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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

TV Globo faz louvação à pena de morte sumária


Programa "Fantástico" espetaculariza matadores do Bope carioca


A realidade urbana brasileira está indicando soluções fáceis para o problema da violência e da criminalidade: para os pobres infratores, tem o grupo de atiradores de precisão do Bope, para os ricos e criminosos do colarinho branco, tem o ministro Gilmar Mendes.

Esta semana, no Rio, um assaltando negro foi abatido com um tiro na cabeça pelo grupo de atiradores de precisão do Batalhão de Operações Especiais (Bope) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. À noite, a televisão mostrou a execução do rapaz que, tendo assaltado uma farmácia, e não conseguindo fugir, tomou como refém uma moça. A PM veio, estabeleceu negociações com o assaltante, enquanto um atirador de elite se postava em local privilegiado. A um comando, o atirador de precisão Major Busnello (entrevista no vídeo acima) adotou o que em linguagem bopeana se chama a "solução mais letal, ou seja, o tiro de comprometimento".

Nós todos sabemos que dormita no inconsciente do senso comum um desejo de vingança que se expressa na permissão à pena de morte. As frustrações dos indivíduos, provocadas por uma sociedade onde não cabem todos na estreita mesa do consumo e do espetáculo, resultam em estímulos à predominância dos baixos instintos humanos. A televisão, neste caso, cumpre o papel do jornalismo demagógico - referido por Weber - e opera a mediação entre a brutalidade do fato e a confirmação mecânica e acrítica por parte do público.

Mas que público é esse? Não é o público de cidadãos políticos, que decidem, participam, discordam e sancionam, mas o público consumidor alienado de direitos e usurpado de vontades. A massa de manobra da televisão como instrumento da sociedade da mercadoria.

A televisão Globo promoveu ontem à noite um estímulo ao regressismo civilizatório, ao elogiar a pena de morte sumária para um crime quase banal hoje nas ruas brasileiras. O fato de jovens excluídos portarem armas, assaltarem pessoas e estabelecimentos comerciais - isso em escala industrial no Brasil todo - não pode liberar a força pública para a "solução final" como assistimos na televisão. O que se viu não é a eficiência do Estado, mas a sua redução e simplificação a um ponto em que é dispensável todo o aparato judicial, penal e educativo.

Com esse pequeno vídeo, de poucos minutos, a TV Globo está cancelando como inúteis e vencidas todas as conquistas do Iluminismo e dos direitos humanos de dois séculos. Está dizendo que "os seus problemas acabaram, agora nós temos atiradores bem treinados que com uma boa mira e um tiro certeiro eliminam os objetos das nossas inseguranças e temores".

A cidadania está sendo convocada a seguir um antivalor, já que os sentidos da virtude estão suspensos. Trata-se de adotarmos - todos nós - a não-ética da violência desmedida, da agressividade selvagem e da total suspeição dos outros. A solidariedade, a cooperação, a convivência cidadã e a política como requerimento das demandas públicas foram derrotados.

O laço social agora se fará pela brutalidade horizontal, pela exclusão do mais fraco, e por uma disputa espetacularizada e glamorizada onde os vencedores ficam com tudo e os perdedores serão eliminados - fisicamente.

Parece um game infantojuvenil? Não, apenas a vida como ela é, o mundo-cão, proposto ontem pela TV Globo.

25 comentários:

dejavu disse...

Concordo que teve espetaculização da Bandeirantes e da Globo, todos os outros canais, pelo menos os que vi, preservaram os telespectadores - tiro de FAL em um ser humano é barra pesada, é ato violento onde o policial, cuja identidade deveria ter ficado anônima (cidadão atirador de elite), tem que agir em caso extremo numa fração de segundos. No caso o procedimento foi absolutamente correto! É bom lembrar que também no RJ em 12/06/2000 a policia usou todas as formas de negociação possíveis no famoso caso do ônibus 174, embora tenha tido várias oportunidades de atirar no "rejeitado da sociedade", resultado: ele morreu e levou consigo de forma covarde e previsível uma pessoa também pobre e inocente! Situações como estas devem ter a presença da imprensa e do ministério público, mas jamais câmeras ao vivo - não é show! A polícia, teoricamente o último muro que ainda temos contra bandido, tem que trabalhar com competência, profissionalismo e tranquilidade. Felizmente ainda não tive parentes colocados na situação da senhora que estava de refém! Bandidos (seres humanos maus) existem aqui e em qualquer parte do mundo e não são necessariamente e somente produto da falta de inclusão social! O que disse de forma nenhuma justifica a ação incompetente e covarde da nossa BM em São Gabriel onde foi assassinado um trabalhador sem terra e várias familias foram torturadas, são situações completamente diferentes!

