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segunda-feira, 17 de novembro de 2008

O pré-ministério de Wall Street


Há uma contradição entre a mensagem de mudança de Obama e a nomeação de figurões de Wall Street para a equipe de transição

Na contracorrente da euforia e do otimismo generalizados com a eleição de Barack Obama, cumpre pensar em algumas contradições entre o "sonho" e a realidade; peço antecipadas desculpas pela saturação da "obamania".

Na cultura política norte-americana, forjada por uma simbiose do protestantismo calvinista com "afinidades eletivas" - Goethe "apud" Weber - com o êxito capitalista, no chão de uma nação de imigrantes, ser rico não é uma falta, mas até um sinal de salvação. Entre nós, como bem o sabia Sergio Buarque de Holanda, mesmo um catolicismo complacente não encontra muitas afinidades entre a salvação eterna e o desfrute das riquezas do mundo.

Assim, talvez o anúncio da equipe de transição de Obama não ofenda seus milhões de eleitores. Mas há uma contradição flagrante entre sua mensagem de mudança e a nomeação de figurões de Wall Street para fazer a transição entre o (des)governo Bush e a esperança obamista. Até porque a periferia, ainda que a contragosto, - Lula: o problema não é só do Bush - terá parte nas soluções que o eleito presidente dos EUA vier a concretizar para resolver a crise - ou prolongá-la.

Deve-se desconfiar dos ricos, que não podem morder o próprio rabo nem operar contra seus interesses? Isso é luta de classes de botequim, que os leitores desta Folha não merecem. A menos que exista entre os nomeados algum Keynes escondido - e a folha corrida deles não deixa a ver nenhuma ponta desse iceberg - e que Obama seja, de fato, uma reinvenção de Franklin Roosevelt, o aristocrata novaiorquino que enfrentou sua própria classe social para reerguer os EUA atolados na mais funda depressão da história do capitalismo e de sua própria história nacional; mas a lista divulgada promete mais do mesmo, pelos breves currículos publicados por esta Folha em 7/11.

Dos 17 citados, 11 são diretamente ligados a grupos financeiros da linha de frente de Wall Street. Não estavam eles entre os barões ladrões que inflaram as bolhas até o recente estouro?

Fica patente também que o Partido Democrata preparou-se para uma outra administração Clinton, sob a presidência da chata da Hillary; Obama foi um cavalo azarão. A tão propalada preparação do senador por Illinois pode ter sido um blefe: ele está inteiramente nas mãos dos clintonianos. Capacidade de ouvir não é capacidade de governar. Lembra o folclórico governador Valadares, de Minas, que dizia com bom humor ficar "rouco de tanto ouvir".

O keynesianismo civil sozinho não conseguiu reerguer os EUA. Foi preciso o "keynesianismo de guerra", na forma das pesadas encomendas do governo rooseveltiano às indústrias bélicas, para a economia norte-americana levantar vôo e manter-se no ar durante os chamados "30 anos gloriosos" até os anos 70.

Obama não dispõe de nada disso: ao contrário, o keynesianismo não funciona numa economia globalizada, porque o poder nacional, mesmo o dos EUA, é limitado pelos constrangimentos da globalização, tanto que os esforços agora são para uma concertação geral de políticas, sobretudo a monetária, entre os principais países capitalistas; e os EUA não estão saindo de uma guerra vitoriosa. Muito ao contrário, estão quase como no Vietnã: de rabo entre as pernas.

E do brevíssimo período, uns dez anos se tanto, da arrogância unilateral da única potência que restou da Guerra Fria, caminhou-se para uma multipolaridade -a aposta de Togliatti, o velho líder comunista italiano- na qual emerge, com destaque, uma nova potência como a China. Para uma crise global, só uma saída global: mesmo o delírio de Bush e asseclas não conseguiu criar uma guerra global, que era na verdade seu projeto, o Armagedon, e ficou só na destruição do Iraque - então uma próspera economia - e na rematada destruição do já combalido - a ex-URSS havia feito sua parte - Afeganistão.

