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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

domingo, 3 de agosto de 2008

À minha perna esquerda

Longe

do corpo
terás
doravante
de caminhar sozinha
até o dia do juízo.
Não há pressa
nem o que temer:
haveremos
de oportunamente
te alcançar.

Na pior das hipóteses
se chegares
antes de nós
diante do juiz
coragem:
não tens culpa
(lembra-te)
de nada.

Os maus passos
quem os deu na vida
foi a arrogância
da cabeça
a afoiteza
das glândulas
a incurável cegueira
do coração

Os tropeços
deu-os a alma
ignorante dos buracos
da estrada
das armadilhas
do mundo.

José Paulo Paes
(1926-1998). Um dos maiores poetas brasileiros. Fez este poema depois da amputação de uma perna, devido ao agravamento da doença que acabou levando-o à morte em 1998.

2 comentários:

Ricardo Mainieri disse...

José Paulo Paes, um grande poeta múltiplo.
Engajou-se com a turma do Concretismo, mas depois seguiu sua estrada singular.
Este poema reforça minha noção de é possível extrair poesia de tudo, até da própria desgraça.
Sinal de que, apesar dos versos mínimos, era um Poeta Maior.

Ricardo Mainieri

Ler o Mundo História disse...

Obrigada por apresentar este poema de Paes, eu não conhecia este.
Estou vivendo um momento de pura introspecção também devido a um acidente de percurso e ler este poema (como Ricardo comenta acima), é um modo de passarmos estas dores pessoais, de tentar enfrentá-las de algum modo.

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