Você está entrando no Diário Gauche, um blog com as janelas abertas para o mar de incertezas do século 21.
Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?
sexta-feira, 29 de junho de 2012
quinta-feira, 28 de junho de 2012
A revelação (inédita) de Tarso Genro, que a mídia ignorou
Em
artigo publicado no blog RS Urgente (aqui) o governador do Rio Grande
do Sul, Tarso Genro, fez uma avaliação acerca do golpe parlamentar
contra o presidente Fernando Lugo, do Paraguai. Análise objetiva, no
estilo de Tarso, sem novidade.
Mas o que chama a atenção é a
revelação inédita que o artigo porta. E chama mais a atenção, o
fato de que tal testemunho não tenha sido objeto de repercussão na
grande mídia brasileira, uma vez que foi publicado no domingo passado (24). O trecho a que me refiro é este:
[...] Aqui, eles não tiveram sucesso porque – a despeito das recomendações dos que sempre quiseram ver Lula isolado, para derrubá-lo ou destruí-lo politicamente – o nosso ex-Presidente soube fazer acordos com lideranças dos partidos fora do eixo da esquerda, para não ser colocado nas cordas. Seu isolamento, combinado com o uso político do ”mensalão”, certamente terminaria em seu impedimento. Acresce-se que aqui no Brasil – sei isso por ciência própria pois me foi contado pelo próprio José Alencar - o nosso Vice presidente falecido foi procurado pelos golpistas “por dentro da lei” e lhes rejeitou duramente. [...]
Aí
está, pois, rica matéria prima para a pesquisa histórica e
recomposição da nossa memória política recente.
Os
fatos recentes do Paraguai, tentativas frustradas na Venezuela, o
caso que envolve o ex-vice-presidente José de Alencar, com o
testemunho do ex-ministro Tarso Genro, e muitos outros indícios
mostram que o golpismo é uma saída política estratégica que está
sempre presente nos estudos de cenário avaliados pela direita de
qualquer quadrante, inclusive nos Estados Unidos. Aliás, lá eles
não dão golpes, assassinam seus presidentes caso estes não se
enquadrem no formato exigido pelo establishment das grandes
corporações associado ao que o imaginário médio conservador
exige do império do qual faz parte.
Coisas
da vida.
Golpistas paraguaios exageraram na farsa que montaram
O
crime perfeito contra Lugo
O sociólogo Felippe Ramos (Universidade Federal da Bahia) fez para o site da revista "América Economia" o que os jornalistas deveríamos ter feito antes: visitou a peça de acusação que serviu para o fuzilamento sumário do presidente Fernando Lugo.
Fica evidente que Lugo estava condenado de antemão. No item "provas que sustentam a acusação", se diz que "todas as causas [para o impeachment] são de notoriedade pública, motivo pelo qual não precisam ser provadas, conforme o ordenamento jurídico vigente".
Como é que Lugo - ou qualquer outra pessoa - poderia provar o contrário do que não precisa ser provado? Impossível, certo?
O processo pode até ter seguido as regras constitucionais e o "ordenamento jurídico vigente", mas, nos termos em que foi colocada a acusação, só pode ser chamado de farsa. Veja-se, por exemplo, a primeira das acusações: Lugo teria autorizado uma reunião política de jovens no Comando de Engenharia das Forças Armadas, financiado por instituições do Estado e pela binacional Yacyretá.
Se esse é argumento para cassar algum mandatário, não haveria presidente, governador ou prefeito das Américas que poderia escapar, de direita, de centro, de esquerda, de cima ou de baixo. Ademais, não consta que a Constituição paraguaia proíba o presidente ou qualquer outra autoridade de autorizar concentrações de jovens. Aliás, é até saudável que se estimule a participação política dos jovens.
Mais: o evento foi em 2009. Se houvesse irregularidade, caberia ao Congresso ter tomado à época as providências, em vez de esperar três anos para pendurá-lo em um processo "trucho", como se diz na gíria latino-americana.
A acusação mais fresca, digamos assim, diz respeito, como todo o mundo sabe, à morte de 17 pessoas, entre policiais e camponeses, em um incidente mal esclarecido no dia 15 passado. Diz a acusação: "Não cabe dúvida de que a responsabilidade política e penal dos trágicos eventos (...) recai no presidente da República, Fernando Lugo, que, por sua inação e incompetência, deu lugar aos fatos ocorridos, de conhecimento público, os quais não precisam ser provados, por serem fatos públicos e notórios".
De novo, a acusação dispensa a apresentação de provas e condena por antecipação o réu, como faria qualquer república bananeira ou qualquer ditadura.
Nem o mais aloprado petista pediu o impeachment do presidente Fernando Henrique Cardoso por conta da morte de 19 sem-terra em Eldorado dos Carajás (Pará), em abril de 1996, no incidente que mais parentesco tem com o que ocorreu há duas semanas em Curuguaty, no Paraguai.
