Uma pequena colherada
Um fama descobriu que a virtude era um micróbio redondo e cheio de patas. Na mesma hora deu uma grande colherada de virtude à sua sogra. O resultado foi horrível: esta senhora renunciou a seus comentários corrosivos, fundou um clube para a proteção de alpinistas perdidos, e em menos de dois meses se conduziu de maneira tão exemplar que os defeitos de sua filha, até então inadvertidos, passaram ao primeiro plano com grande sobressalto e estupefação do fama. Não lhe restou mais remédio que dar uma colherada de virtude à sua mulher, a qual o abandonou nesta mesma noite por achá-lo estúpido, insignificante, e no todo diferente dos arquétipos morais que flutuavam cintilante ante seus olhos.
O fama pensou bastante, e por fim tomou um frasco de virtude. Mas ainda assim segue vivendo só e triste. Quando cruza na rua com a sua sogra ou sua mulher, ambos se saúdam respeitosamente e de longe. Não se atrevem nem sequer a falar, tanto é a própria perfeição e o medo que têm de se contaminar.
Julio Cortázar (in Historias de cronopios y de famas)
2 comentários:
Tenho um mínimo de conhecimento cultural prá comentar...mas gostei muito !
Hipocrisia...seria isso que o texto quer dizer?
Se for,eu tô fora.Digo quase tudo o que dá na telha!
Abraço
é. é por isso que a cronópia aqui só toma cachaça, por precaução :)
beijo, j.
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