Crônica de Luis Fernando Veríssimo
"Matem o cavalo!"
O filme Viva Zapata (dirigido por Elia Kazan, escrito por John Steinbeck, com Marlon Brando no papel do revolucionário mexicano) termina com a morte de Zapata numa emboscada dos "federales". O antigo aliado que o traiu, um intelectual vivido no filme por Joseph Wiseman, insiste para que os soldados não deixem escapar com vida o cavalo branco de Zapata. "Matem o cavalo! Matem o cavalo!", grita, em vão. A última cena do filme é a do cavalo branco solto numa montanha, um símbolo não muito sutil do espírito que sobreviveu ao sacrifício do seu dono para inspirar outras gerações e outras revoltas. O intelectual entende que símbolos são perigosos e que não basta abater o homem para anular o exemplo. É preciso trucidar a sua memória, emporcalhar a sua legenda e apagar qualquer vestígio simbólico da sua rebeldia.
Parecido com o que está sendo feito entre nós com o Che Guevara, que, de acordo com a revisão atual, não só cheirava mal como era um péssimo caráter. É difícil entender por que estão tentando matar este particular cavalo branco agora. Se Che simbolizava alguma coisa, nos últimos anos, era a absorção de todas as formas de revolta pela cultura pop. O ex-ícone da esquerda era visto principalmente nas paredes e camisetas de gente que jamais sonharia em ir para as montanhas, a não ser pelo fondue de queijo. E no entanto o empenho em desmitificá-lo, e desmistificá-lo, é evidente. Do que será que estão com medo? O que assombra tanto o neomacarthismo, a ponto de atirarem com tanta fúria contra um defunto de 40 anos? Talvez seja o caso de rever o significado da figura do Che, e do seu exemplo de idealismo e inconformismo, entre as novas gerações. Talvez a direita esteja vendo um cavalo branco solto por aí que nós não vemos.
Quanto ao filme Viva Zapata, é um bom exemplo da romantização do proletariado que o cinema americano fez bastante - em mais de um caso, baseado em textos do mesmo Steinbeck. Brando e Anthony Quinn (que ganhou um Oscar pela sua interpretação do irmão de Zapata) estão ótimos no filme, e Wiseman está perfeito como o intelectual traidor. Mas a romantização de revoluções alheias não dá em muita coisa além de bons filmes. Nota histórica: "Zapata" foi o nome de uma das suas empresas escolhido por adivinha quem? George Bush, o pai. O nome chegou a aparecer numa das tantas teorias conspiratórias sobre o assassinato do Kennedy. Não adianta, o capitalismo absorve tudo. O que só torna maior o mistério. Do que será que estão com medo?
Ilustração: detalhe do óleo de Diego Rivera.
9 comentários:
Brilhante!
tu é genio cara !!!!
abraço
Extremamente lúcida e pertinente a tua análise: do quem eles têm tanto medo?
Abraço
Carmelita
Prezada Carmelita, atente que a análise é do Veríssimo.
Abç.
Por que certas pessoas têm medo de revisar a história? Retirar dela a névoa que envolve o ícone. Quantos velhos heróis se transformaram em tiranos depois que a história foi recontada, de acordo com novas fontes? As recentes biografias escritas sobre a vida de Che, inclusive a do americano Anderson - tão cultuado pela nossa gauche -- revelam uma faceta de Che que pouca gente sabe. Por que essa faceta não pode vir à tona? Por que a história não pode revelar o que aconteceu no pátio e nas celas escuras do quartel La Cabaña? Por que matar tanta gente, a sangue frio, em execução sumária, sem julgamento, quando a revolução já estava controlada e não havia nenhum sinal de reação, porque o povo cubano apoiou de fato a revolução? Pois é, gente, essa história não pode ser revista e nem recontada. O lado obscuro da vida de Che vai manchar os que vendem sua grife. Enganam-se aqueles que acham que havia uma excelente relação entre Che e Fidel depois da revolução. Quando Che resolveu ir para o Congo Belga exportar a revolução, Fidel deu graças a deus, porque Che era uma mala, um murrinha no ministério (leiam as biografias de Che). É que os ícones são ícones, que não podem ser revistos. A história pronta e acabada, como cálice de cristal que não pode ser tocado.
bem lembrado Cristóvão, não tinha observado
um abraço
Carmelita
Os últimos dias foram tão atribulados aqui no estado, que a briga do John Anderson com o editor da Veja passou despercebida pela blogosfera sulina. Historinha divertida, o bandido morre no final :o)
http://www.idelberavelar.com/archives/2007/11/treplica_de_jon_anderson_a_diogo_schelp.php
ou aqui:
http://tinyurl.com/ywompt
Sugiro uma campanha "Veríssima" no DG: O que é o medo? Pelo menos a blogosfera filosofaria mais um pouco. O Lenine também anda espalhando "miedo" por aí, vai ver elles estão com medo da alcagüetagem. "O medo é uma sombra" (...) "tenho medo do medo que dá". Os caras pálidas estão levando poesia a sério. Será que esse tal de Medo era convocado para a prática de fútilbol society na Dom Pedro II, na cobertura do Carlos Ubiratan dos Santos (do pau ôco e o bolso cheio).
Che Guevara
Contra ti se ergue a prudência dos inteligentes e o arrojo dos patetas
A indecisão dos complicados e o primarismo daqueles que confundem revolução com desforra
De poster em poster a tua imagem paira na sociedade de consumo
Como Cristo em sangue paira no alheamento ordenado das igrejas
Porém
Em frente do teu rosto
Medita o adolescente à noite no seu quarto
Quando procura emergir de um mundo que apodrece.
Shophia de Mello Breyner Andresen in o Nome das Coisas, Lisboa. Ed. Caminho, 2004. Sofia V.
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