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domingo, 20 de julho de 2008

Disputa ideológica



O julgamento do MST

O jornal Zero Hora de hoje dá uma lição de como não se faz jornalismo investigativo. Nem jornalismo, nem investigativo. Numa reportagem onde tem a pretensão de contar a história da origem do MST, escrita pelo jornalista Ca-Carlos Wa-Wagner, o diário da RBS comete um desatino ímpar.

Se alguém hoje quiser contar a vida de Sócrates, que viveu no século quinto antes do cristianismo, terá que recorrer a documentos e testemunhos indiretos, especialmente em Platão. Dizem até que Sócrates é um personagem de Platão, uma vez que aquele não deixou nada escrito.

A história socrática é, portanto, uma narrativa de dois mil e quinhentos anos. O objeto da reportagem de ZH tem apenas três décadas. No entanto, o repórter-sub Wa-Wagner – entaramelado mental que é – narra-a como se não houvesse testemunhos diretos da origem mesmo do maior movimento social brasileiro da atualidade. O jornalista-sub simplesmente resolve desconhecer que os protagonistas das jornadas de 1978, e mesmo anteriores, estão plenamente aptos a dar o seu testemunho, bem como a existência de uma vasta documentação que pode esclarecer – aos bem intencionados – sobre aqueles trechos importantes da história social brasileira, aqui protagonizada e contada sob o ponto de vista dos oprimidos.

Lembrei de Sócrates, para falar do grande jornalista norte-americano, talvez um dos maiores do século 20, Izzy Stone (1907-1989). Wa-Wagner poderia diminuir a sua obtusidade a níveis toleráveis (que ao menos não espancasse a inteligência dos leitores de ZH) se conhecesse um pouco Stone, que por acaso escreveu um livro sobre Sócrates e que está editado em português (O julgamento de Sócrates, Cia. das Letras).

Aprenda com Stone (aqui), Wa-Wagner. Dedique-se a isso. Saiba como fazer o verdadeiro jornalismo investigativo e evitar o jornalismo em-em-embromativo que se pratica na redação de ZH/RBS.

Wa-Wagner faz uma reportagem-julgamento supra-social e supra-histórica. Para ele, o latifúndio é um dado da mãe-Natureza, e o MST se gerou de uma guerra espontânea entre índios caingangues e os colonos invasores de suas terras.

Como Sócrates seria um personagem de Platão, os sem-terra de Wa-Wagner são como personagens (platônicos) do imaginário dos caingangues.

Tudo se revela como uma mera briga no âmbito dos oprimidos, não há contexto social, nem histórico. Fatos isolados aconteceram quase que imitando a natureza, como um céu azul ter sido cortado por um relâmpago súbito e imprevisto. Uma mera coisa da vida natural ou biológica.

Coisas da vida.

.......

Na linha de Mikhail Bakhtin, em “O marxismo e a filosofia da linguagem” é preciso estar atento para esta permanente tentativa de apropriação da história por meio da instrumentalização das narrativas sociais. Para o lingüista russo, morto em 1975, a palavra – e, portanto, as narrativas – são um signo ideológico por excelência.

Matérias – e jornalismo – como essas não acontecem por acaso. Constituem um campo privilegiado da luta de classes e um cenário quase estruturado de disputa de hegemonia.

Falta, pois, uma resposta potente (e orgânica) à essa versão particular dos fatos, caso contrário, ela – a versão – assumirá foros de verdade histórica.


23 comentários:

Anônimo disse...

Segundo ZH os responsáveis pelo surgimento do MST foram os índios. Novamente, eles causando problemas aos homens de bem. Assim, o jornal estigamtiza os dois desafetos: o MST e os índios, odiados, pelo fato de serem índios. Sobre o latifúndio, nem uma palavra.

Anônimo disse...

rapaz.... muito bom mesmo.

Anônimo disse...

É um consolo ler o teu excelente artigo!
Vejo, no teu artigo um trabalho do pensamento que pesquisa e estilhaça luzes, diante dos leitores aclimatados no mundo da natureza.
Cândida

Anônimo disse...