É importante ressaltar que líderes dos "carperos", os sem-terra paraguaios, disseram que os primeiros disparos no conflito do dia 15 não saíram nem deles nem dos policiais, mas de franco-atiradores.
Enquanto não se esclarecer o episódio, qualquer "ordenamento jurídico" sério vetaria o uso do incidente em qualquer peça de acusação.
Deu-se, pois, o crime perfeito: cobriu-se um processo sujo com o imaculado manto da Constituição.
Artigo
do jornalista Clovis Rossi, da Folha (leia-se família Frias,
apoiadores civis do golpe de 1964 no Brasil), publicado hoje no
referido diário.
4ª Olimpíada Nacional em História do Brasil
O
Museu Exploratório de Ciências – Unicamp está recebendo, desde o
dia 01/06/2012, as inscrições para a 4ª Olimpíada Nacional em
História do Brasil (ONHB).
Poderão
participar estudantes regularmente matriculados no 8º e 9º anos do
Ensino Fundamental e demais séries do Ensino Médio, de escolas
públicas e privadas de todo o Brasil, incluindo alunos do Ensino de
Jovens e Adultos (EJA). Para orientar a equipe, composta por três
estudantes, é obrigatória a participação de um professor de
História.
O
formulário de inscrição e o boleto para pagamento estarão
disponíveis no site do Museu Exploratório de Ciências até 10 de
agosto. A taxa de inscrição é de 21 reais para as equipes de
escolas públicas e 45 reais para as equipes das escolas
particulares. O valor da inscrição corresponde à inscrição de
todos os membros da equipe (incluindo o professor-orientador).
Em
2012, O Museu Exploratório de Ciências custeará, para participarem
da final, as passagens de avião das 27 equipes mais bem colocadas em
cada estado da Federação (escolas públicas ou particulares) e mais
10 equipes de escolas públicas com a maior pontuação, sendo uma
por região do país, e cinco escolas públicas com mais alta
pontuação em todo o Brasil, independente de sua região. Após a
final da Olimpíada, os professores responsáveis por essas equipes
são convidados a permanecer na Unicamp para realizar capacitação
de uma semana, com custos de hospedagem cobertos também pelo Museu.
A
ONHB premiará escolas, alunos e professores, com medalhas de ouro
(60), prata (100) e bronze (140) e certificados de participação
para todos os inscritos e também para as escolas.
A
4ª Olimpíada Nacional em História do Brasil é uma iniciativa do
Museu Exploratório de Ciências – Unicamp. O evento é patrocinado
pelo CNPq e tem o apoio da Revista de História da Biblioteca
Nacional.
A
última edição, realizada em 2011, inscreveu mais de 65 mil
participantes e reuniu cerca de duas mil pessoas na final presencial,
realizada na Unicamp, nos dias 15 e 16 de outubro.
A
ONHB é organizada pela equipe do Museu Exploratório de Ciências e
as provas são concebidas e elaboradas por historiadores, professores
e pós graduandos de História da Unicamp. Como proposta, os
participantes têm a oportunidade de trabalhar com temas fundamentais
da história nacional e de conhecer de perto as práticas e
metodologias utilizadas pelos historiadores.
Calendário
da 4ª ONHB
Inscrições
e pagamento dos boletos: de 01/06/2012 a 10/08/2012.
Primeira
fase: inicia no dia 20/08/2012 e finaliza no dia 25/08/2012.
Segunda
fase: inicia no dia 27/08/2012 e finaliza no dia 01/09/2012.
Terceira
fase: inicia no dia 03/09/2012 e finaliza no dia 08/09/2012.
Quarta
fase: inicia no dia 10/09/2012 e finaliza no dia 15/09/2012.
Quinta
fase: inicia no dia 17/09/2012 e finaliza no dia 22/09/2012.
Grande
Final Presencial: Prova: 20/10/2012
Cerimônia
de Premiação: 21/10/2012
Inscrições
no portal: www.mc.unicamp.br
quarta-feira, 27 de junho de 2012
Paraguai: nova democraCIA da América Latina
Berzé (grato Hupper!)
Como o agronegócio não pode dar um golpe no Brasil, dirigiu sua sanha antidemocrática e anti-republicana onde achou terreno fértil: 400 mil brasileiros sojicultores e dinheiristas, mais os interesses do Departamento de Estado dos EUA, e mais a pequena elite paraguaia formada por 60 mil proprietários de terras que detém 77% do solo fértil do País. Junte-se a isso um presidente Lugo, débil, com capital político interno próximo do zero, sem sustentação de nenhuma grande organização partidária e movimento social - uma gazela na pradaria coalhada de leões famintos.
terça-feira, 26 de junho de 2012
Quando absolutizadas, as leis podem ser instrumento de golpistas
Egito e Paraguai não têm muita coisa em comum, a não ser a fragilidade de suas democracias. Eis países que gostariam de se ver caminhando em direção à consolidação democrática, mas que descobrem como tal caminho pode ser atrapalhado, vejam só, pelas leis.
