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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

O real desafio é criar mecanismos de ampliação da democracia direta


A democracia que não veio

Desde que a campanha eleitoral começou, vemos os candidatos mais bem posicionados ensaiarem a defesa da reforma política. Isso significa que, ao menos no discurso, todos reconhecem um certo déficit democrático nas estruturas de poder da sociedade brasileira.

No entanto, é interessante perceber como a maioria das propostas (quando elas, de fato, aparecem) resume-se à discussão de questões que não tocam o fundamento do problema.

Voto obrigatório ou facultativo, existência ou não do Senado, adoção ou não do voto distrital: todas essas questões, embora relevantes, não têm a força para desbloquear o processo de constituição de uma democracia efetiva entre nós.

Neste sentido, talvez fosse o caso de dirigir a atenção para dois pontos pouco explorados no debate eleitoral. Primeiro, vivemos um processo de esgotamento do chamado "presidencialismo de coalizão".

O Brasil deve ter o único Parlamento no mundo em que é impossível a um partido ter a maioria absoluta das cadeiras. Desde a redemocratização, apenas o PMDB de 1986 conseguiu alcançar essa marca.

Isso faz com que o Congresso seja um verdadeiro "balcão de negócios", no qual um Executivo sempre fragilizado (já que necessita de alianças heteróclitas com vários partidos para governar) sai perdendo.

Só seria possível mudar tal situação através de uma reforma política que permitisse situações eleitorais nas quais o vencedor leva tudo.

Isso pode significar que uma parte das cadeiras deva estar vinculada, necessariamente, ao partido vencedor, a fim de permitir que ele possa fazer maioria congressual mais facilmente (ou, ao menos, uma minoria qualificada).

No entanto, toda discussão a respeito de nosso deficit democrático deve partir da constatação da baixa participação popular nos processos decisórios de governo.

A democracia parlamentar liberal quer nos fazer acreditar que a participação popular deva se resumir, em larga medida, à criação de coeficientes eleitorais em épocas de eleição. Ela não percebe que o verdadeiro desafio democrático consiste na criação de mecanismos de ampliação da democracia direta, seja através da generalização de plebiscitos, seja através da regionalização dos processos de decisão sob a forma de conselhos populares.

Tal criação é a condição para o engajamento da população nas práticas sociais de gestão. Só uma patologia própria ao pensamento conservador pode defender que o aumento da participação popular equivale a um risco à democracia. Como se a boa democracia fosse aquela que conserva o povo a uma distância segura através dos mecanismos de representação.

Contra isto, talvez seja o caso de dizer claramente que a verdadeira democracia é medida pela possibilidade dada ao poder instituinte popular para manifestar-se, mesmo que seja criando novas regras e instituições.

Pois há uma plasticidade política própria à vida democrática que só aqueles que temem a construção de uma democracia efetiva compreendem como "insegurança jurídica".

Artigo do professor Vladimir Safatle, do departamento de filosofia da USP. Publicado hoje na Folha.

4 comentários:

Sonia Langmut disse...

Há um obstáculo, no entanto: o que fazer quando a solução depende do problema? Uma reforma política nesses termos - tão substancial quanto necessária - está condicionada pelo mesmo Congresso que deve ser o principal alvo de transformação.

É viável pensar que o PMDB aceitaria terminar com as condições institucionais que possibilitam a sua existência parasitária? Dá pra imaginar o PSDB, DEM e cia apoiando uma reforma em um contexto em que o lulismo parece ter vida garantida por, pelo menos, mais 16 anos?

Mario Rangel disse...

Olá Cristóvão.

Mais um ataque especulativo na Orla do Guaíba

Veja aqui:

http://www2.portoalegre.rs.gov.br/portal_pmpa_cidade/default.php?p_noticia=131719

Anônimo disse...

Delegar o poder de escolha direto ao povo, no Brasil hoje, segundo as pesquisas, significaria a aprovação fácil da pena de morte e vedaria terminantemente o aborto.

Assim que a esquerda se der conta disso, vai achar uma péssima ideia esse negócio de participação mais direta.

Alexandra Peixoto disse...

po, massa, tb usei essa mesma imagem nesse mesmo texto, hehe. gosto muito do seu blog.

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