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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Os bancos são um novo império persa



As imagens são de ontem, quarta-feira 29/6. Observem que o cachorro baio (que dizem ser anarquista, mas sobre isso nada lhes posso assegurar, haveria que perguntar ao próprio) continua em combate. Ele está em quase todas as tomadas, valente, participativo e vanguardista. Viva o cachorro baio! 


De outra parte, é de registrar a observação de Hegel, segundo a qual os fatos relevantes da história ocorrem, por assim dizer, duas vezes. Vejamos: a história antiga ensina que aconteceram grandes guerras de conquista ("guerras de raças", como diz Foucault), povos e territórios foram escravizados, saqueados, destruídos, esbulhados por dezenas, às vezes, centenas de anos. Lembro do velho império persa (século 5 a.C) tão bem reconstruído pela cativante narrativa de Gore Vidal, em sua obra "Criação", de 1981. 


Pois bem, hoje, a Grécia repete um pouco - sob novos métodos, agora, bem mais ideológicos - a saga sacrificial dos povos da Babilônia, da Índia e de partes da China, então, submetidos aos reis da Pérsia, obrigados a se despojarem de tudo para satisfazerem a grandeza material de um reino de força militar e ambição desmedida. A "nova Pérsia", hoje, são os bancos, o sistema financeiro, que obriga países inteiros a se submeterem aos mais severos sacrifícios a fim de manter as burras do sistemão abastecidas do sangue, do suor e das lágrimas de populações inteiras. Sempre contando com autoridades locais (no caso o Pasok - Partido Socialista Grego) para fazerem o trabalho sujo de limpar a área para propiciar o pleno e completo (legalizado sob cerrada chantagem ideológica) saqueio nacional. 
              

O sinistro jogo “Planet Master”



O desastre global em 4 minutos e meio.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

O pós-punk pop da Pulp

A verdade sobre os “piratas” da Somália



Um documentário imperdível sobre o badalado assunto da pirataria nas águas internacionais da Somália (leste da África). Como sempre, a imprensa internacional oculta as motivações e a realidade dos fatos noticiados. Antes disso, trata de criar versões mentirosas e distorcidas sobre um país que vive há anos em pleno "estado de natureza", numa insólita situação hobbesiana, sem governo estabelecido, em guerra civil permanente, fome generalizada, centenas de milhares de refugiados, guerra de raças, etc.


Como se isso não bastasse, a Somália ainda é vítima da pesca ilegal de grandes companhias, mas sobretudo, mais recentemente, serve de depósito de lixo tóxico e nuclear de empresas europeias e asiáticas. Veja tudo isso em 23 minutos deste importante documentário. Ao final, você verá que o alcance geopolítico e econômico do caso somali alcança muitos e importantes interesses das esgotadas economias centrais.

A bela Cat Power



Interpretando a composição do Oasis, "Wonderwall".

terça-feira, 28 de junho de 2011

Dilma desmontou a bandalheira no Promef

A presidenta Dilma Rousseff mandou suspender o processo de criação da empresa Sete Brasil que seria encarregada de operar a frota petroleira do Promef (Programa de Modernização da Frota Nacional de Petroleiros), bem como o rentabilíssimo negócio das sondas de perfuração offshore (foto) para a exploração do pré-sal em águas profundas. Hoje, o aluguel unitário destas sondas não fica por menos de 700 mil dólares/dia (preço internacional).  Atualmente, a Petrobras lidera a contratação de sondas em todo o mundo. A empresa Sete Brasil - urdida por alguns empregados aposentados da Petrobras – teria 90% de capital privado, com forte presença dos bancos Bradesco, Santander e demais grandes investidores.


Assim, o Promef continuará no comando da Transpetro – a maior armadora da América Latina e principal empresa de logística e transporte de combustíveis do Brasil. A Petrobras Transporte S.A – Transpetro atende às atividades de transporte e armazenamento de petróleo e derivados, álcool, biocombustíveis e gás natural. A empresa, subsidiária integral da Petrobras, foi criada em 12 de junho de 1998.

Brasil tem o automóvel mais caro do mundo



Margem de lucro das montadoras instaladas no Brasil chega a três vezes mais  

O Brasil tem o carro mais caro do mundo. Por quê? Os principais argumentos das montadoras para justificar o alto preço do automóvel vendido no Brasil são a alta carga tributária e a baixa escala de produção. Outro vilão seria o “alto valor da mão de obra”, mas os fabricantes não revelam quanto os salários – e os benefícios sociais - representam no preço final do carro. Muito menos os custos de produção, um segredo protegido por lei.


Com um mercado interno de um milhão de unidades em 1978, as fábricas argumentavam que seria impossível produzir um carro barato. Era preciso aumentar a escala de produção para, assim, baratear os custos dos fornecedores e chegar a um preço final no nível dos demais países produtores.


Pois bem: o Brasil fechou 2010 como o quinto maior produtor de veículos do mundo e como o quarto maior mercado consumidor, com 3,5 milhões de unidades vendidas no mercado interno e uma produção de 3,638 milhões de unidades.


Três milhões e meio de carros não seria um volume suficiente para baratear o produto? Quanto será preciso produzir para que o consumidor brasileiro possa comprar um carro com preço equivalente ao dos demais países?


As montadoras têm uma margem de lucro muito maior no Brasil do que em outros países. Uma pesquisa feita pelo banco de investimento Morgan Stanley, da Inglaterra, mostrou que algumas montadoras instaladas no Brasil são responsáveis por boa parte do lucro mundial das suas matrizes e que grande parte desse lucro vem da venda dos carros com aparência fora-de-estrada. Derivados de carros de passeio comuns, esses carros ganham uma maquiagem e um estilo aventureiro. Alguns têm suspensão elevada, pneus de uso misto, estribos laterais. Outros têm faróis de milha e, alguns, o estepe na traseira, o que confere uma aparência mais esportiva.


O Banco Morgan concluiu que esses carros são altamente lucrativos, têm uma margem muito maior do que a dos carros dos quais são derivados. Os técnicos da instituição calcularam que o custo de produção desses carros, como o CrossFox, da Volks, e o Palio Adventure, da Fiat, é 5 a 7% acima do custo de produção dos modelos dos quais derivam: Fox e Palio Weekend. Mas são vendidos por 10% a 15% a mais.