Achei este texto por ai, chamado Provocações,e tenh ate utilizado ele em algumas situações.....
A primeira provocação ele agüentou calado. Na verdade, gritou e esperneou. Mas todos os bebês fazem assim, mesmo os que nascem em maternidade, ajudados por especialistas. E não como ele, numa toca, aparado só pelo chão. A segunda provocação foi a alimentação que lhe deram, depois do leite da mãe. Uma porcaria. Não reclamou porque não era disso. Outra provocação foi perder a metade dos seus dez irmãos, por doença e falta de atendimento. Não gostou nada daquilo. Mas ficou firme. Era de boa paz. Foram lhe provocando por toda a vida. Não pode ir a escola porque tinha que ajudar na roça. Tudo bem, gostava da roça. Mas aí lhe tiraram a roça. Na cidade, para aonde teve que ir com a família, era provocação de tudo que era lado. Resistiu a todas. Morar em barraco. Depois perder o barraco, que estava onde não podia estar. Ir para um barraco pior. Ficou firme. Queria um emprego, só conseguiu um subemprego. Queria casar, conseguiu uma submulher. Tiveram
subfilhos. Subnutridos. Para conseguir ajuda, só entrando em fila. E a ajuda não ajudava. Estavam lhe provocando. Gostava da roça. O negócio dele era a roça. Queria voltar pra roça. Ouvira falar de uma tal reforma agrária. Não sabia bem o que era. Parece que a idéia era lhe dar uma terrinha. Se não era outra provocação, era uma boa. Terra era o que não faltava. Passou anos ouvindo falar em reforma agrária. Em voltar à terra. Em ter a terra que nunca tivera. Amanhã. No próximo ano. No próximo governo. Concluiu que era provocação. Mais uma. Finalmente ouviu dizer que desta vez a reforma agrária vinha mesmo. Para valer. Garantida. Se animou. Se mobilizou. Pegou a enxada e foi brigar pelo que pudesse conseguir. Estava disposto a aceitar qualquer coisa. Só não estava mais disposto a aceitar provocação. Aí ouviu que a reforma agrária não era bem assim. Talvez amanhã. Talvez no próximo ano... Então protestou. Na décima milésima provocação,
reagiu. E ouviu espantado, as pessoas dizerem, horrorizadas com ele:
- Violência, não!
Pampeano

Jens disse...

Porrada, direto ao centro da questão. Congratulações.

Anônimo disse...

Pampeano, de forma mais bonita,Chico Buarque relata história parecida na música "Assentamento".

Quanto a ZH, lamentável, mas essa palhaçada não dura muito, porque tem gente como Feil, o Ungaretti e outros que estão de olho.

Anônimo disse...

É como você diz Feil: "Falta, pois, uma resposta potente (e orgânica) à essa versão particular dos fatos, caso contrário, ela – a versão – assumirá foros de verdade histórica."

O velho PT chegou a ser e a fazer essa "resposta potente e orgânica", mas hoje está atrapalhado com os Gomes da vida, os Cardozos, os Dirceus e toda a sorte de vira-casacas, além de ser um partido que agora só sabe participar de eleições, o resto tudo ficou arquivado.
Parabéns pelo teu texto.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Muito boa e esclarecedora a matéria da ZH. Não existe nenhuma mentira e nenhuma manipulação na matéria da ZH. Ela apenas refere um fato histórico que efetivamente aconteceu. OU alguém aqui duvida que o MST não se formou na Encruzilhada Natalino, inclusive o Stédile que se chamava João Barbudo, porque colonos foram expulsos das áreas indígenas...

Anônimo disse...

O Maia Gosta de uma mentira mesmo.

Precisa ler alguma coisa além de ZH; e ainda há tempo para ouvir algumas pessoas que podem te esclarecer esta história "mau" contada do PIG.

Claudio Dode

Anônimo disse...

O grupelho RBS, especialmente, o pasquim Zero Hora não tem que se preocupar em "respeitar" a inteligência dos seus leitores simplesmente porque quem lê esse pasquim NÃO TEM INTELIGÊNCIA.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Ora, ora, carambas. ZH apenas contou uma história verdadeira do surgimento do MST. E a patrulha ideológica não quer que essa história seja contada.. E por que não quer? Porque não interessa aos 'amigos' do MST que se conte a história do MST; ou seja de que alguns colonos que foram expulsos de terras indígenas no RS formaram o MST. Qual o problema disso? Divulgar esse tipo de informação é, por acaso, antidemocrático? Não é.

Anônimo disse...

Gostaria e muito c que contassem a história do MST. Não só me interessa como acho que seria interessante que contassem a história do MST.

E mais que contassem a luta pela terra que começa até antes do MST, e por aí que deviam contar se quisessem escrever a verdadeira história do MST.

Para isso existem documentos e muitas, mas muitas pessoas que poderiam se entrevistadas e consultadas.

Mas é isso que ZH não faz por que ela é anti-democrática, e esse tipo de informação é só mais uma mentira.

Claudio Dode

Anônimo disse...

O problema, Maia, é que quando ZH faz uma matéria sobre o MST jamais usa fontes do Mst, ferindo o princípio básico de ouvir os dois lados.

O mesmo fazem todas as grandes rádios AM de Porto Alegre desavergonhadamente: realizam mesas-redondas para falar de Reforma Agrária, de Aracruz - grande patrocinadora - e não chamam ninguém do MST.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Prestes, o MST e seus agentes não gostam da RBS e não concedem entrevistas. Diversas vezes a ZH faz um contraponto e o MST não se manifesta. E mais, a matéria da ZH de domingo não fala mal do MST. Ele apenas conta um fato que é inquestionável, inclusive com o depoimento do cacique que levou adiante essa causa indígena e que foi determinante para a formação do MST.

Anônimo disse...

O Maia diz:

" Diversas vezes a ZH faz um contraponto e o MST não se manifesta".

Ele se esquece que quando o MST, ou qualquer movimento popular se manifesta o Cel. Mendes desce a pancadaria.