Certamente, uma afirmação dessa natureza será rapidamente contraposta pelos ditos defensores do Estado democrático de Direito.
Na verdade, tais defensores querem nos fazer acreditar que as leis que temos devem sempre ser respeitadas, sob o risco de entrarmos em situações de puro arbítrio nas quais o mais forte impõe sua vontade. Eles esquecem como, muitas vezes, criamos leis que visam permitir que grupos interfiram e fragilizem os processos democráticos. Ou seja, leis que são, na verdade, a mera expressão da vontade dos grupos sociais mais fortes.
Isso explica porque a democracia, muitas vezes, avança por meio da quebra das leis. Ela reconhece que ações hoje vistas como criminosas possam ser, na verdade, portadoras de exigências mais amplas de justiça. Foi assim, por exemplo, com as greves -compreendidas durante muito tempo como crimes, e aceitas hoje como direito de todo trabalhador. Vale a pena lembrar desse ponto porque vimos no Egito e no Paraguai situações exemplares do uso da lei contra a democracia.
No Egito, um tribunal constitucional dissolveu o primeiro Parlamento democraticamente eleito da sua história por julgar inconstitucional uma lei parlamentar que proibia membros do regime ditatorial de Mubarak de participar de eleições. Não só a lei aprovada pelo Parlamento era justa, como o ato de dissolvê-lo por julgar inconstitucional uma de suas ações é claramente uma aberração. Mas tal golpe foi feito na mais clara "legalidade" e sem nenhuma manifestação da comunidade internacional.
Já no Paraguai, o Congresso votou o impeachment do presidente em um processo sumário, que durou algumas horas e sob a acusação nebulosa de incompetência (há de perguntar qual parlamentar escaparia de uma acusação dessa natureza). Tal lei serve apenas para tornar o presidente refém de um Congresso que, há mais de cem anos, representa as mesmas oligarquias. Um processo sério de impeachment exigiria amplos direitos de defesa e esclarecimento. Mas tudo foi feito "legalmente".
Diga-se, de passagem: até o golpe de Estado brasileiro (1964) foi feito "legalmente", já que o presidente do Senado, Auro de Moura Andrade [vídeo acima], declarou vacante a Presidência por Goulart ter "abandonado" o governo ao procurar abrigo no RS, tomando posse o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli. O que demonstra como nem sempre estamos protegidos pelas leis.
Artigo
do professor Vladimir Safatle, da Filosofia da USP. Publicado
hoje a Folha.
Vídeo: Presidindo a sessão parlamentar de 1º de Abril de 1964, o Senador Auro de Moura Andrade declarou vaga a Presidência da República, tendo em vista a "fuga" do presidente constitucional João Goulart diante do golpe civil-militar que estava se desdobrando naquelas primeiras horas de abril de 1964.
domingo, 24 de junho de 2012
sábado, 23 de junho de 2012
sexta-feira, 22 de junho de 2012
Folha chama presidente Lugo de "líder"
A
volta dos eufemismos golpistas da Folha de S. Paulo
Uma
vez golpista, sempre golpista. O jornal Folha de S. Paulo, na
manchete principal de hoje, chama o presidente constitucional do
Paraguai de “líder que pode ser destituído” (só falta chamá-lo de "líder religioso"). Ora, destituído
não seria o termo apropriado. O correto seria dizer “golpeado”.
O
que está acontecendo? O presidente paraguaio está sendo derrubado
por um golpe branco, que têm pundonores de dizer o seu nome. Em menos
de 24 horas, a direita paraguaia pretende ser exitosa na derrubada do
presidente Fernando Lugo.
A Folha tem a boca torta de tanto fumar o cachimbo golpista de 1964.
Se adianta, e minimiza com eufemismos a baixeza e a envergadura dos fatos que ora se
desenrolam no país vizinho.
Em vez de presidente, chama de líder.
Em vez de golpe, chama de destituição. Em vez de ditadura, chama de
ditabranda.
A crise da ordem mundial é política
A
guerra é constitutiva do sistema
A convite da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), de São Leopoldo (RS), o professor José Luis Fiori palestrou, quarta-feira 20, sobre “Mudanças e Tendências do Sistema Mundial: a Conjuntura e a História”.
Pelo menos quatro novos atores sobem ao palco mundial, segundo ele, e o tabuleiro mais complicado é, sem dúvida, o da Europa, com a ascensão da Alemanha, que pode mudar a face geopolítica do mundo.
O professor Fiori, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), admitiu a complexidade da dimensão econômica financeira, ela é importante, mas não é a questão central que a humanidade enfrenta no momento.
A crise presente, analisou Fiori, decorre de uma contradição endógena da tendência que existe entre o sistema econômico e político que se move de forma globalizante e nacionalmente. “As transformações que estão acontecendo são e foram produzidas pela escalada vertiginosa, pelo impulso expansivo e destrutivo do poder americano, que, aliás, segue intacto e em expansão”.