O Palio Adventure (que tem motor 1.8 e sistema locker), custa R$ 52,5 mil e a versão normal R$ 40,9 mil (motor 1.4), uma diferença de 28,5%. No caso do Doblò (que tem a mesma configuração), a versão Adventure custa 9,3% a mais.


O analista Adam Jonas, responsável pela pesquisa, concluiu que, no geral, a margem de lucro das montadoras no Brasil chega a ser três vezes maior que a de outros países.


Texto do jornalista Joel Leite, publicado no portal UOL Carros. Leia mais aqui.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

O vento minuano e o mercado do frio no RS


Nos últimos anos, cada vez mais se fala em neve no Rio Grande do Sul, nos meses de inverno – de junho a agosto. Invoca-se o que é faltante - os flocos de neve, abundantes, cadentes, fartos e inexoráveis. Parece que há uma aliança comercial entre setores da imprensa, meteorologistas de espetáculo, hoteleiros oportunistas e área do turismo da Serra guasca. Objetivo: iludir e captar incautos de classe média para os seus estabelecimentos pega-ratão.


Por trás dessas ações publicitárias há a tentativa de criar um mercado do frio no estado mais meridional do Brasil. Esse mercado teria como suporte (palavra do jargão publicitário) o mito da neve, e se sustentaria na indução ao consumo de bens e serviços em torno de alimentação, bebidas, hotelaria e comércio de vestuário voltados para mitigar o rigor das baixas temperaturas.


A estratégia é pobre e se baseia no alarme semanal sobre a iminência de frio intenso e neve, mas como nada foi combinado com São Pedro, este frustra os alarmistas. De qualquer forma, pela insistência, acabam depositando expectativas positivas no incipiente imaginário da classe média ingênua. Criam-se assim justapostas camadas de material favorável para que um mito fique de pé, pelo menos enquanto durar o inverno.


Enquanto isso, os verdadeiros agentes do frio sulino, os ventos minuano e pampeiro permanecem no limbo do nosso esquecimento. O minuano é um vento forte, constante e cortante. Ele sopra desde o oceano Pacífico, passa pela cordilheira dos Andes e assobia rasante os campos e coxilhas do pampa guasca. O pampeiro é um vento Polar, que sopra do corredor territorial entre o oceano Atlântico e a cordilheira chilena. Enquanto o minuano é um vento extremamente seco e varredor de nuvens escuras (ver foto), o pampeiro é trazedor de umidade associada ao frio, temporais e mau tempo prolongado.


O Rio Grande do Sul não constitui somente a fronteira nacional mais ao sul do Brasil, é antes de tudo, e para bem além da geopolítica, uma fronteira climática entre o trópico e o subtrópico, entre as correntes quentes do Equador e os ares glaciais do polo austral. Neste rincão, onde o vento redomão investe contra as correntes amenas do trópico, criando conflitos e inquietudes naturais, os homens e mulheres aprenderam que o estabelecido não pode ser motivo de resignação e acomodamento. As insurreições naturais foram constantes inspiradoras de levantes políticos de prolongados embates. Vários escritores e autores sulinos – Érico Veríssimo e Simões Lopes Neto, por exemplo - narraram o fenômeno que mimetiza a natureza em ações coletivas de grande significado histórico, político e social.


Nota-se, pois, que o tema é vasto, culturalmente rico e de grande valor poético-literário. Por esse motivo não pode ser reduzido a uma prostituída estratégia publicitária para granjear simpatia junto a consumidores tão ingênuos quanto ignorantes.


P.S.: Hoje em Porto Alegre, de resto no Rio Grande todo, está soprando um minuano inclemente, que faz escabelar os bigodes de quem os têm.

Erykah Badu



A bela texana tem uma voz das mais singulares para o jazz e o soul, mas está soterrada por escombros de musiquinhas pop-Pasteur de quinta. Uma pena, ainda que se possa - vez ou outra - garimpar alguma pérola que faça justiça ao seu talento.

Agenda para um troglodita

Angeli


Falta um lembrete: Debochar daqueles que - por falta de oportunidade - falam/escrevem "errado". 

domingo, 26 de junho de 2011

Formalizada a criação da empresa Sete Brasil



Negócio da China

Foi formalizada, em São Paulo, a criação da empresa Sete Brasil S.A (Sete BR) que, juntamente com o Estaleiro Atlântico Sul (EAS), assumirá o contrato para a construção de sete sondas de perfuração marítima – as primeiras produzidas no Brasil – a serem utilizadas para atendimento do programa de perfuração de longo prazo da Petrobras nos poços no pré-sal. A previsão de entrada em operação das novas sondas é para 2015.


Participaram da assinatura do contrato de criação da nova empresa, na última sexta-feira (13/05), o presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli de Azevedo, o diretor Financeiro e de Relações com Investidores da Companhia, Almir Barbassa, o presidente da Sete BR, João Carlos Ferrraz, além de representantes dos bancos Santander, Bradesco, BTG Pactual, Caixa Econômica Federal, além de Previ, Petros, Funcef, Valia e Lakeshore Financial Partners Participações. Juntamente com a Petrobras, os bancos e fundos de pensão são acionistas da Sete Br. A Petrobras terá menos de 10 por cento de participação, e a governança na empresa será proporcional à participação de cada sócio.


Na ocasião o presidente da Petrobras ressaltou “os grandes desafios e oportunidades que serão enfrentados por esta nova empresa, capaz de transformar a indústria de petróleo e gás no Brasil. Trata-se de uma empresa com enorme potencial devido não apenas às demandas da Petrobras, mas de todo o setor”, concluiu Gabrielli.


A Sete BR, para financiar a construção das sondas, contará com o capital próprio, provido pelos sócios, e com recursos de financiamento de longo prazo concedidos pelo BNDES, que irá financiar a parcela correspondente ao conteúdo brasileiro de bens e serviços para construção de cada sonda, além de recursos provenientes das agências de fomento à exportação dos países que fornecerão o conteúdo a ser importado e dos bancos comerciais.


A informação acima foi pescada daqui.

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Frota da Petrobras está sendo privatizada



A Petrobrás, com apenas 10% do negócio, junto com os fundos de pensão (Previ, Petros, Funcef e Valia) e os bancos Bradesco e Santander, somando os outros 90%, formaram a empresa Sete Brasil, com o objetivo inicial de construir as sondas necessárias à exploração do petróleo do pré-sal pela Petrobrás.