Por outro lado existem mil matérias da ZH sempre contando a história de uma lado, e sempre o que vai de encontro do interesse deles, e não da informação jornalistica que se espera.

A informação para o PIG é uma mercadoria, é uma atuação de mercado (até para a concorrência com o restante do PIG) e só supera o interesse com o viés do faturamento, o interesse de classe, este sim apresentado com grande força e competência.

Claudio Dode

Anônimo disse...

E numa destas minhas viagens pelos EUA, um agricultor americano me perguntou se MST não era a abreviatura de MONSANTO.
Seria uma revolta de funcionários descontentes?
Seria algum ex-funcionário revoltado?
Seria o Brasil contra investimentos estrangeiros?
Ou seria uma facção, sim "facção" de um certo partido, de esquerda, que estava prestes a ganhar uma eleição para presidência do Brasil?
Eles optaram por acreditar na ultima hipótese. Retiraram investimentos do RS, PR, GO e SP.

Hoje, eles sabem que MST é grupo de manipulação de pobres.

E nós, agricultores brasileiros, que investimos na produção, estamos satisfeitos com o governo Lula, com ressalvas, porém temos perspectivas de continuar a geração de divisas para o país.

José Alberto Antunes

Anônimo disse...

Esse Maia é um grande ingênuo ou um tremendo calhorda. Ou os dois.

Jens disse...

Coluna 1.

Jens disse...

Ops, coluna 2, lógico. De ingênuo ele não tem nada.

Anônimo disse...

Caro José Alberto Antunes:

Veja a ingenuidade deste teu agricultor americano achar que MST
era abreviatura de Monsanto, se não fosse triste poderia parecer até hilário, não é mesmo.

Mas esta ingenuidade deve ser porque lá a reforma agrária já foi realizada e há muito tempo, ele deve imaginar que aqui é como por lá, pelo menos neste item.

Tanto se enganou que era para apoiar algum governo que as reclamações continuam e no mesmo tom.

E a reclamação é porque a manipulação existente é com relação a reforma agrária, que o latifundio juntamente com a midia mercantilista impede sempre que se concretize.

Claudio Dode

Anônimo disse...

E aí ele dá sua opinião, que devemos aplaudir.

"Baixar o pau pode ser civilizatório

Vale a pena esclarecer sobre os movimentos sociais que não querem reduzir o tamanho das faixas de fronteira: eles não querem proteger bioma nenhum, mas impedir que o progresso extraia a região do atraso mais infame.

. As 120 ONGs nominadas pelo deputado Dionilson Marcon, do PT, são a vanguarda do atraso. Se a região progredir, elas deixam de existir e o deputado perde seus eleitores. Aquilo que se chama de movimentos sociais no sul da América Ibérica, não são movimentos sociais que formam organizações sociais e com isto viabilizam recursos para demandar. Elas não passam de movimentos criminosos, terroristas e bandoleiros que querem implantar o terrorismo de Estado e impedir o avanço das agrocidades granjeiras científicas e biotecnológicas, que gerarão riquezas para sociedades comerciais e civis, colocando famílias e grupos econômicos da região em outro. Será outro paradigma ,completamente diferente da pecuária, da agricultura e do setor primário rtadicional, acabando com a divisão tradicional de cidade e campo.

. Os bandoleiros e terroristas, acomodados com a Igreja Católica e e comunidades eclesiais de base, querem evitar isto, porque cria cadeias de valor agregado, destrói o famliarismo comunal de evangelização medieval e do começo do século passado, destruindo também a politicagem de oligarquias tradicionais, criando laboratórios em pleno campo.É por isto mesmo que a doutrina do comandante da Brigada está certa: impedir que a livre circulação se realize e as idéias circulem, e os investimentos possam se dar. Assim, baixar o pau, tirar sedizentes do caminho, é altamente civilizatório, como demonstrou Bush no Afeganistão e no Iraque."

Pescador

Anônimo disse...

É Pescador:

Belo o teu exemplo: O Bush.

Já dá para ver o tamanho da tua visão e a admiração pelo famigerado Cel Mendes.

Deve ser esta violência que estás pensando para as cidades da região que vão pegar milhares de trabalhadores rurais que vão para a periferia em busca de trabalho.

Um dia destes vi em jornal da região, na pregação deste progresso invertido, a entrevista com um pescador que sonhava que coma instalação da fábrica na região de Santa Isabel, onde morava, iria propiciar a filha dele num futuro, cursar uma faculdade e ser doutora na industria.

A realidade é bem diversa disso. É provável que a ele nem a entrada na área da industria seja facilita; e vamos torcer que a filha não caia nas mãos dos funcionários especializados que vem de fora para fazer funcionar.

Quer mais crime que isto?

Quem tem medo que a região melhore e que mude o poder político e se escapam privilégios desta oligarquia latifundiária que atolou a região nesta situação e não alternativas senão a violência como advoga o Pescador.

Claudio Dode

Anônimo disse...

O Agronegócio está acabando com o latifúndio.

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