Sobre o futuro, parece mais provável a Fiori que esteja em fase de redesenho um novo núcleo central do sistema capitalista mundial. Esse núcleo terá cinco potências que controlam um terço do território mundial e quase a metade da população, que são China, EUA, Europa, Irã e Brasil. As potências não estão exigindo uma nova ordem mundial, mas um reordenamento da hegemonia regional, explicou.
Ao contrário do que analistas internacionais, economistas e jornalistas afirmam a China não vai desbancar os Estados Unidos do topo das nações, avaliou o palestrante. “A China é um ator regional incontornável, mas não é um ator global. Ela não tem capacidade de projeção de poder sobre o mundo”, disse.
A Europa volta a ter uma grande potência econômica, com um exército significativo. A Alemanha de Hitler, com todo o poderio bélico que o Führer construiu, não conseguiu competir com a moeda e a finanças inglesa e norte-americana. “Hoje os alemães, aproximando-se da Rússia, estão jogando de maneira pouco sutil, mas de forma clara contra o triângulo Estados Unidos, França e Inglaterra.
Aqui se entra num terreno mais complicado, não pelo fator econômico.
mas pelo ressurgimento de uma velha e complicadíssima potência, que
é a Rússia,
bem mais imprevisível do que era a União das Repúblicas
Socialistas Soviéticas”, discorreu o professor da UFRJ.
Um outro tabuleiro é o Oriente Médio, com o Irã, que já se transformou numa potência regional. É, talvez, o tabuleiro mais explosivo, do ponto de vista de ameaça imediata, mas o de menor repercussão no todo. O quarto tabuleiro, muito menos tenso e complexo, é o desafio da absorção do Brasil como nova potência no Atlântico Sul.
“Nesses quatro tabuleiros se esconde o futuro”, previu o cientista social. Em todos eles existe um ator que parece externo, mas que é transcendental e não chega a ser uma incógnita variável, pois trata-se de uma certeza absoluta, que são os Estados Unidos. Sua hegemonia é incontestável, pois tem uma capacidade de interferência, em terra, mar e céus, em todos os campos do mundo. Os Estados Unidos mantém acordos militares com 130 países do mundo, lembrou Fiori.
O expansionismo dos Estados Unidos é contínuo e injeta energia em vários centros do sistema. Fiori frisou que não haveria reconstrução da Alemanha e do Japão, se não fosse a maneira como os Estados Unidos absorveram os derrotados na II Grande Guerra.”Trata-se de uma parceria virtuosa, não é obra do mercado, é estratégia, uma verdadeira genialidade estratégica dos últimos dois séculos”, disse.
De acordo com Fiori, os Estados Unidos estão mudando a sua gestão de inserção mundial, que será exercida na forma de império, mais bem ao estilo romano, com um mínimo de intervenção e uso de tropas, mas administrando os equilíbrios e as divisões internas dos outros.
Esse novo reordenamento seguirá, de acordo com a análise do cientista político, o sistema globalizado, que só tem uma forma de viver: expandindo-se sem parar. Ele será movido pela contradição do nacional e do global.
Um outro tabuleiro é o Oriente Médio, com o Irã, que já se transformou numa potência regional. É, talvez, o tabuleiro mais explosivo, do ponto de vista de ameaça imediata, mas o de menor repercussão no todo. O quarto tabuleiro, muito menos tenso e complexo, é o desafio da absorção do Brasil como nova potência no Atlântico Sul.
“Nesses quatro tabuleiros se esconde o futuro”, previu o cientista social. Em todos eles existe um ator que parece externo, mas que é transcendental e não chega a ser uma incógnita variável, pois trata-se de uma certeza absoluta, que são os Estados Unidos. Sua hegemonia é incontestável, pois tem uma capacidade de interferência, em terra, mar e céus, em todos os campos do mundo. Os Estados Unidos mantém acordos militares com 130 países do mundo, lembrou Fiori.
O expansionismo dos Estados Unidos é contínuo e injeta energia em vários centros do sistema. Fiori frisou que não haveria reconstrução da Alemanha e do Japão, se não fosse a maneira como os Estados Unidos absorveram os derrotados na II Grande Guerra.”Trata-se de uma parceria virtuosa, não é obra do mercado, é estratégia, uma verdadeira genialidade estratégica dos últimos dois séculos”, disse.
De acordo com Fiori, os Estados Unidos estão mudando a sua gestão de inserção mundial, que será exercida na forma de império, mais bem ao estilo romano, com um mínimo de intervenção e uso de tropas, mas administrando os equilíbrios e as divisões internas dos outros.
Esse novo reordenamento seguirá, de acordo com a análise do cientista político, o sistema globalizado, que só tem uma forma de viver: expandindo-se sem parar. Ele será movido pela contradição do nacional e do global.