Acontece que agora, além de construir as sondas, a Petrobrás pretende repassar à Sete Brasil os 49 navios contratados pelo PROMEF (Programa de Modernização e Expansão da Frota da Petrobrás). Na prática, isto significará a privatização do programa, que foi carro chefe da campanha eleitoral da presidenta Dilma Rousseff, visto que além de repassar a esta nova empresa a responsabilidade pela construção, também repassará a propriedade destes ativos.


Os problemas políticos não param por aí, pois todos os riscos do PROMEF já foram superados, como a revitalização dos estaleiros existentes e a construção do estaleiro Atlântico Sul, o financiamento garantido pelo Fundo da Marinha Mercante e pelo BNDES, com juros subsidiados e prazos bem maiores do que os praticados pelo mercado, além do fato de que as tarifas a serem pagas à Petrobrás no afretamento serão maiores, para remunerar o capital desta nova empresa formada por banqueiros.


No caso concreto de se confirmar a doação dos contratos do PROMEF para a Sete Brasil, a frota da Transpetro passará novamente a caminhar para a curva da morte, visto que os navios que possui são em sua grande maioria de casco simples e que por força de lei serão obrigados a deixar de navegar.


A Petrobrás passará a ser a única empresa de petróleo que não terá frota própria para transportar seu negócio, o petróleo.


Rio de Janeiro, 16 de junho de 2011


Nota de protesto do Fórum do Setor Naval do Rio de Janeiro, formado pelas seguintes entidades:


CUT-RJ
CTB
Força Sindical
CNM-CUT
Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro
Sindicato dos Metalúrgicos de Niterói
Sindicato dos Metalúrgicos de São Gonçalo
Sindicato dos Metalúrgicos de Angra dos Reis

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Os exércitos clandestinos da Otan na Europa



Documentário sobre as operações clandestinas (e terroristas) da OTAN (Organização do Tratado Atlântico Norte) na Europa durante a chamada Guerra Fria.


A operação Gladio, a “quarta fase” da guerra, a denominada “Estratégia de Tensão” e as primeiras operações do terrorismo de Estado, hoje prática corrente em governos dos países hegemônicos.


Produzido e veiculado pelo insuspeito History Channel, que pertence à Hearst Corporation e à Disney.


Duração: 53 minutos.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Presidente da Petrobras: com viés de queda


O Conselho de Administração da Petrobras, reunido na última sexta-feira (17/06), solicitou à Diretoria estudos adicionais sobre o PN. A divulgação será feita assim que Plano for aprovado.

A Petrobras informa que estudos e análises de sensibilidade do Plano de Negócios 2011-2015 foram apresentados ao Conselho de Administração (CA) que, reunido nesta sexta-feira (17/06), solicitou à Diretoria estudos adicionais. A companhia efetuará a plena divulgação do Plano assim que este for aprovado.

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É a terceira vez consecutiva, só neste ano, que a presidenta Dilma glosa o Plano de Negócios da estatal de energia. 

Viés de baixa para o presidente Sérgio Gabrielli.

Na rodada anterior, a presidenta da República havia determinado um corte de 45 bilhões de reais no PN da companhia. Gabrielli recolheu o Plano, mandou refazê-lo, mas apresentou-o novamente na última sexta-feira com os 45 bilhões distribuídos de forma astuciosa por várias rubricas da peça de planejamento da estatal.

Dilma flagrou a esperteza e determinou nova revisão no trabalho.

Não será surpresa se Gabrielli cair nas próximas semanas. 

A crise econômica é sinal de esgotamento da democracia formal


Democracia real


As atuais manifestações que sacodem a Europa trouxeram uma reivindicação que há muito não se ouvia em países como Reino Unido, Espanha, França: democracia real. Há algo de importante aqui.


Pois poderíamos nos perguntar o que haveria de fictício na democracia de países que aprendemos a ver como exemplos de sistemas políticos consolidados. Por que largas parcelas de sua população compreendem que há algo no jogo democrático que parece ter se reduzido exatamente à condição de mero jogo?


Talvez tais manifestantes entenderam que a democracia parlamentar é incapaz de impor limites e de resistir aos interesses do sistema financeiro. Ela é incapaz de defender as populações quando os agentes financeiros começam a operar, de modo cinicamente claro, a partir dos princípios de um capitalismo de espoliação dos recursos públicos.


Não é por outra razão que se ouve, cada vez mais, a afirmação de que a alternância de partidos no poder não implica mais alternativas de modelos de compreensão dos conflitos e políticas sociais. Por isso, o cansaço em relação aos partidos tradicionais não é sinal do esgotamento da política. Na verdade, ele é o sintoma mais evidente de uma demanda de política, de uma demanda de politização da economia.


Em momentos assim, devemos lembrar que a democracia parlamentar não é o último capítulo da democracia efetiva. A Islândia tem algo a nos ensinar sobre isso.


Um dos primeiros países atingidos pela crise econômica de 2008, a Islândia decidiu que o uso de dinheiro público para indenizar bancos seria objeto de plebiscito. Maneira de recuperar um conceito decisivo, mas bem esquecido, da democracia, a saber, a soberania popular. O resultado foi o apoio massivo ao calote.


Mesmo sabendo dos riscos de tal decisão, o povo islandês preferiu realizar um princípio básico da soberania popular: quem paga a orquestra, escolhe a música.


Se a conta vai para a população, é ela quem deve decidir o que fazer, e não um conjunto de tecnocratas que terão seus empregos garantidos nos bancos ou de parlamentares cujas campanhas são financiadas por esses bancos. Como disse o presidente islandês, Ólafur Ragnar Grímsson: "A Islândia é uma democracia, não um sistema financeiro".


O interessante é que, com isso, saímos dos impasses da democracia parlamentar para dar um passo decisivo em direção a uma democracia plebiscitária capaz de institucionalizar a manifestação necessária da soberania popular.


É tal processo que nos coloca nas vias de uma democracia real. Ele é a condição primeira para sair da crise. Pois a verdadeira questão que tal crise nos coloca é política: que regime político é este que permitiu um descalabro deste tamanho na calada da noite?


Artigo do professor Vladimir Safatle, do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). Publicado hoje na Folha.