Ninguém deseja uma guerra para resolver uma crise do capitalismo: o último clone de Hitler está saindo de cena. Melhor seria que o sistema se esvaísse sem a necessidade de um trauma global, mas nem Papai Noel sonha com isso. Assim, é preferível que Obama cumpra suas promessas, o que já seria um otimismo cauteloso ou um pessimismo melhorado (fórmula parecida com o "silêncio obsequioso" da mais que dialética Igreja Católica), que é o desejo quase geral do establishment para o futuro governo de Obama.

A ausência de uma teoria sobre o capitalismo globalizado dá lugar apenas a tímidas perspectivas que não vão além de uma semana. Já vimos esse filme, muito recentemente: o de uma esperança que venceu o medo para depois entregar-se a ele. E, embora os atores possam ser competentes, os resultados das histórias, não dos filmes, que são ótimos, podem ser desastrosos: entre a abertura respeitosa, mas sem esperanças, de um "Linha de Passe" e a tragédia anunciada de "Última Parada 174".

Artigo de Francisco de Oliveira, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP.

Foto: Wall Street, NY, EUA, 1929.

20 comentários:

Carlos Eduardo da Maia disse...

Definitivamente, certa esquerda adotou o keynesianismo. Já é um belo avanço.

Anônimo disse...

Só Maia ainda não sabia que a esquerda tem um viés keynesiano. Marx é a grande análise, os grandes contornos do capitalismo, não há uma preocupação com curto-prazo isso está em Keynes.

Anônimo disse...

O “Maia” não tem nem idéia do que disseram ou escreveram Marx e Keynes, ele busca umas coisinhas no Google, pede ajuda a outros que, como ele, recebem para isso, e solta esses pitacos ocos com pinta de entendido, envoltos em uma ou outra frase efeito para analfabetos funcionais. E como tem gente que compra!

Anônimo disse...

Concordo. Enganou-se quem achou que seria o contrário. Presidente dos EUA equivale a um CEO de uma poderosíssima empresa de guerra e armamentos.
Já confirmou a que veio: nomeou Emmanuel, notório sionista e ex-agente do serviço secreto israelense. Garantiu que continuará o massacre no Afeganistão. Assumiu compromisso de indicar republicanos ao governo. Lula parece fazer escola. Assim, não há ilusão que resista.

Os capitalistas estão se lixando se o CEO é negro, chinês ou judeu, desde que atenda seus interesses. Só isso. Claro Obama não é uma mula como o Bush Jr, mas é o que é.

armando

Anônimo disse...

Obama não é uma mula como o Júnior, certo.Obama é um puro sangue de cor negra mas alma, espírito e intenções políticas brancas.
Berlusconi disse certo, Obama é só bronzeado, tudo nele é branco. Até a mulher tem cabelo lisinho como uma branquela fashion. Se ilude quem quiser, com o cara. Mas tem uma vantagem, claro, o Júnior vai pra casa beber todos os dias até morrer de parada cardíaca.

Anônimo disse...

1) Feil, por favor explique aos seus leitores quem foi Keynes, o que ele sugeria, do que resultou suas teorias e a sua consequência. Já está me enchendo a paciência comentários de gente que leu Keynes no Chiavenatto e acha que entende alguma coisa de economia.


2)Obama não prometeu mudar o sistema econômico (ele não é louco). Obama prometeu mudar as causas da crise (percebem que há uma diferença sutil, pra não dizer gritante???). E Obama quer mudar as causas da crise nos EUA. não no mundo.

3)O munda NÂO passa por uma crise econômica grave. Passa, sim, por uma crise financeira muito grave. Há uma diferença brutal entre uma coisa e outra. Em termos econômicos, estamos relativamente (eu disse relativamente) abrigados. Isso é que parece ser de difícil compreensão a algumas cabeças aqui.

4)Aí é que entra Keynes. E os "usurpadores" de waal street (que, vejam só, financiaram a duplicação da produção mundial em 20 anos, mas isso não importa, preciso de alguém para meter pau! Crédito é ótimo, mas ele surge do nada. Puff, mágica, assim! impressionante)

5) Obama não vai mudar a economia. Por que ele não quer. Àqueles que decretam o fim do capitalismo e do mundo como conhecemos hoje, meu pêsames. Obama não vai fazer diferente.