O paradoxo desse sistema é que ele é movido,
para se inovar e construir constantemente, por grandes predadores.
Daí que a guerra é co-constitutiva do sistema, comprovado
historicamente. Entre 1650 e 1950 a Grã-Bretanha,
a grande potência da época, esteve envolvida em 140 a 150 guerras.
Os Estados
Unidos tem
o envolvimento médio de uma guerra a cada três anos. Neste novo
século, o país hegemônico está em guerra desde o início, há 12
anos, o mais longo período contínuo de todos os tempos.
Pescado
do portal IHU-Unisinos, edição de hoje.
Foto: Moça
refugiada dos conflitos armados no Sudão do Sul, África. No campo
de refugiados onde ela está (fotografia de 20/jun/2012) também
permanecem cerca de vinte mil pessoas, todas civis. Há falta de comida e
sobretudo de água. Foto de Giulio Petrocco/AFP.
A
quantidade de pessoas forçadas a abandonar suas casas por causa de
guerras ou desastres naturais passou dos 43 milhões de pessoas em
todo o mundo - o equivalente à população total de Colômbia.
Segundo dados divulgados em 2011 pelo Alto Comissariado da ONU para
os Refugiados (Acnur), o ano de 2010 teve o maior número de refugiados dos últimos 15 anos.
Desse total, o relatório classifica 15,4 milhões como refugiados, ou seja, pessoas forçadas a abandonar seus países, 27,5 milhões como pessoas deslocadas de suas casas, mas em seus próprios países, e 850 mil solicitantes de asilo em outros países. Segundo a Acnur, apenas 25 milhões desse total recebem alguma assistência das Nações Unidas.
Desse total, o relatório classifica 15,4 milhões como refugiados, ou seja, pessoas forçadas a abandonar seus países, 27,5 milhões como pessoas deslocadas de suas casas, mas em seus próprios países, e 850 mil solicitantes de asilo em outros países. Segundo a Acnur, apenas 25 milhões desse total recebem alguma assistência das Nações Unidas.
quarta-feira, 20 de junho de 2012
Lula, sem querer, está revalorizando um político profissional de pijama
O ultrapragmatismo do que eu sempre chamei de 'lulismo de resultados' está dando mostras que passou do ponto. Lula, fazendo aliança com Maluf, passou do ponto. É o equivalente à defesa súbita e intransigente do Brizola ao então cadente presidente Collor, em 1992. Passou do ponto.
Os líderes populares que fazem interlocução direta com a base social e eleitoral, sem mediações institucionais, como partidos, imaginário político-ideológico, movimento social, tendem a ficar com a mão pesada, no decorrer do tempo. Aconteceu com Brizola, está acontecendo com Lula.
Lula ficou com a mão pesada. Lula re-valorizou um político profissional que já estava de pijama e pantufas de pelúcia. Não quero, porque não devo (porque isso é papel da direita), olhar o lado moral de Maluf, talvez o político profissional mais identificado com a corrupção horizontal e vertical da cena pública brasileira nos últimos 35 anos.
A questão é política. Trata-se de um erro político que pode abortar a ascensão de um novo quadro ao primeiro plano da política nacional, como o ex-ministro Fernando Haddad. Não é à toa que a deputada Luiza Erundina abandonou pela segunda vez o PT/SP. Outro erro político, mas que fica subsumido ao erro matricial do ex-presidente Lula nas relações perigosas com Paulo Maluf.
Uma observação final: acho muito curioso que gente da direita (especialmente certos jornalistas) fique manifestando estar escandalizado com a recente manobra de Lula em direção à Maluf. Mera reprise do que aconteceu na aliança com Sarney. Ora, essas duas pérolas raras da direita (entre tantas e tantas outras) são patrimônio exclusivo da própria direita. Se eles querem alugar ou vender seu discutível capital eleitoral a outro empreendimento, que não o de sua origem de classe, é outra história. No capitalismo, o empreendedorismo é livre também para os mercadores de votos e falso prestígio público.
Não sejamos cínicos, a feira eleitoral (como dizia Gramsci) é um mercado como qualquer outro.
terça-feira, 19 de junho de 2012
Presta atenção nesta entrevista do Stedile
Ele diz, entre outras coisas, que o governo é nosso, elegemos o Lula e a Dilma, mas o problema é a correlação de forças. Por exemplo: por que não sai a reforma agrária?
Para o líder do MST e da Via Campesina, João Pedro Stedile, o agronegócio internacionalizado tem mais força que o governo federal, hoje. Os recursos orçamentários da agricultura brasileira alcançam cerca de oito bilhões de reais, se somarmos os orçamentos do Ministério da Agricultura, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Incra, Embrapa, etc.
