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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O debate proposto pela RBS


O tal "declínio [moral] nacional"

Ontem o jornal Zero Hora, porta-voz da direita e do atraso meridional, propôs (sempre de forma oblíqua, como é do seu feitio) um debate acerca da questão moral do nosso tempo, mas em bases falsas. Fixou arbitrariamente dois fatos conhecidos do senso comum como marcas simbólicas do que chamou de "declínio [moral] nacional". Os fatos são: o factóide Lina-versus-Dilma e a novela escândalos-no-Senado-e-o senador-Sarney. Sobre a corrupção que devasta e anula o governo Yeda, nada, silêncio total.

À noite, na emissora TVCOM (igualmente do grupo RBS), programa do radialista Lasier Martins, a matéria de ZH foi repercutida sob a forma de um debate entre quatro "especialistas" de moralidade pública, todos padecendo de amnésia aguda sobre a conjuntura presente do Rio Grande do Sul. O inferno moral fica no Brasil, aqui no Rio Grande, graças ao bom Deus, fomos aquinhoados com almas puras, retas e dignas - é o que se depreendeu de tão esclarecedor debate televisivo, comandado por um sujeito que classificou, recentemente, o indizível lobista Lair Ferst, militante tucano e ex-amigo da governadora, como "um homem de inteligência superior".

Assim, lembramos de um pequeno artigo nosso publicado aqui no blog, em 19/12/2008, que transcrevemos abaixo. Querem discutir, para valer, a questão moral de nosso tempo? Então, vamos dar os primeiros pitacos:

O crime como força produtiva

Todos os ideais Iluministas estão mortos, subsiste somente o aspecto negocial ("geralmente colocado sob o signo da vigarice", no dizer de Ernst Bloch), o lado puramente econômico, produtor de mercadorias e alienação, que se reproduz de modo ampliado pelos aportes incessantes da ciência reificada através das tecnologias de dinheirização da vida.

O mestre dos gangsteres, Salvatore Lucky Luciano, dizia com conhecimento de causa, que ao entrar em qualquer negócio o importante é não ser o morto. Uma moral definitiva sobre o seu negócio e, de resto, sobre o negócio do capitalismo em geral. Um jogo com regra singular: não ser o morto. O resto vale tudo. Que o diga Bernard L. Madoff, o esperto que enganou meio mundo vendendo pirâmides de ganância, a um preço de 50 bilhões de dólares.

Qualquer estudante de economia, mesmo os não-estudantes, os transeuntes próximos a uma escola de economia, sabem que nos primórdios do capitalismo, na fase de acumulação primitiva, está o roubo, o saque, a escravidão e a pilhagem. Aí está a transnacional Siemens, há 70 anos cometendo crimes, sempre prosperando. Muitas dessas ações de apropriação nem sempre foram consideradas crime. O abigeato, por exemplo, nem sempre sofreu sanção. Bento Gonçalves da Silva, o grande herói guasca, foi um abigeatário confesso. Hoje, é crime passível de severa punição, e os fazendeirotes da Campanha guasca exigem veículos e força pública para inibir o crime de abigeato em suas propriedades.

O Direito anda a pé, o fato social anda a jato. E essa diferença de velocidade é fator econômico de grande relevância, quem dela tirar proveito tem inegáveis vantagens comparativas sobre o concorrente.

O vale-tudo da acumulação primitiva foi sendo abrandado pela lei e pelo Estado, mas não foi totalmente eliminado da vida social moderna. A concorrência entre os capitais reproduz incansavelmente novos vale-tudo, para os quais o Estado e a lei não estão e, muitas vezes, não querem estar preparados.

No Brasil, meses atrás, houve a constatação de maquiagem de mercadorias (pacote de alimento de 200 gramas, com apenas 190 gramas, de 1 kg, com 980 gramas, etc.): uma franca manifestação local do que é o negócio capitalista, na essência.

A fraude, aqui, é força produtiva.

O aumento de rentabilidade do capital pode vir tanto do incremento de produtividade quanto do esforço de desprezar a lei, para aquele, é preciso investimento, para esse, só é preciso empenho criativo e cara-dura.

As novas “forças produtivas” podem ser: “acordos e cartéis, abusos de posição de liderança, dumping e vendas casadas, delitos de iniciados e especulação, absorção e desmembramento de concorrentes, balanços falsos, manipulações contábeis e de preços de transferências, fraude e evasão fiscal por filiais off shore e sociedades virtuais, desvio de créditos públicos e mercados fraudados, corrupção e comissões ocultas, enriquecimento ilícito e abuso de bens sociais, vigilância e espionagem, chantagem e delação, violação do direito do trabalho e da liberdade sindical, da higiene e da segurança, das cotizações sociais e ambientais” (Brie), etc. Que grande grupo negocial está fora de um, dois ou todos esses poucos itens de “esforço criativo” para aumentar rentabilidade e vencer concorrentes?

