois eis aí um dos poucos homens que poderiam ter escrito um livro com o título: "Como salvei o capitalismo de sua pior crise". Tal livro, se existisse, seria uma leitura recomendável para diretores do FMI envolvidos em escândalos de todo tipo, altos executivos de bancos salvos pelo Estado (mas que gostam de ensinar receitas perfeitas de como vencer crises) e, por fim, presidentes de países que um dia foram vistos como promessas de desenvolvimento.

Nele, o velho Franklin poderia contar como, em 1935, passou uma lei de imposto progressivo que taxava os ricos de seu país em até 75% (o estrategicamente esquecido "Revenue Act").

Ele poderia ainda selecionar alguns de seus discursos, como um que foi pronunciado no Congresso americano em 1942, no qual afirmava que "nenhum cidadão deve ter um rendimento líquido, depois de pagar seus impostos, de mais de US$ 25 mil dólares anuais", o que daria atualmente algo em torno de US$ 350 mil.

Com essa política que hoje os grandes sábios da economia chamariam de demente, louca ou simplesmente "comunista", Franklin tirou seu povo da miséria, permitindo ao Estado oferecer serviços públicos básicos para seus cidadãos, fazendo com que eles tivessem mais tranquilidade para planejar seu futuro, assim como dinheiro para consumir e desenvolver seu empreendedorismo.

Mas, se fosse remetido ao Brasil atual, Franklin estaria coçando a cabeça para entender um dos maiores enigmas da humanidade. Petrificado, ele se perguntaria como é possível que, depois de 25 anos, uma lei constitucional que institui o imposto sobre grandes fortunas (artigo 153, inciso VII) simplesmente não foi regulamentada e, por isso, não foi implementada. Uma lei que não legisla: um verdadeiro paradoxo digno da mais astuta dialética.

Juntem, entretanto, dois lados de uma mesma equação: no momento em que a economia brasileira patina e os investimentos do empresariado nacional somem, o Brasil produz 23 novos milionários por dia, atingindo a marca de 155,5 mil milionários.
Agora, façam esta pergunta rooseveltiana: onde está o dinheiro?

Artigo do professor Vladimir Safatle, da Filosofia da USP.

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