Para entender melhor o conflito de Raposa/Terra do Sol
1968: bombas químicas eram despejadas pela FAB sobre o povo indígena...
Ricardo Boechat anunciou hoje [9/5] pela manhã que o repórter Fábio Pannunzio está de volta a Roraima para cobrir o “conflito” entre índios e “arrozeiros”. Coitados dos índios. Fábio é um bom repórter, eu o conheci em 1993, quando da greve da TV Jovem Pan, onde ele trabalhava. Eu era, na época, presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo e ele repórter da TV Jovem Pan, fazendo parte do grupo ligado ao João Carlos Di Gênio. Fábio trabalha hoje na TV Bandeirantes, em Brasília, e é sobrinho do deputado federal Antonio Carlos Pannunzio (PSDB-SP).
O prefeito de Paracaima, Paulo César Quartiero, é Democrata (Dem ou Demo), o governador, José de Anchieta Júnior (PSDB-RR) é tucano. Fábio é primo de Fernanda Pannunzio, filha do deputado, ex-assessora de imprensa do Itesp – Instituto de Terras do Estado de São Paulo do programa Cidadania para Todos, uma co-produção entre a Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania e a Universidade Mackenzie.
Outro primo de Fernanda e sobrinho de Antonio Carlos, Sérgio Pannunzio, era advogado de Abel Pereira, criador daquele esquema de venda de ambulâncias superfaturadas que ficou conhecido como “escândalo dos sanguessugas”, ligado aos ex-ministros da Saúde Barjas Negri e José Serra. Abel Pereira era suspeito de ser o verdadeiro autor do chamado “Dossiê Vedoin” – aquele que os “aloprados” do PT queriam comprar e acabou servindo para provocar o segundo turno nas eleições presidenciais de 2006. Muito providencialmente, Abel Pereira morreu de um infarto fulminante enquanto jogava futebol com amigos em 7 de junho de 2007.
No jornal da Rádio Bandeirante apresentado hoje [9/5] pela manhã por Ricardo Boechat, comentando o incidente em que dez índios foram feridos a bala pelos seguranças – ou “jagunços”, dependendo da posição de cada um – do prefeito Paulo César Quartieiro, Fábio Pannunzio fez uma defesa aberta e descarada dos “arrozeiros”.
A primeira cobertura de Fábio Pannunzio do tema da reserva indígena foi um escândalo. Ele ouviu o governador tucano de Roraima e as lideranças dos “arrozeiros”, todos contrários à demarcação das terras indígenas, sem abrir espaço para a defesa da reserva. Entre outros absurdos, Fábio tentou apresentar a sociedade roraimense como reféns dos índios waimiris-atroaris, que fecham a passagem pela BR 174 à noite, para proteger suas áreas de caça. Fábio, como afirmei lá em cima, é um bom repórter e, assim, é incompreensível que não tenha feito nenhuma menção à construção da BR 174.
A abertura dessa estrada é um dos episódios mais abafados, infames e sinistros da história das Forças Armadas brasileiras no período do regime militar. Encobertos pelo AI-5, os militares brasileiros cometeram um dos maiores genocídios da história mundial, muito pior que o dos armênios pelos turcos ou dos judeus pelos nazistas.
Em 1968, quando começou a revolta dos waimiris-atroaris contra a abertura da BR-174, sua população era estimada em mais de 6.000 pessoas; em 1974, quando as forças armadas terminaram sua campanha de extermínio, eles eram menos de 500. Dessa guerra restaram, pelo lado dos waimiris-atroaris as lendas dos grandes chefes guerreiros Maiká, Maroaga e Comprido (nomes dados pelos brancos, na verdade seus nomes seriam, muito provavelmente, Sapata e Depini) todos mortos pelo exército.
O episódio mais infame dessa guerra, documentada por entrevistas gravadas pelo padre Silviano Sabatini com índios wai-wai, waimiris-atroaris e sertanistas e relatadas no livro Massacre (Cimi, 1998) foi o bombardeio pela Força Aérea Brasileira de uma maloca em que os waimiris-atroaris realizavam uma festa ritual. Nas lembranças na história dos waimiris-atroaris o crime é definido como “maxki” (feitiço). O feitiço que caiu do céu era, na verdade, bombas químicas despejadas pela FAB sobre um povo indefeso.
As terras dos waimiris-atroaris abrigam entre outras riquezas a província mineral de Pitinga, uma das mais ricas do mundo e a maior jazida de cassiterita do planeta. As matérias de Fábio Pannunzio trazem o risco de um novo genocídio contra as populações indígenas de Roraima. Por favor, peço a todos que se mantenham vigilantes quanto às conseqüências dessa nova campanha contra os povos indígenas brasileiras, para que nossos índios não tenham o mesmo fim dos cavalos selvagens de Roraima.
Em 1981, estive em Roraima fazendo uma edição especial sobre as novas fronteiras agrícolas para a IstoÉ. Os principais inimigos dos “arrozeiros”, na época chamados simplesmente de “gaúchos”, e que estavam chegando a Roraima levados pelo governador Ottomar de Souza Pinto, naquele tempo não eram os índios, mas as manadas de cavalos selvagens que invadiam as plantações de arroz para pastar. O Hélio Campos Mello, com quem dividi a matéria, fotografou os únicos exemplares de cavalos selvagens do Brasil, mas eles não existem mais. Foram dizimados a tiro ou veneno pelos “gaúchos”.