Foto: Manifestação de massa em Atenas, praça Syntagma, defronte ao Parlamento grego, protestando contra as novas medidas de austeridade proposto pelo governo social-democrata. Em 15 de junho de 2011. 


Dimitri Messinis/AP

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Paradoxo Mario Vargas Llosa




Vargas Llosa é sabidamente um racista, um etnocêntrico convicto. Mas é capaz de narrar a história do ex-explorador colonialista Roger David Casement (1864-1916), depois convertido à luta de libertação de sua Irlanda, ele que fôra na juventude envolvido na sanguinária barbárie branca contra os povos africanos e índios sulamericanos: tudo em nome dos três C’s – cristianismo, civilização e comércio.


É de suspeitar que Vargas tenha se identificado com a transformação política de Casement. Sei lá!

Explicando a dívida grega (e global)



“Debtocracy - Χρεοκρατία - Debitocracia"

É um documentário realizado em 2011 pelos jornalistas gregos Katerina Kitidi e Ari Hatzistefanou. Foi distribuído livremente pela internet, com a intenção de analisar as causas da crise e da dívida na Grécia – de resto, hoje, uma crise europeia e global. 


O filme propõem soluções que tanto o governo grego quanto os meios de comunicação dominantes ignoram e ocultam, a saber: imediata convocação de um comitê popular para auditar a dívida do país, e não-pagamento de dívida derivada de corrupção financeira.    

Duração: 1h14min

Legendas em espanhol. 

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Está difícil de entender


O governo federal está prestes a interditar - em definitivo - o direito à informação acerca dos arquivos da ditadura militar (1964-85). Segundo palavras da ministra Salvatti a decisão seria essa, iluminada que foi pelos ex-presidentes  Sarney e Collor, agora promovidos a conselheiros privilegiados do Planalto. Vejam só!


É difícil compreender o caso, sabendo-se que a presidenta sofreu os piores tratamentos que um ser humano pode ser submetido pelo regime que sequestrou, prendeu, torturou, e assassinou. Agora, caso se confirme, a cidadania  estará impedida de conhecer o passado de si própria, em nome, em nome... em nome do quê mesmo?   

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Para entender o Brasil, hoje. Uma leitura indispensável


O poder dos donos


A demissão do ministro Palocci desvela os prodígios do transformismo dos donos do poder. Entre mortos, afogados e defenestrados, sobrevive impávida a estrutura do poder real, aquele contubérnio entre o dinheiro, a mídia e a política, cujas entranhas, costuradas no golpe de 1964, foram rasgadas no documentário Cidadão Boilensen.


Os poderes dos donos mandam e desmandam, reforçados agora pela presença dos yuppies cosmopolitas da finança globalizada. A grande inovação dos modos contemporâneos, além da internet, do celular e do iPad, é soft power. Nos subterrâneos onde são transacionadas as mercadorias entre o poder político e o poder econômico já não se ouve, felizmente, o grito dos torturados, mas os sussurros das mesas de operação das grandes empresas privadas. (financeiras e não financeiras).


As burocracias do Estado são convidadas a mediar a concorrência entre os grupos e instadas a escolher ad hoc as regras a serem aplicadas. Governo após governo mudam os rumos, mas sobrevivem os métodos. Há que admirar o requinte dos poderosos nos cuidados de patrocinar e preservar o sistema de relações perigosas entre o público e o privado.


A vulnerabilidade do Estado brasileiro não decorre de sua incompetência, como pretende a vulgata liberal, mas de sua importância na “administração” dos mercados. Não só no Brasil, mas em todas as partes são notórias as dificuldades de escapar à força dos interesses particularistas e de fixar políticas em nome do interesse geral. No livro The American Empire and the Political Economy of Global Finance, o cientista político Leo Panich rejeita a dicotomia Estado versus Mercado e aponta “as complexas interrelações entre as carreiras e os interesses públicos e privados como a essência das relações entre o Estado e o Mercado”.


O peso político das classes proprietárias na representação parlamentar e na máquina do Executivo promove sistematicamente a distribuição de favores entre os competidores. As relações viciadas entre Estado e os privados fomentam a busca de vantagens e privilégios. As agências públicas se envolvem no “jogo das regras”, sempre empenhadas em contemplar os velhos interesses e dar guarida aos novos setores que buscam o amparo das políticas “públicas”.


Os estudos internacionais sobre o tema mostram que o Estado transformou-se numa arena em que se digladiam os grandes interesses e corre grana à vontade para financiar candidatos favoráveis à consecução de objetivos dos grandes grupos privados.


Não por acaso os cidadãos de todas as partes estão sempre sobressaltados diante da iminência de serem abalroados por uma sucessão de paradoxos. Nos Estados Unidos, por exemplo, as inovações dos mercados financeiros não teriam avançado sem a prestimosa colaboração dos republicanos Reagan e Bushs I e II, mais o democrata Clinton. Com o auxílio deles, Wall Street voltou a dominar os plenários do Congresso e os escritórios do Executivo.


A independência moral e política se esvai nas eleições, cada vez mais caras. Por isso, ninguém foi capaz, até agora, de propor o óbvio: aprovar uma lei de financiamento público das campanhas eleitorais, condição mínima para que seja instaurado por aqui um regime parecido com a democracia. Há quem torça o nariz para a ideia do financiamento público exclusivo. Os adversários argumentam com a escassez de recursos diante de prioridades mais prioritárias. Escuto meus botões: o que poderia ser mais importante numa sociedade que se pretende democrática e republicana do que a qualidade da representação popular e a igualdade de condições na disputa eleitoral?


Mais do que isso: as normas do mercado passaram a ditar as regras da vida política. No Brasil de hoje, essa lógica fatal vem contaminando as instâncias decisivas do poder estatal. O sistema partidário e o financiamento das campanhas eleitorais parecem ter sido engendrados com o propósito de transformar o Congresso num mercado de balcão, no qual os gritos de “compro” e “vendo” tornam ridícula a hipocrisia dos discursos moralistas dos plenários.


O arbítrio, o favorecimento, o segredo, a obscuridade e o nepotismo eram os demônios que os valores da República restaurada em 1985 pretendiam exorcizar. Pois os curupiras da Pátria Amada estão aí, livres e folgazões, gargalhando sobre as nossas incríveis esperanças.