Pois bem, o presidente da Bunge, e também presidente da Unica (os 400 grandes usineiros do açúcar e do álcool), Pedro Parente (ex-executivo da RBS/Sirotsky), dias atrás esteve com a presidenta Dilma. Ele foi anunciar investimentos da ordem de cinco bilhões de dólares no Brasil. Somente a Bunge, sem falar nas demais transnacionais que controlam o agronegócio mundializado, como a Cargill, Monsanto, etc.
Vocês entendem, agora, por que a reforma agrária não avança?
Vídeo de 55 minutos, gravado no último domingo (17/6) pela Rede Record.
As diferenças entre classes sociais, classes econômicas e classes de consumo
O Brasil é um país de classe média?
O conceito de classe média aparece no contexto das análises socioeconômicas em vários fóruns de discussão. No entanto, não é possível falar em consenso sobre quem efetivamente compõe essa classe, e o que ela representa em termos de desenvolvimento econômico.
No Brasil, a maior parte dos estudos que atualmente balizam o debate apresenta uma estratificação baseada em renda ou posses, que são entendidos como tradutores das potencialidades de consumo, bem-estar e condições futuras de sustento.
Por exemplo, seguindo a linha conceitual da renda pura, o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) aponta que a classe média brasileira — também referida como “classe C” — corresponde à aproximadamente 50,5% da população em 2009, sendo que, em 2003, era de 37,6%.
O ponto de corte monetário das classes foi estabelecido a partir de uma concepção relativista, que considera apenas a distribuição da renda domiciliar em termos de desigualdade e polarização. Definidas as classes, a análise passa a ser absoluta ao longo do tempo, para que se possa avaliar o seu movimento.
A Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) oferece o Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB). Essa classificação, diferentemente daquela da FGV, é feita através de características domiciliares, como presença de itens de conforto e escolaridade dos moradores.
No entanto, a ABEP afirma que esse critério não tem a pretensão de definir classes sociais, mas classes econômicas. Apenas para constar, o CCEB aponta que, em 2010, 49,5% da população das nove principais regiões metropolitanas do País estavam na classe econômica intermediária C (que é subdividida em C1 e C2).
Note-se que as classificações por renda ou posses se configuram, em boa medida, partindo de critérios de relatividade. No caso da FGV, que é o estudo mais discutido atualmente, a classificação foi definida unicamente a partir de um corte relativo. Isso implica uma limitação conceitual e analítica importante: a classe média passa a ser, tecnicamente, um estrato em uma distribuição de renda.
Cabe lembrar, por uma questão de justificativa teórica, que o que está por detrás dessa abordagem é um conceito de bem-estar econômico proporcionado pela renda. No entanto, pode-se argumentar que esse conceito não se presta, efetivamente, a uma análise de classes sociais.
Boa parte da literatura sobre estratificação social define a classe média como elemento mais complexo no entendimento da malha social, de tal modo que a renda ou posses sozinhas não podem dar conta.
Escapando de uma visão estritamente oriunda da Economia do Bem-Estar, sociólogos apontam alguns perfis que ajudam a definir a classe média. Um desses perfis considera indivíduos com acesso a propriedades e com manutenção dos rendimentos de forma independente, o que implica o trabalho de profissionais especializados ou com negócios próprios.
Outro perfil é aquele de posição gerencial, onde o poder é definidor desse status e garantidor de manutenção e ascensão social. Por fim, um terceiro perfil seria aquele formado pela massa científica e intelectual, que, detendo essas características, desfruta de uma situação de menor vulnerabilidade.
Apesar de esses perfis estarem relacionados com a geração de renda, o contrário não necessariamente é verdadeiro. A classe média, sob um olhar mais amplo, é composta por indivíduos que detêm percepções de vida similares, com vontades e perspectivas de evolução.
Mais do que isso, trata-se de uma classe social onde essas perspectivas foram conquistadas e serão mantidas legitimamente pelas próprias pessoas, como é o caso da educação básica e superior, especialização, experiência profissional agregadora, etc. Daí, a conclusão de que a classe média de uma sociedade é realmente importante, pois ela demonstra o potencial e a maturidade do desenvolvimento.
De fato, o Brasil vem mostrando, especialmente na última década, importantes melhorias na qualidade de vida — a renda média experimentou uma considerável elevação, o emprego formal está em alta, a distribuição de renda (apesar de ser ainda muito ruim) melhorou. No entanto, as condições para se falar em crescimento de uma classe média ainda não se apresentam.
O que se está observando é, na realidade, um fenômeno econômico de fortalecimento de uma classe de consumo — o que é bom. Mas essa “classe C” só será classe média, se a estrutura de distribuição de outras dimensões sociais for observada. O cerne da nossa atual “classe C” ainda conta com uma educação básica precária e, por consequência, com dificuldades para ingressar no ensino superior (ou tirar bom proveito dele).
Da mesma forma, ainda se trata de uma classe consideravelmente dependente de uma situação econômica de afluência do consumo, que sustenta a atividade econômica, o que a coloca em situação de considerável vulnerabilidade aos movimentos de mercado.