Os “gaúchos” não eram chamados de “arrozeiros” porque plantavam, na verdade, brachiaria. Como o Banco do Brasil não financiava pastagens, a brachiaria era plantada consorciada com arroz. No primeiro ano, a produção de arroz explodia, enquanto a brachiaria começava a deitar raízes. No segundo, a produção se reduzia à metade ou menos, para praticamente desaparecer no terceiro, quando a pastagem tomava conta das terras. Aí os “gaúchos” reportavam a quebra da safra para negociar as dívidas com o Banco do Brasil. Quem quiser confirmar essa história, basta consultar os arquivos dos financiamentos do Banco do Brasil em Roraima na época. Mais de 25 anos depois, parece que as coisas não mudaram muito por lá.
Artigo do jornalista Antonio Carlos Fon
Mais informações sobre os waimiri-atroari aqui.
10 comentários:
O grupo Bandeirantes reproduz na programação do Bandnews uma fala de Boris Casoy com o editorial da empresa com opiniões facistas sobre o episódio do conflito com os índios. Fazendeiros atacam covardemente indígenas autoctones e são colocados como vítimas que se auto defenderam. Não é a opinião isolada de um repórter, é a opinião da empresa de comunicação que escolheu seu repórter à dedo.
Os latifundiários gaúchos espalhados pelo Centro-Oeste e Norte do Brasil formam a pior máfia deste país.
Alguém saberia me responder de maneira inteligente no que eles seriam "melhores" do que os cartéis da cocaína na Colômbia?!
[]'s,
Hélio
Os latifundiários gaúchos espalhados pelo Centro-Oeste e Norte do Brasil formam a pior máfia deste país.
Alguém saberia me responder de maneira inteligente no que eles seriam "melhores" do que os cartéis da cocaína na Colômbia?!
[]'s,
Hélio
um dos textos mais lúcidos que eu já li...
A ganância dos latifundiários gaúchos, capixabas, nordestinos, paulistas ou das grandes corporações nacionais e internacionais do agronegócio não tem fronteira. A única sustentabilidade com que estão preocupados é a das contas bancárias e da manutenção dos empréstimos oficiais para a expansão de “suas” terras. A abordagem “imparcial” da nossa “GRANDE mídia”, deliberadamente, defende interesses dos inescrupulosos detentores do poder político e do capital. Sem o menor constrangimento ela (a mídia) joga a população brasileira contra os últimos dos moicanos do hemisfério sul. A Rede Globo, no JN desta semana, mostrou que os índios invadiram as fazendas dos arrozeiros (ou arruaceiros tropicais?). Quem invadiu o que e de quem? O comportamento da imprensa é o que podemos classificar de medieval. Bastante oportuna e esclarecedora a matéria do jornalista Antonio Carlos Fon sobre a nossa vergonhosa história recente, relembrando o massacre impetrado pelo regime militar contra a população nativa. Na concepção medíocre dos patrões, editores da imprensa brasileira, as únicas tragédias que merecem espaço são as urbanas dos “Nardonis”, dos mosquitos da dengue, das febres amarelas e dos “dossiês” aloprados. É passada a hora da sociedade e dos governos, local e federal, assumirem a “mea culpa” e garantirem o direito de existência das comunidades originais, livres das ambições sem limites dos “civilizados”, já que da imprensa e dos latifundiários pouco podemos esperar. Louvável a postura e a pronta ação do Ministério da Justiça neste deplorável episódio dos pistoleiros grileiros e jagunços assassinos invasores de terras da União.
O interessante é que esses arrozeiros ocupam apenas 1% da reserva Raposa Terra do Sol... UM POR CENTO!!!!
E uma reserva - localizada em zona estratégia do país -- com 19.000 índios e suas ONG´s obscuras ocupam uma área dez vezes maior que a cidade de S. Paulo. Esse discurso "politicamente correto" necessita um pouquinho mais de objetividade!
A reserva Raposa Terra do Sol tem que ser defendida por todos os brasileiros que amam o Brasil. Chega de injustiça contra os indígenas, fora todos os arrozeiros e quem quer que seja prejudicial à causa indígena. Meu abraço.
Este episódio é completamente novo para mim (preciso ler mais!). Como nossas forças armadas que deveriam e DEVEM cuidar de nosso indigenas, principalmente em zona de fronteira, puderam dizimar uma população? Em nome do que? No tocante ao controle da área, concordo com o Maia, é zona estratégica sim, e é preocupante a constante aproximação de organizações absolutamente desconhecidas neste local e em outros na Amazônia. É função das forças armadas, através de seu aparato de inteligência, verificar o que está acontecendo e, junto com os índios, garantirem que aquela gigantesca região fique tutelada pelo estado. O desbravador Gaúcho em alguns momentos da nossa história recente passou a se comportar como os valorosos bandeirantes o que é lastimável. Fábio Pannunzio é um pau mandado, a voz do dono, ele fala o que querem!
Quem documenta muito bem a "atuação" dos gaúchos pelo Brasil afora é a RBS naquela sua série triunfalista "A marcha para o oeste". Se não me enagno, essa barbaridade existe em vídeo.
O Problema o Maia não é o 1% das terras.
O primeiro problema é a tomada ilegal (roubo de terras) pelos ciminosos quartieiro e sua quadrilha.
O segundo problema é o desrespeito a a lei pela quadrilha do quartieiro.
O terceiro problema é o modelo terrorista armado para atacar indios e o patrimonio público, como as pontes que foram dinamitadas.
Ali nas ondas do agronegócio só surfa bandido.
Claudio Dode
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