Ao contrário do que se divulga, os senhores não se tornaram menos ferozes. Aprenderam a usar métodos mais sutis e eficientes para torturar coletivamente os cidadãos com as técnicas da desinformação, do massacre ideológico e da “espetacularização” da política. É uma questão menor saber se a corrupção no governo A é maior do que a no governo B.


Artigo do economista e professor Luiz Gonzaga Belluzzo. Publicado na revista semanal CartaCapital nº 650, nas bancas nesta semana.

Fotografia de Adriana Campelo

O valor e o significado do pré-sal


Palestra com o geocientista da Petrobras, Henyo Trindade Barretto.  Amanhã 14/6, em Porto Alegre.

Há algo de muito errado no reino das telecomunicações no Brasil



Teleproblemas


Por que as operadoras de telefonia estão boicotando o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL)?


Pelo mesmo motivo que as leva a prestar um serviço ruim e caro - dos mais caros do mundo, aliás. Porque "há algo de muito errado no reino das telecomunicações".


O PNBL nem é um plano tão ousado assim, uma vez que pretende levar internet a 68% dos domicílios, com velocidade de até 1 Mbps, por até R$ 35. Convenhamos que o "até 1 Mbps" ainda nos deixará longe da banda larga de outros países.


Mas, pelo menos, o PNBL fixa um teto de preço e tem abrangência boa, uma vez que o acesso à internet é fundamental para que os cidadãos não fiquem fora do mundo digital, inclusive em termos de informação e de conhecimento.


A exclusão digital, hoje, tende a se transformar em perda de qualidade de vida e em limitação no mercado de trabalho. Consequentemente, com queda de rendimento e de ascensão social.


É preciso que o governo federal aproveite esse episódio - a resistência das teles - para mudar o tratamento que recebem quando não retornam aos consumidores o que cobram por seus serviços, principalmente em telefonia móvel.


Uma das saídas para o impasse - a ameaça de convidar empresas estrangeiras para o PNBL - deveria valer também para os demais serviços de má qualidade.


Há certa reserva de mercado que não se justifica, pois as companhias são privadas.
Nunca é demais lembrar que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) trata as teles a pão de ló, como se dizia antigamente.


Por exemplo, a agência se nega a tornar pública a lista dos bens, como imóveis e softwares - que devem retornar à União em 2025. São os chamados "bens reversíveis". Muitos desses bens já foram vendidos, embora a Lei Geral de Telecomunicações proíba que isso ocorra sem a autorização da Anatel.


Então, há por aqui um estranho panorama: tarifas caríssimas, serviço ruim, tratamento meia-boca e total e absoluta complacência da agência reguladora e do Ministério das Comunicações com as companhias responsáveis por essas infrações ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). Somente isso já valeria uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no Congresso, para que os brasileiros saibam o que há por trás das telecomunicações no país.


A impressão que fica é a de que as operadoras de telefonia fazem o que fazem porque são grandes e fortes. Que não há ninguém, entre as autoridades dos três Poderes, com coragem para enfrentá-las.


Até agora, a presidente Dilma Rousseff sinalizou mudanças no relacionamento com as operadoras.


Primeiramente, ao exigir mais velocidade no PNBL. E, como a Folha noticiou, teria autorizado o convite a empresas estrangeiras para participar do PNBL, se a resistência das operadoras continuar.


São reações adequadas, mas há que mudar o principal, no dia a dia de atuação dessas empresas. Não por acaso, são elas que lideram os rankings de reclamações dos órgãos de defesa do consumidor.


As operadoras móveis querem participar da popularização da banda larga. Aqui, caberia uma avaliação criteriosa, porque também não se destacam pela qualidade dos serviços prestados.


Uma das áreas vitais para o desenvolvimento de uma nação moderna está, então, nas mãos de empresas que deixam muito a desejar em todos os sentidos, inclusive bens públicos, que retornarão à União em pouco mais de dez anos, se não forem dilapidados até lá.


Ninguém está satisfeito, mas as providências para mudar esse quadro não parecem suficientes.


Não há nada que justifique a tranquilidade com que as companhias dessa área passam por cima dos interesses dos consumidores.


Queremos somente bons serviços, a preços justos. Não é pedir demais, exceto se as teles, como os bancos, tiverem licença e proteção para fazer as coisas como acharem certo, mesmo quando estiverem erradas.


É uma resposta que os cidadãos esperam para ontem.


Artigo da advogada Maria Inês Dolci. Publicado hoje na Folha.


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Chama a atenção o descaso das operadoras telecom para com os seus milhões de usuários no Brasil – praticamente 100% a população brasileira. Serviços dos mais caros do mundo e de péssima qualidade. A Anatel, que era para ser uma agência reguladora, está colonizada pelo notável poder de sedução das teles.

Venho alertando aqui, há meses: as teles se preparam para veicular conteúdo. Devem substituir o que conhecemos por PIG – Partido da Imprensa Golpista. Será o PIG 2.0, ou o PIG do século 21, agora turbinado pelas últimas tecnologias do mundo telecom como veículo de ideologias e práticas político-negociais do século 19.  

Ninguém desconhece que as teles são contra o PNBL a ser implantado pelo governo federal. O objetivo do PNBL é horizontalizar e democratizar o acesso ao serviço de banda larga no Brasil inteiro. Há carência de internet rápida - a custo baixo - em quase todo o território nacional. E não estamos nos referindo aos confins da Amazônia ou locais remotos do sertão nordestino, não. 

Posso citar pelo menos um exemplo de área estratégica e que ainda não dispõe de banda larga decente: a região de Rio Grande, no extremo sul do RS. Pois em Rio Grande, porto marítimo estratégico, onde está sendo instalado um importante Polo Naval, com investimentos superiores a 8 bilhões de reais, não há banda larga eficaz e efetiva. Não há. 

Empresas de construção naval precisam mandar documentos importantes para as suas execuções industriais por via rodoviária, desde Porto Alegre ou Florianópolis, que ficam a 300 e 800 quilômetros de distância de suas operações, respectivamente.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A Copa de 2014 e a limpeza imobiliária dos que atravancam os negócios



"Aqui no Rio de Janeiro estamos passando por um processo crítico de total desrespeito à legislação urbana, em função das obras para a Copa e Olimpíada. Coisas muito semelhantes estão acontecendo ai em Porto Alegre, como remoções de pessoas (exclusivamente de baixo poder aquisitivo), mandando-as para os confins mais afastados da cidade para deixar a paisagem das áreas centrais "limpas".