Os trabalhos da FGV e outros similares, possivelmente, não estão propondo que a “classe C” seja equiparada a um conceito mais amplo e robusto de classe média. A proposta assemelhar-se-ia mais a uma ideia de “classe econômica” — como assume explicitamente a ABEP. No entanto, a discussão, por vezes, toma um caminho onde a confusão fica evidente.
Nesse contexto, é preciso ter cuidado ao relacionar a “classe C” brasileira a esse conceito mais robusto de classe média. Inegavelmente, o crescimento da “classe C” precisa ser comemorado. Mas isso deve ser feito com a parcimônia de quem sabe que o Brasil ainda não pode afirmar que mais da metade da sua população está livre da vulnerabilidade e pronta para sustentar e incrementar, autonomamente, o seu padrão de vida.
Artigo do economista Ely José de Mattos, pesquisador da Fundação de Economia e Estatística/RS.
domingo, 17 de junho de 2012
sábado, 16 de junho de 2012
O velho Iggy Pop
O vozeirão do punk com outro clássico, The Passenger, também um riff consagrado. Quem não conhece? O vídeo é recente, de 2011.
Um clássico: 'Kashmir', do velho Led Zeppelin
Aqui, com o cara que é considerado o melhor vocalista do rock (o que
discordo), Robert Plant.
Acho o punk grave do Iggy Pop bem melhor.
Opiniões são opiniães...
Acho o punk grave do Iggy Pop bem melhor.
Opiniões são opiniães...
“A vida do militar é puxar o saco e trair” - afirma general
O
livro da vida militar
“Este
vende a própria mãe.”
O
homem é enfático e preciso, como se espera de um general de quatro
estrelas. Recorre a imagens grosseiras por hábito, pois na caserna
isso era de bom tom. Preparado para comandar, sua fala é curta e
grossa, embora não dê mais ordens. Foi destituído do comando e
expelido do Exército por ter se oposto ao golpe.
De
cabelos já brancos, mas ainda rijo e firme, ele faz um inventário
de ex-colegas e ex-comandados. Pontua friamente, como se estivesse
classificando uma coleção de aracnídeos. Na mesa, aberto à sua
frente, o Almanaque do Exército, o rol de todos os oficiais, de
tenente para cima, das três armas do Exército: infantaria,
cavalaria e artilharia.
Seu
irmão mais novo, cirurgião celebrado, operou e talvez tenha salvado
da morte muitos dos empresários e banqueiros metidos no maldito
golpe. Nem por isso o general foi poupado. A injustiça da cassação
afinou sua percepção crítica e destravou ainda mais a sua língua,
pois se percebe que, embora militar, é pessoa fina.
“Este
outro, além de vender a mãe, entrega.”
O
Almanaque se parece a uma lista telefônica. Siglas miúdas, depois
de cada nome, designam etapas da carreira do oficial desde seu
ingresso na Academia Militar; registram cada mudança de patente;
cada colocação na Escola de Cadetes e nos cursos de especialização
e aperfeiçoamento. Dividido em três seções, uma para cada arma do
Exército, é o livro da vida do militar.
“Este
aqui foi o primeiro da classe.”
Um
primeiro colocado na sua turma da Academia Militar será referido
para sempre como o “primeiro da classe”. Mas que surpresa! Será
nosso Exército tão civilizado que nele impera o critério da
erudição e, por que não, da inteligência? Ou da aplicação no
estudo e na aquisição de conhecimento? Um exército que prioriza a
excelência intelectual?
Não
é bem assim.
“Estudiosos, só os
da artilharia.”
Estes
têm que aprender trigonometria, balística, calcular ângulos de
tiro, compensar a direção do vento, o calibre e o peso da carga
útil, a movimentação do inimigo. São equações complexas.
Aprendem a raciocinar com lógica. Por isso, tornaram-se o grupo
dirigente do Exército; os únicos com visão estratégica. Eles
organizaram e dirigiram o golpe militar.
“O
resto é um bando de ignorantes, piores são os da cavalaria.”
Num
exército que não guerreia há trinta e cinco anos, não há medalha
por bravura em campo de batalha, não há missão perigosa, nem o
teste de situações-limite, seja da unidade ou do indivíduo. Só o
que há é o ponto amealhado em sala de aula, o rigor da continência,
a lisura da farda, o brilho da bota; o domínio retórico de
hipóteses de guerras que nunca serão travadas e suas logísticas
imaginárias. Tudo no papel, na teoria. Gavetas e gavetas de mapas e
planos de ataques estratégicos, avanços e recuos táticos.
“A
principal hipótese era de guerra com a Argentina, tudo bobagem, só
para manter ocupados.”