6)O rapaz esse o Maia, tem umas idéias meio obtusas e indefensáveis as vezes. Concordo. Mas por que as pessoas ao invés de argumentarem resolveram caçar o sujeito? isso é mais fácil do que elaborar idéias?

Anônimo disse...

Sadam, a crise É econômica também. O capital financeiro é a combinação de capital industrial + capital bancário, esse é o conceito. As burguesias industriais estão metidas no pântano da crise até os cabelos. A Alemanha e o Japão já estão em recessão ECONOMICA. Não há a menor dúvida sobre isso.
Essa sua separação é boa para finalidade didática e para estudar o capitalismo concorrencial, hoje não há como separar o que é econômico e o que é financeiro. O Antonio Ermírio de Moraes, do grupo Votorantim, é capitalista industrial ou bancário? Na acumulação primitiva de sua família foi industrial, agrário até, hoje é financeiro, como interesses espalhados por vários business aqui e no Exterior.

Anônimo disse...

De fato atualmente estão sobrando automóveis e faltando gêneros alimentícios no mundo. E a tendência é cada vez mais pessoas morrerem de fome. Para isso não tem grana.

Anônimo disse...

Juarez, não neguei a crise econômica. Disse que ela não é tão grave como as que tivemos na década de 80 e 90, por exemplo. O Antônio Ermírio, se fosse gringo, iria restringir suas atividades bancárias, mas ia continuar vendendo muito suco de laranja. Como ele é brasileiro (vide ironia), vai ganhar muito dinheiro tanto com o cimento quanto com o banco. Alemanha e Japão estão em recessão sim. E isso não é consequência direta e única da crise financeira desse ano (mas sim, ela contribui, não há a menor dúvida).

O que digo é que a crise não é grande suficiente para assustar ou causar mudanças estrutrais na economia. Até por que não há o mínimo acordo sobre as causas da crise. Tem gente que diz que é por que o Estado estava ausente. Tem gente que diz que é por que o Estado estava presente de mais.

Então, cara-pálida, no discurso meio débil do Obama, que dizia muito mas não falava nada, Mudança pode significar qualquer coisa.

Tia Madeleine vai voltar à casa branca, o FED fica do jeito que está. Vão regular meia dúzia de transações subprime, e depois que o crédito retornar - acreditem, ele vai - as coisas vão voltar a ser como sempre. Keynes volta ao ostracismo e vamos continuar decretando o fim do capitalismo - e dos tempos - como o conhecemos.

Como diz o Fiuza (http://guilhermefiuza.com.br/colunaepoca/), esse discurso da ao mundo um pouco de poesia. Leiam que as vezes ele acerta em cheio.

E só. Passa ao largo e mouco, para ecoar nos ouvidos de quem "acredita na mudança" de Obama. Eu não estou tão certo...

Anônimo disse...

E mais: lembraremos com saudades de Clinton, pois veio para por ordem no Império. Israel já decretou em manchete no Maariv, que o sinista Emanuel "é nosso homem na Casa Branca". O Afeganistão verá o inferno mais de perto. O protecionismo avançará. E por aí vai.

É bom termos os pés no chão.

armando

Anônimo disse...

Bem eu nunca acreditei que este tal de Obama poderia dar em coisa alguma.

Primeiro se engana quem pensa que exista na política dos EUA algum "democrata", ou melhor, ligado minimamente ao conceito de democracia. Os dois partidos são ideologicamente iguais, exatamente iguais. Politicamente, também, completamente iguais, com pequenas divergências que passam pelo processo eleitoral, e até para justificar este processo.

Segundo lugar é preciso ter claro que este bi-partidarismo "unico" foi construido justamente para que não apareça, e se aparecer não tenha chance dentro do processo eleitoral qualquer outra ideia politica e/ou iideológica. Que também foi montado simplesmente para perpetuar as duas AGREMIAÇÕES partidárias e impossibilitar qualquer mudança nos rumos políticos no EUA.