A pobreza está deixando de ser tratada como problema social e se tornando só uma questão paisagística a ser resolvida com remoções. Isso está documentado em consultorias que a prefeitura do Rio encomendou de planejadores urbanos de Barcelona (ou seja, é legitimado pelo Estado), e está acontecendo também em várias cidades por onde ocorrerão os megaeventos.


Segue anexa uma fotografia que uma aluna minha tirou, no Rio de Janeiro (da localidade de Campinho, entre Madureira e Cascadura), que ilustra um pouco dos conflitos urbanos que estão acontecendo em função do território de exceção que se instaurou por aqui.


Os movimentos organizados aqui no Rio (e aí em Porto Alegre também) estão preocupados e esperançosos em função da quase inexistente repercussão que estão tendo os despejos e os conflitos que estão acontecendo (pois são abafados pelo furor em função dos jogos e pela expectativa de investimentos que as cidades vão receber - esquecendo das dívidas que estas cidades estão contraindo com infraestrutura que só vai servir para os grandes investidores, à custa do erário público)".


Carla Hirt, professora universitária


Fotografia de Alessandra Migueis

quarta-feira, 8 de junho de 2011

No tempo em que os jovens liam



As pessoas jovens das minhas relações tinham algo em comum, por mais que se diferenciassem em tudo o mais: interessavam-se apenas por coisas do intelecto. Estavam informados sobre tudo o que aparecia nos jornais, mas só ficavam excitados quando se falava de livros. Uns poucos livros ocupavam o centro da sua atenção, e teria sido desprezado quem não estivesse informado sobre eles. Contudo, não se pode dizer que apenas eram repetidas certas opiniões gerais ou dominantes. Cada um lia tais livros; uns liam trechos para os outros, ou citavam passagens de cor. 

A crítica não era apenas permitida, era bem-vinda; procurava-se encontrar pontos vulneráveis que abalassem a reputação pública de um livro. Esses pontos eram discutidos com ardor, sendo muito valorizados a lógica, a presença de espírito e o bom humor”. [...]

Da obra de Elias Canetti (1905-1994), um dos grandes intelectuais do século 20, “Uma luz em meu ouvido”, p. 121, editora Cia. das Letras, 2010, tradução de Kurt Jahn.

O autor se refere à época de sua juventude, ou seja, na primeira metade da década de 20, do século 20.      

Embaralhando o privado com o público

Daniel Paz e Rudy

segunda-feira, 6 de junho de 2011

A Europa tem sistema de partido único



É o que afirma o filósofo István Mészáros


A última crise financeira enterrou os resquícios de diferença entre social-democratas e conservadores na Europa e agora prevalece no continente a definição que o escritor Gore Vidal cunhou para os EUA: um sistema de partido único com duas alas direitistas.


A afirmação é do filósofo húngaro István Mészáros (foto), professor da Universidade de Sussex (Reino Unido), que chega ao Brasil nesta semana para o lançamento da coletânea em sua homenagem, "István Mészáros e os Desafios do Tempo Histórico" (editora Boitempo).


"É irônico que na Grécia e na Espanha a tarefa de impor um arrocho cada vez maior aos trabalhadores tenha sido passada a governos ditos socialistas e assumida por eles. Para superar a paralisia imposta pelo "sistema de partido único", é preciso mudar o processo de tomada de decisões". A informação é da Folha, edição de hoje.


Um dos principais teóricos marxistas vivos, Meszáros, 81 anos, deixou a Hungria após a invasão soviética de 1956. Ele se notabilizou pela crítica à gestão econômica opressiva no antigo bloco socialista, contida em seu livro "Para Além do Capital".


Segundo ele, a crise hoje nos países ricos é estrutural, e não parte dos movimentos cíclicos tradicionais no capitalismo. Portanto, diz, não está no horizonte uma "longa onda ascendente" de recuperação econômica.


"Uma crise estrutural requer remédios radicais. Não há lugar para a autocomplacência quando trilhões de dólares jogados fora [para salvar os bancos] mal puderam arranhar a superfície do problema real."


Para Mészáros, o recurso às propostas do britânico John Maynard Keynes (1883-1946) - de intervenção estatal para regular o mercado e estimular o crescimento - pode trazer "alívio temporário". Não resolve, porém, o impasse causado pelo domínio das finanças sobre toda a atividade econômica.


"Grécia, Irlanda e Portugal estão falidos e outros países da Europa não estão longe disso. Os Estados podem intervir para se proteger, por meio do agravamento do seu próprio endividamento. Mas há um limite."


O filósofo fará palestras em São Paulo, Salvador, Fortaleza e Rio.


Leia a entrevista de Mészáros na íntegra, aqui.

sábado, 4 de junho de 2011

A deliciosa Norah Jones

Estetas: façam os seus juízos antropológicos



O Brasil é um fenômeno cultural e antropológico absolutamente desconhecido, porém único. Do que se trata essa festa (no vídeo acima)? É uma festa popular ou uma promoção comercial? Ou ambas? Observem que o universo infantil se aproxima do universo adulto, conectado por um halo erótico, prematuro para alguns, reprimido para outros (vide o buliçoso cavalheiro, ao fundo). Paira um clima de antecâmara da pedofilia, ou não? Seriam tão-somente manifestações autênticas e espontâneas da alegria popular? E por que poucos sorriem? De qualquer forma, tratam-se de expressões populares profanas. O nome do DJ diz tudo: Curinaldson. Aos poucos, os nomes inspirados na forte religiosidade popular vão cedendo a nomes seculares retirados da TV, do futebol, etc. Uma coisa é certa, a Igreja já não é mais o tutor moral da sociedade, os nomes das pessoas são os primeiros a refletir esse fenômeno. E a estética do lugar? Também não se trata de uma estética burguesa etnocêntrica, europeia. Como não tivemos uma revolução burguesa no País, não houve nenhuma inspiração estética que o elemento nacional-popular pudesse reconhecer e adotar. Evidencia-se, ao contrário, uma composição justaposta e sincrética - quase naïf - na decoração do ambiente. Praticamente, vê-se ali, uma obra do velho Arthur Bispo do Rosário ao vivo. 


Isto posto, e convocando os pernósticos da linguagem e os estetas da ignorãnça - muito em voga, face a critica à cartilha do MEC para o EJA - é de perguntar: este é o Brasil certo ou o Brasil errado? [Nada disso, evidentemente.] 