Anônimo disse...

Em tese,concordo com o Cristóvão Feil,especialmente quanto à espetaculizaçao da morte para aumentar a audiência.No caso concreto,contudo,acho que o comentário das 09:45 (dejavu) é mais apropriado - a refém poderia ser morta pelo marginal.

Juarez disse...

Dejavu, o "rejeitado da sociedade" e a professora, do ônibus 174, morreram apenas após o assaltante se entregar. A professora, atingida por uma rajada de submetralhadora, disparada à queima roupa quando o assaltante e a refém desciam do ônibus. E o assaltante, estrangulado no camburão. Não seria, naquele caso, o disparo do atirador de elite. Bastaria o policial idiota não tentar dar uma de herói e disparar com uma arma inadequada quando o assaltante já havia se entregado.

José Renato Moura disse...

Tchê, me chamou a atenção duas coisas: primeiro, a justificativa para a adoção da "solução mais letal" seria que o agressor estaria em posse de uma granada, da qual retirava e recolocava o pino. Por isso, a área foi isolada. Mas há dois PMs a menos de três metros do agente, sem escudos ou outra proteção. Por que eles aceitaram ficar nessa posição tão vulnerável, em caso de explosão? A segunda é a vaidade do atirador. O sniper deve ser uma pessoa altamente treinada, impassível, discreta e anônima para a multidão, até para evitar comprometimento emocional em missões posteriores. O fato do atirador ter buscado os holofotes permite presumir que não tem frieza suficiente para essa função. Quem diz que ele não acelerou a "solução", pensando nas entrevistas posteriores? Na situação, me parece que havia espaço para mais negociação, e utilização de armas não-letais, como as famosas pistolas taser, que estão apenas passeando nos coldres dos PMs. Na hora de necessidade, eles preferem chumbo. E do grosso.

claudia cardoso disse...

É impressionante como a filmografia estadunidense, da solução faça-vc-mesmo, ignore as instituições e mate por sua conta, ajuda a construir a subjetividade da polícia! Alguém já contou para essa turma que rambo, exterminador não existem?
Assisto tv raramente e fico chocada, quando fico sabendo desse tipo de programação. Realmente, as concessões públicas exigem controle social externo. Não sei o que este tipo de programa contribui, segundo a CF88, para:
Art. 221. A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios:

I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;

II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação;

III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei;

IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.

JÚLIO GARCIA disse...

Cristóvão, dissestes tudo. Foi uma execução sumária, covarde, sem nenhuma chance de defesa. A polícia militar ainda disse que esgotou a negociação após o fantástico tempo de 'uma hora e meia de negociação'! Um pouco mais de 'paciência' e preparação melhor da polícia na tal 'negociação', certamente o cara teria se entregado e a refém libertada sã e salva. O 'espetáculo', contudo, não aconteceria. O frio assassino do assaltante encurralado e apavorado (major do Bope) foi então paparicado à condição de 'herói'!!!) não só pela Globo, mas também pela Band e outras... A porta está escancarada agora para que essas execuções 'seletivas' se tornem rotina (contra os 'bandidos' pobres e negros, principalmente). É o fim da picada. Barbárie total.

Anônimo disse...

O caso do ônibus 174 é emblemático de uma polícia que é tão pé-de-chinelo como a bandidagem.

Unknown disse...

Mas isso aqui no RS tem se tornado comum, a cada assalto aos bancos tem sempre um morto, geralmente o assaltante é morto pela polícia e ao ler os comentários do clicrbs, a massa delira e aprova este tipo de ação, realmente falta muito pouco prá se legalizar a pena de morte, se é que já não aconteceu e a gente nem se deu conta ainda!

Maurício Santos disse...

Esta é a consequência do mito de que a violência se resume ao binômio "cidadão-de-bem" ameaçado VERSUS bandido/pessoa má. Quando esse mito se impõe, ou é imposto pela mídia jornalística/de entretenimento, a solução do senso comum para o impasse é clara: matar o "mau", salvar o "bom". Isso lembra minha infância: a luta da "sala de justiça" com a "nave do mal".

Anônimo disse...