A lavagem de fundos ilícitos pelos principais bancos dos Estados Unidos constitui uma fonte importante de fluxos externos para aquele país. Uma subcomissão do Senado americano calculou essa cifra em torno de 500 bilhões de dólares/ano. São recursos de múltipla origem: desde o narcotráfico, máfia russa e japonesa até o caixa dois de companhias multinacionais, depósitos em paraísos fiscais “legalmente” tolerados. Tráfico de tudo: novos narcóticos sintéticos, cocaína, armamento pesado, órgãos humanos, alta prostituição, falsificação de grifes (muitas vezes pelos próprios proprietários para aproveitar o crescente mercado informal subterrâneo mundial), pirataria na informática e na indústria fonográfica, o tráfico de animais (só este movimenta anualmente cerca de 20 bilhões de dólares), etc.

Toda a logística estatal norte-americana do serviço secreto que era empregado na Guerra Fria onde opera, hoje? Ganha um doce quem disser que é na nova guerra econômica pela americanização de fundos legais e ilegais, tanto faz; a moeda é uma mercadoria vil que procura proteção máxima; e os EUA podem dispor de meios para dar-lhe segurança e rentabilidade.

O comércio mundial anual situa-se, hoje, “ao redor de 5 trilhões de dólares, calcula-se que 20% por via do crime, ou 1 trilhão de dólares” (Brie). Essa “riqueza” é administrada lisa e serenamente pelos grandes bancos do planeta, por grandes escritórios de advocacia, mega-corretoras, intermediários diversos, gerentes e diretores de trustes e fiduciárias, constituindo um bolo internacional que é lavado todos os dias, em quantidades parcelares, pela chamada economia legal.

A guerra contra o grande crime é uma nova guerra fria (uma guerra de mentirinha), na qual os Estados nacionais pouco podem, porque dominados pelos interesses que sustentam e reproduzem tal situação. Aí reside a matriz primal da violência de nossos dias. Violência globalizada, que se alastra e se reproduz nos quatro cantos do mundo, em pequenas sucursais do inferno.

É da natureza mesma do negócio capitalista, essa prática heterodoxa. É da natureza mesma do escorpião picar o sapo que o ajudou a vencer a forte correnteza.

Mudar a natureza das coisas, quase sempre, implica mudar as próprias coisas.

Artigo de Cristóvão Feil, sociólogo.


6 comentários:

Anônimo disse...

O Feil... arruma a data que foi publicado o teu artigo... ficou 19/12/2009 (vão te chamar de Dinah Feil). rsrsrs

Não é necessário publicar este coment.

Luis (Taquara, RS).

Cristóvão Feil disse...

Obrigado, Luís.

Abç.

CF

Anônimo disse...

Ótimo artigo.

Gilmar da Rosa disse...

Olá Cristóvão!
Esta postagem deveria se publicada na forma de artido nos jornais da fronteira oeste. Pois lá, na terça feira o "amestrado" Lazier numa das atividades comerciais da RBS juntou lideranças (?) e polioticos da região na Universidade pra discutir "potencialidades" e vocações. A velha história de sempre. Pior que os botas cagadas adoram isso. Já roubei tua postagem inteira.
Grande abraço professor.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Capitalismo é processo. Mercado é fato social. É muito lindo pensar em mudar a natureza das coisas e as próprias coisas. Esse discurso cativa tanto como dizer que o Pontal do Estaleiro é uma privatização da orla do Guaíba. É um discurso lindo, mas manipulador e maniqueísta. Eu também quero mudar a natureza das coisas e as próprias coisas.TAmbém acredito que o estado liberal não deu certo, como também não deu certo o estado social e o estado do bem-estar social. O estado do futuro e do presente é regulador, o mercado não pode ser livre e o estado não pode ir além de certos limites. Mas o que colocar no lugar desse processo que se chama capitalismo? Essa é a verdadeira questão. É possível eliminar um fato social chamado mercado? Eu adoraria ver e viver numa sociedade profundamente solidária, onde não existisse exclusão social (isso não interessa a ninguém) e que as pessoas pudessem viver na santa harmonia e na paz sublime da gentileza. Este é o mundo ideal, mas como perseguir essa utopia? Como mudar a natureza das coisas? Como mudar as próprias coisas? Não se vai mudar as coisas e suas natureza extinguindo um processo que é mundial. Nós vamos mudar as coisas é melhorando este processo, aprimorando, democratizando, libertando e socializando. O mundo melhor e possível é da qualidade de vida de todos, da sustentabilidade, da solidariedade (que faz parte da terceira geração de direitos) e do respeito ao meio ambiente. E por isso vote SIM ao Pontal no Domingo.

Anônimo disse...

O artigo foi uma lembrança enviesada acerca do papel interpretado, acho que não por vontade própria, pelo nosso saudoso e finado embaixador em Brasília ? Me refiro ao papel de morto, claro.

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