Que Brasil é esse, afinal? 

quinta-feira, 2 de junho de 2011

O caminho de Dilma é um só: reforçar a dimensão política da presidência


Dilma na passagem de Hamlet à Antígona


1) O caso Palocci trouxe a evidência de algo novo, trouxe ao campo político a revelação de uma situação complexa e diferente. Até Dilma, todo presidente da República na redemocratização vinha de uma carreira política. Na verdade, um chefe de corrente política, mesmo que viesse de uma agremiação minoritária como Fernando Collor. E Collor tinha um bom itinerário político. Não é que Dilma não seja política, mostrou esse traço na sua atividade de militância contra a ditadura, mostrou na sua presença no PDT e depois no PT. Mostraram também os seus múltiplos cargos: secretária municipal, secretária estadual, ministra de Estado. Todos esses aspectos fazem parte de um percurso na área, Dilma não é uma flor de estufa. O que é indispensável considerar é que a Dilma não era e nem é um chefe partidário. Nunca teve embates de prefeito ou governador, nem postulou nenhuma candidatura parlamentar. Jamais tinha concorrido a eleições majoritárias. Teve sim comando de área estatal: Fazenda, Energia, Casa Civil. Lógico que esses traços de atuação administrativa têm uma face política; configuram um dado importante e contribuem para o problema que ela está enfrentando – que está enfrentando e que terá de enfrentar decisivamente. Não há como negar, Dilma é uma personalidade política de alta envergadura, mas que fazia parte – e parte fundamental – da equipe do Lula. Não carrega, portanto, atrás de si um dossiê de liderança partidária. Dado o seu absoluto e invulgar talento de técnica-política na esfera da administração, culminou como um quadro de Joseph Beuys ou de Francis Bacon na primeira linha da sua arte; e foi guindada à postulação do cargo de presidente da República. Contra o experiente Serra, se saiu com rara felicidade. Um ano antes parecia aos tucanos e até aos petistas, sonho de uma noite de verão, impossível de acontecer. A derrota do aparente puro sangue paulista não parecia, àquela altura, fazer parte dos resultados do páreo.


2) Dilma experimentou as doçuras e as agruras da campanha presidencial. Depois de ter sido ajudada por Lula a ser conhecida pelo povo, jogou com firmeza, astúcia, independência e precisão na disputa com o PSDB. Só que, agora, no desempenho do governo, não tem na sua bolsa a experiência do árduo jogo do político profissional, cujo objetivo é a tomada do poder e desenvolvimento da sua liderança política e social. Pois decorridos cinco meses de seu mandato, Dilma está lançada diante dessa realidade febril, a sua inexperiência nas aventuras, ciladas, adesões, traições, chantagens e invenções da luta política. Exatamente por sua carência na arte do jogo das grandes figuras, das grandes raposas, dos cachorros grandes. E aí é que o lulismo e o dilmismo estão enfrentando uma potente adversidade. Um pouco como as pessoas têm de encarar o mundo quando um dia de sol se transforma em temporal. Há que fazer algo para não se molhar, para chegar ao seu objetivo, ao seu destino. Pois a verdade é essa: Dilma tem poder, a nação a respeita como presidenta legítima, contudo ela não tem experiência do jogo em pauta. Não tem um grupo político e social sob o seu inteiro comando. Fez e faz parte de um determinado setor partidário. Ganhou o bilhete aéreo para o confronto republicano, mas ainda não é a chefe de uma facção ou de uma corrente política. Herdou e ganhou o poder; não herdou nem ganhou um partido. Esse continua sob a direção de Lula. Sem dúvida, é uma segurança para ela. Lula, além de ter criado a sua candidatura, foi um dos maiores presidentes do Brasil, no nível de Vargas, no nível de Juscelino; o tempo dirá se maior, igual ou menor. Em todo o caso, Lula está junto deles – e dela. E eles, não se pode olvidar, foram gênios da política no Brasil. E todos foram inequivocamente chefes partidários e políticos. Com Dilma, a coisa é diferente. No momento, é uma seguidora de Lula, mas já está na pista de decolagem para transformar a verticalidade da sua própria figura nacional. E só vai aprender se ela se colocar na posição de piloto do avião.


3) Então fixamos bem esse ponto, o problema que Dilma tem é a falta de carreira política, de não ter sido chefe político. E isso se tornou palpável e visível, espelho aguçado, no começo da formação de seu governo, onde a figura da articulação política ficou com Antonio Palocci. E Palocci expandiu-se. Não só ia fazer a relação com o parlamento, mas trazia, entre as suas credenciais, uma de substancial importância: a ligação com os banqueiros e com setores empresariais. Além, é claro, de sua conjugação com Lula. Isso significou uma posição cartográfica de notável importância. Porque, com a sua entrada no governo, Dilma sofreu um deslizamento para a parte da liderança administrativa, embora mantendo as decisões da chefia do Executivo. O que acontece, leitor crítico, é que na formação do seu governo, acabou com um ministro da Casa Civil com poderes excessivamente ampliados. O que Temer queria, ficou com Palocci. E isso teve como consequência imediata uma parede e um bloqueio entre a presidenta e os parlamentares. É obvio que se torna indispensável ter uma certa proteção. E essa proteção não pode anular o caminho da necessidade de todas as formas de relação política: negociações, proposições, sedução do poder, convencimento de parlamentares, jogo de apoio social, cargos, cooptação, pressões, concessões, decisões, anulação de chantagens, manobras e falsas manobras, escuta de reivindicações de todos os matizes, encontros secretos, acordos políticos, etc. Mas, principalmente, a proteção não pode segurar o desenho e a construção de uma base política para uma estratégia de poder. E, no caso da presidenta do Brasil, o mais definitivo: a configuração de uma estratégia nacional. E Dilma, prazer e sofrimento, teria que executar essa estratégia num face a face, no dia a dia, ao que chamei, em outro artigo, da combinação da grande política com a pequena política. Os grandes projetos e o comércio das miudezas cotidianas. Mas, ousaria dizer mais, para o êxito de sua jornada há que ter uma audácia especial. O Brasil não pode ser pensado apenas como Brasil, tem que ser pensado dentro de um projeto de negociação para o mundo. É na trajetória do mundo que o Brasil vai se construir. É desse norte absoluto que Dilma pode encontrar um desempenho para a sua realização como presidenta. E ela tem tempo para esculpir uma bela carreira política.