Ninguém quer legalizar a pena de morte.
A transgressão violenta da polícia é que leva a galera ao delírio.
O povo gosta de morte selvagem, e não de morte regrada.
Daí a aplaudirem a morte dos sem-terra é um pulo.
Desde que o perfil dos perdedores se enquadre no dos "culpados de sempre", é tudo festa.
Vocês acham que Fogaça, Serra e Yeda ganham eleição por nada ?

... disse...

Nossa resposta aos fascista é na rua... intervenção no desfile militar em Santa Maria... estudantes e movimentos sociais denunciam as praticas de tortura praticadas pelo estado ... contra a criminalização dos pobres...

http://www.youtube.com/watch?v=RHR5g0DPylk

Anônimo disse...

Este tipo de imagem deveria ser sumariamente proibida de ser exibida na TV. Programas escrotos como o fantástico dão nojo! Lixo, lixo, lixo. E depois eles ainda tem a desfaçatez de dizer: educação, a gente vê por aqui. Deve ser para garantir alguma verba fantasma de um desses ministérios... O Brasil tá mau mesmo!

Anônimo disse...

Só para colaborar. Me parece que esse mesmo "policial-herói" está resposdendo a processo por abuso de autoridade e agressão física, por tentar ingressar em estádio de futebol dando carteiraço, o que foi impedido pelo trabalhador "negro" que atendia na bilheteria e foi insultado.

edu disse...

Foi terrivel ver aquilo.

Traiçao, mal caratismo, falsidade.

O policial que conversava com o CIDADAO BRASILEIRO estava de maos pro alto, vazias, afirmava entender o desespero do jovem negro que cometera um crime, sabe-se la por que motivo.

Dizia que tudo ia ficar bem, que o Brasil era um pais onde se respeitava as pessoas que se rendiam, que desistiam de cometer um crime.

Eram as maos do Brasil que estavam levantadas em sinal de compreensao.

O rapaz até ficou mais calmo, deixou que a refem se abaixasse varias vezes, ficou exposto ao ataque, pq confiou no Brasil que lhe prometia clemencia.

Foi o Brasil que traiu, que mentiu, como um verme qualquer.

Atirar num cidadao sofrido, 25 anos, quando ele ja havia desistido de lutar, é absurdo.

Somente na América se toma esse tipo de atitude, nos paises civilizados, onde a criminalidade nao existe, se mantém a palavra, e os crimes sao poucos...

Unknown disse...

Enfim um herói: Será a próxima capa da VEJA?
Atribuir tamanho status ao atirador é algo simplesmente, "fantástico, novelesco, global". A Globo e demais corporações desempenharam seu papel mais uma vez, o de estigmatizar, segmentar e classificar a sociedade, como todo bom programa de qualidade total.
Atribui valores às ações, e esses valores moldam frágeis consciências, para a defesa do "way of life" novelesco, fantástico, global.
Parabén pelo texto, Feil.

Eduardo Simch disse...

Mestre Feil, esse primeiro parágrafo é uma piada pronta,
não resisti e fiz uma charge/parceria,com os devidos créditos. Confere lá:
www.esimch.blogspot.com

Anônimo disse...

uma boa parcela , a grande maioria dos bandidos,o são não por falta de oportunidades más por serem mesmo insano, sempre tem trabalho para os que querem viver dignamente,portanto não podemos ficar achando que a pobreza leva a esta criminalidade que ai está.As familias hoje criam os filhos à frente da TV assistindo tudo quanto não presta e formando suas perversas personalidades, em parte os pais também tem muita culpa ao não policiarem seus própios filhos,quando vão ver o azeite já terramou.....

Tupamaro disse...

Engraçado que este povinho bosta, que acredita em tudo que a Globo(e seus micos amestrados Brasil afora) divulga diariamente, não mostra a mesma indignação e apoio a "solução final" quanto aos crimes do colarinho branco. Corruptos como os nossos do caso DETRAN e outros do tipo Maluf, Daniel Dantas "et caterva" estão soltos, lépidos e faceiros e se elegem e reelegem graças aos votos deste povinho bosta e sua cabecinha "lavada" pela Globo. Para esta gentinha se for preto pobre e puta "vale tudo".

Davi Sarubbi disse...

"(...)Sandro, o sequestrador, morreu asfixiado à caminho da delegacia."
Ponto, nenhuma explicação, simples assim...

dejavu disse...