Ele, o Barak Obama, faz parte desta encenação. Foi preparado em Harvard para assumir esta farsa democrática. Quem conhece os EUA sabem o que significa em custo financeiro um curso de direito. Como também deve saber o de um custo de direito em Harvard.

É calro que a nossa "imprensa" no bom nome do colonialismo que representam entrou de sola na construção da imagem da democracia americana, para ser usada como padrão, e no Obama em particular pelo que representava por praticamente não ter passado político. Era mais fácil de enganar. E, logicamente, os colonizados que justificam suas ideias, ou a falta delas, numa deslumbrada veneração pelo colonizador, regozijam com a ideia de parecer que participam da festa.

Claudio Dode

Carlos Eduardo da Maia disse...

A atual crise sepultou definitivamente o ideal de que o mercado tem todo o direito de circular livremente por ai. É impensável hoje um mercado sem normatização, fiscalização e transparência. E a crise fez quebrar os saltos altos do G8. Era impensável há 3 meses que sairia em Washington uma reunião do G 20 para decidir sobre regulamentação dos mercados. O ideal keynesiano deve ser aplicado exatamente neste ponto, na necessidade de regulação. Mas existe diferenças significativas entre o mundo de hoje e o de Bretton Woods. O Estado moderno tem um controle fiscal muito maior, ele não pode simplesmente abrir a torneira do gasto assim no mais, sem contrapartidas e obrigações do outro lado. É preciso evitar os riscos e as "incertezas", sobretudo com dinheiro público. Os Estados nacionais modernos, sobretudo no mundo emergente nos BRICS da vida, tem que se estruturar -- e se estruturar bem -- para avançar nos novos tempos de controle, transparência e fiscalização dos mercados. A atual crise pode ter interessantes efeitos.

Anônimo disse...

Eduardo Galeano: Barack Obama, primeiro presidente negro da história dos Estados Unidos, concretizará o sonho de Martin Luther King ou o pesadelo de Condoleezza Rice?

armando

Anônimo disse...

O "ideal Keynesiano" é que todos os indivíduos tenham renda, se for necessário foda-se o equilíbrio fiscal. O equilíbrio fiscal é uma questão para o futuro e no futuro, segundo Keynes, todos estaremos mortos.

Tem certa direita, que ao menos, deveria comprar o dicionário de economia do Sandroni, antes de chutar.

Anônimo disse...

Meu caro anônimo. Estamos fodendo o futuro a bastante tempo, não acha?

Anônimo disse...

"Estamos" quem cara-pálida, eu fora. Prefiro algo do tipo carnudo.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Bretton Woods teve efeitos significativos na economia mundial nas décadas de 50, 60, até 70 com o estado de bem-estar social. Em contrapartida, gerou a inflação e a cultura inflacionária que está intimamente ligada ao fato de que o Estado gastava mais do que arrecadava e era necessário, portanto, emitir moedas. Os preços subiram, a economia se indexou e a população mais pobre, que não tinha acesso ao mercado financeiro, foi a que mais sofreu. A guerra contra a inflação -- que ainda não está vencida -- teve como um dos atores principais o controle fiscal, sendo uma política de exigência dos organismos internacionais com o Bird e Banco Mundial, inclusive para disponibilização de empréstimos. Os Estados nacionais têm sim que cuidar dos seus déficits. Não podem mais ficar largando dinheiro público para satisfazer interesses politicos e ideológicos. Os gastos devem ser feitos com a necessária cautela, para não alimentar as incertezas.

Anônimo disse...

Sei sei sei...

indivíduos com renda, sem equilíbrio fiscal. Alguém me anote um único lugar em que isso ocorreu como política de longo prazo sem resultados catastróficos.

Anônimo disse...

Os States servem? Ou Alemanha? Ou ainda a Itália? A Bélgica tem uma dívida pública muita superior ao PIB, está errado? Esses países não tem política de longo prazo?

Equilíbrio fiscal é história para boi dormir, puro discurso de economista colonizado.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Anõnimo, das 13:21, então peça para o PT revogar a lei complementar 101/2000.

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