4) Ao aceitar, optar e atribuir a Palocci como ministro da Casa Civil determinado tipo de coordenação, Dilma deixou aberta a possibilidade de que houvesse um curto-circuito na dimensão política da Presidência. Não que o seu poder fosse ferido. O que foi constrangido e diminuído foi o exercício do poder. Ou exercício do poder propriamente político. Ou mais precisamente, a concepção estratégica da presidência, com os desdobramentos pessoais, intransferíveis, do comando da negociação dessa articulação entre as duas variedades de políticas citadas acima: a grande e a pequena. O(A) presidente(a) é um imã, um diamante que organiza e responde a dança incontornável do baile e da festa dos atos políticos.


5) O caso Palocci, fora todo o problema ético – em processo de discussão e de confronto interno e externo ao governo – foi a cena de invulgar intensidade que exibiu a luz aguda da questão. A equação apresentava a seguinte forma: o comando político partidário com Lula, o poder de Estado com Dilma e o poder da gerência político parlamentar e empresarial com Palocci. Tudo o que um político abatido no governo anterior gostaria. Mas é regra na política: quem foi abatido – atenção, não quem perde uma batalha política – tem muita dificuldade de retornar ao poder. Veja-se o caso do próprio Collor. Pôde efetivamente recomeçar. Mas quem nessas condições reaparece, não tem o respeito efetivo dos confrades. Torna-se um alvo muito evidente. Suas vulnerabilidades ficam expostas com exuberância. É mais fácil de ser atingido. Os inimigos, os adversários e os participantes do fogo amigo sabem onde e como abalroá-lo. Palocci não teve sequer um semestre de folga, levou uma bala de calibre 38. E leve-se em conta que a oposição partidária está totalmente desarvorada.


6) Talvez Dilma ganhe um presente como Lula ganhou com a queda de Zé Dirceu. E mais, ela está aprendendo a desaprender. O que ela tem a desaprender é a sua extraordinária atuação como chefe da Casa Civil – onde foi o verdadeiro suporte da estratégia da política econômica e social do governo Lula. Frise-se, econômica e social! Seu caminho agora é um só: a dimensão política da presidência da República. Saindo ou não Palocci, o decisivo nesse caso para ela tem um conteúdo robusto: empunhar na sua mão todo o jogo da esgrima presidencial. O que não exclui a delegação de coordenações políticas de ordens maiores ou menores subordinadas e controladas por ela. O estouro do caso Palocci, o esfalfamento da votação do Código Florestal, o barulho da crise com o PMDB aportou à consciência da presidenta a necessidade de resolver o tema do poder e de seu exercício de maneira distinta, construindo agora um novo processo. Dilma está saindo para o mar revolto da disputa política. A lógica inexorável se impõe: não há boa presidência sem pleno mando do poder. Pois é com o pleno mando que o jogo estratégico se faz. E é com ele que se negocia interna e externamente as mais amplas latitudes dos conflitos políticos.


7) No entanto, para variar, a árvore da presidência tem sempre diversos ramos de problemas. No caso do atual governo, há que perceber que deve se abrir uma nova faceta política da relação Lula-Dilma, que foi absolutamente excepcional no governo Lula. E como eles têm uma relação singular, os ajustes não serão muito difíceis de fazer. Primeiro, há que ter clareza: o chefe político é Lula, o chefe do governo é Dilma. Segundo: é preciso se encaminhar para delinear com traços de finura um projeto político para o PT, um projeto político que envolva um projeto de nação. Isto quer dizer um projeto econômico, político e social dentro de uma nova etapa do capitalismo que está se formando. Um projeto de poder que inclua também a relação entre os dois personagens, onde Dilma não é mais a ministra de Estado apoiada pelo PT, onde ela é a presidenta da República e onde Lula é a maior figura do partido. É inevitável uma tomada de posição nessa questão. O momento é agora. Dilma, dada a sua fidelidade a Lula e dado o seu posto político, terá que ser a segunda personalidade política do PT e assumir a liderança do jogo político do Estado. Estamos numa nova etapa do poder, a construção do lulismo-dilmismo em termos políticos.


8) Quanto à questão ética do caso Palocci, não conheço suas particularidades, as informações são ainda escassas. De qualquer modo, para mim, respondendo de modo abstrato, a política não tem ética, o que não quer dizer que um político e um partido não devam tê-la. Só que o fato de eu ter ética e meu partido também, não significa que o outro tenha que ter a mesma postura. A política é permanentemente conflito e jogo de forças. É sempre duelo, divergência, combate. É óbvio que não fica excluído que um partido no poder coloque as suas forças na proposição de um jogo essencialmente ético. O que torna a ética um problema político e não a política um problema ético.


9) Também não se pode esquecer, ampliando para ver a moldura que envolve o atual quadro político do país, que a estratégia de longo prazo brasileira passa, neste momento, por problemas complexos internos e externos e que afetam o envolvimento de Dilma em toda a dimensão do seu poder. Externamente, uma conjuntura de crise e de transição da geopolítica e geoeconomia mundial com a progressiva configuração bipolar dos Estados Unidos e da China nos papéis principais da peça. E com a multipolaridade Brasil, Índia e Rússia e outros, presentes como coadjuvantes indisfarçáveis. Internamente, a galáxia da política profunda mudou, pelo menos nas cenas imediatas. Essa mudança está baseada no fortalecimento do capital bancário – dado o aporte de recursos financeiros aplicados no Brasil –, na divisão do capital produtivo em face do comércio de commodities e da concorrência chinesa no mercado mundial e latino-americano, na indispensável formulação de uma política industrial e tecnológica, na necessidade de consolidação da articulação capital industrial e trabalho, na necessidade de políticas econômicas e sociais favorecendo as camadas mais pobres da população, etc., etc. E o resultado da dialética dessas duas dimensões – externa e interna – atravessa os problemas do jogo político da presidenta. Por isso, se pode perceber a densa floresta de questões que Dilma tem que refletir para conectar a sua própria estratégia. E ela é totalmente hamletiana: ser ou não ser. Mas Dilma tem a energia de Antígona, vai se revirar e vai achá-la em si própria.


Artigo do economista Enéas de Souza

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