1. Não estou falando de maniqueismo de histórias em quadrinhos, mas da vida real. A versão sociológica e filosófica desta dicotomia seria muito bem explicada pelo nosso anfitrião Cristovão Feil, sociólogo lido e competente!
2. Que tal a seguinte situação: CIDADÃO BRASILEIRO com arma engatilhada na sua cabeça obrigando-o a assistir o estupro de sua mulher e filhas perpetrado por outro CIDADÃO BRASILEIRO! Quem é o bom, o mau e principalmente o CIDADÃO BRASILEIRO? A proposito, a título de informação, esta situação foi real e aconteceu alí no nosso litoral norte! A violência está aqui ao nosso lado, não se restringe mais a SP e RJ!
3. Como vamos resolver este tipo de situação até que todos estejam incluídos socialmente? Estou a falar da realidade!
4. Não acredito na mídia, cafetina do estado e desinformadora e muito menos tenho qualquer opinião formada por ela! Ainda consigo pensar sozinho!

Eduardo Simch disse...

Concordo com o Edu das 18:26, foi traição, mal caratismo e falsidade!
Um horror canalha e desonesto.Tem que ter estômago forte para assistir essa mídia de vermes glamourizar os exterminadores dos delinquentes/pobres brasileiros, além de ser uma atitude burra, pois abriu um perigoso precedente, ou seja, de agora em diante todo assaltante sabe que a negociação é uma fraude.

Anônimo disse...

Dejavu

Sou de um tempo em q, quando o "meliante" se via cercado, ele simplesmente se rendia. Á polícia o prendia e ponto final. Isso é verdade.
Mas, com o recrudescimento e a impunidade da ditadura, surgiram os "policiais" polivalentes, q além de policiais, se achavam tbém juízes, aptos a prender, condenar e matar. A partir daí, virou esse inferno. Qualquer infrator q se visse cercado, tomava logo um refém, chamava juíz pra se entregar, o cacete, por q sabia q se caísse na mão da polícia era executado sumariamente.
Me dei conta disso, dessa mudança de comportamento da bandidagem (polícia/criminoso) e certa vez, lendo uma passagem do livro "Cabeça de Porco" do M.V.Bill, Celso Ataíde e Luis Eduardo Soares" os autores falaram exatamente disso.
Agora, nós "evoluímos" mais um pouco. As execuções sumárias tem acobertamento, cobertura e glamurização da mídia.
Juro a vcs: eu teria mais medo da polícia do que do bandido, se estivesse numa situação como essa. O que um desses cretinos com sídrome de rambo não é capaz de fazer por um minuto de fama?

Eugênio

Unknown disse...

O policial acabou sendo mais assassino que o bandido não?

Eduardo Simch disse...

Dejavu,
situação real, não hipotética;
1)O cidadão brasileiro havia assaltado uma farmácia,(fato infelizmente corriqueiro nos 4 cantos do Brasil, onde a miséria é instigada diuturnamente para o consumo de mercadorias, de alcance impossível, pela mesma mídia que transforma em herói seus algozes) não estava estuprando familia alguma.
2)Sociológicamente e não maniqueísta;num sistema em que a publicidade cria necessidades supérfluas indiscriminadamente e em contra-partida não oferece condições de discernimento, quem são os verdadeiros criminosos nessa história?
3)Quem não cumpre a sua função? Acima nos ensina Claudia Cardoso a respeito da obrigação principal da mídia:preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas;
4)Se o cidadão brasileiro fosse esse facínora que os verdadeiros culpados tentam nos impingir e merecesse morrer com um tiro de FAL
na cabeça, os dois PMs não estariam ali desarmados com as mãos levantadas conversando.
5)Não sou ingênuo nem falso de afirmar que em uma situação de risco a mim ou a minha família,tendo chance, não reagiria e até mataria o assaltante, porém ali não era o caso.
6)Não será cometendo um crime maior que terminaremos com o crime menor.

LEANDRO RAMOS - Cachoeira do Sul RS disse...

Sou Policial Civil no RS e concordo com a "execução". Vejam bem: Se o sniper não tivesse atirado, e o cara jogasse a granada, ferindo alguém, TODA A POLÍCIA seria crucificada pela imprensa.É sempre assim com os policiais. Se agem, são covardes, se não não agem, são mal preparados ou corruptos. Isso tem que acabar no Brasil. Parabéns ao sniper, muito embora acredite que não fosse necessária sua entrevista. Em alguns casos, o anonimato é melhor!

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