Para
cada etapa dessa vida militar pachorrenta há um minucioso rito de
pontuação. Postos de comando, postos de chefia de departamento,
tudo é contabilizado. Mas, como em toda a organização burocrática,
as regras só valem para legitimar favoritismo imanente, nunca para
instaurar a meritocracia. As amizades é que decidem. Os vínculos de
lealdade. Não a lealdade leal, que não precisa razões para
existir. É a lealdade calculista, necessária à sobrevivência na
guerra interna pela promoção burocrática. Nesse exército de
oportunistas, as únicas batalhas são as travadas por cada um contra
o seu igual, na disputa pela promoção. As vagas minguando mais e
mais à medida que se sobe a escala da patente.
“O
funil mais apertado está na passagem de coronel para general de
brigada. Só um em cada cinquenta coronéis será general. E quem
sobra será expelido.”
Nessa
milícia de gabinetes, as baixas não se dão no teatro de guerra; se
dão nas listas submetidas pelo Estado-Maior ao comando, para que
decidam as promoções. Preteridos tombam sem dar um tiro. Caem fora.
Um oficial não pode estacionar na mesma patente.
“Para
ser promovido a general, o coronel tem que ter um protetor, tem que
pertencer a um esquema, a um general que o proteja.”
Muito
antes de atingir o coronelato o oficial já investe nesse
pertecimento, através da bajulação e da subserviência. Agarra-se
ao saco de um general.
“Este
aqui foi meu aluno no curso de paraquedistas. Tornou-se um legalista
como eu. Quando resisti ao golpe, ele me acompanhou. Quando fui
expulso, ele também foi. Mas a maioria dos meus subordinados traiu,
aderiu aos golpistas.”
São
dois os modos de assegurar a promoção, puxar o saco de um general e
melar o nome do rival na lista de promoção. Puxar o saco e trair.
Modos que ora se alternam, ora se complementam. Pode acontecer de ter
que trair o próprio general. A traição é o corolário da lealdade
oportunista. Na corporação militar-burocrática, um oficial nunca
se abre com os outros dois ao mesmo tempo. Sempre a um só; assim, ao
ser traído, saberá quem o entregou. Traição também é uma arte.
“O
Prestes levou esse cuidado à coluna e depois o incorporou às normas
de segurança do Partido, ainda mais devido à sua clandestinidade
quase permanente. Acabou tornando o partido mais secretivo do que já
era, nunca encontros de mais de dois, e sempre aos sussurros.”
Hábitos
criam valores. A prática da traição e da dissimulação
incorporam-se ao ethos militar. Os valores invertem-se. São
todos Esterhazys; nenhum Dreyfuss (*); no lugar da bravura, a
crueldade; a desonra, em vez da honra; o povo pobre como inimigo; a
maldade levada ao infinito. Degolas em Canudos; execuções de presos
rendidos no Araguaia, embora crianças ainda, desmebramento de
corpos, em 1974, para fazê-los “desaparecidos”. Ao crime
hediondo, segue-se o delito paradoxal, para uma organização
burocrática, no entanto lógico na nova escala de valores: a
supressão de provas.
“Este
aqui é o único general que, pelo meu conhecimento, se preocupou em
mandar pararem as torturas.”
Embora
de extrema direita, o general era espírita; quando soube das
torturas foi à Barão de Mesquita de surpresa e mandou parar tudo na
hora. Espíritas não admitem que se maltrate nenhum vivente, nem
bicho, porque creem na reencarnação; para eles, corpos são
moradas provisórias das almas de nossos antepassados que precisam
ser veneradas e respeitadas. Você pode estar torturando um bisavô
ou a própria mãe, se ela já morreu.
“Foi
ele sair e recomeçaram tudo. Também, ele não demitiu ninguém, não
denunciou, nem internamente, nem em público.”
Pela
nova doutrina militar em vigor, da guerra psicológica adversa, o
inimigo pode estar em qualquer um, às vezes ainda latente: no
artista de teatro, no jovem ingênuo, na menina rebelde, no padre
progressista. Nessa doutrina, só a tortura revela a propensão
subversiva do suspeito, como na inquisição as máquinas de suplício
faziam sair os demônios de dentro das bruxas e desmascaravam os
fingimentos dos hereges e cristãos novos.
“Este
aqui é o mais inteligente e o mais cruel. Da artilharia, é claro.
Por isso propôs a abertura lenta, gradual e segura, sabia que estava
tudo acabado. É dos antigos, podia ter se alistado na Força
Expedicionária, mas não foi; nunca travou uma batalha, nunca esteve
numa guerra. Não se sabe até hoje se não se alistou por simpatizar
com os nazistas ou se os americanos o vetaram, pela mesma razão.”
O
general cassado fecha o almanaque. Chega. Já deu para entender.
[Trecho
do livro do jornalista Bernardo Kucinski, intitulado “K.” Editora
Expressão Popular, 2012.]
(*)
Charles-Marie Ferdinand Welsh Esterhazy, militar frances que vendeu
segredos à Alemanha em 1894. A traição foi atribuída falsamente
ao oficial judeu Alfred Dreyfuss, depois considerado inocente, mas
jamais foi restituído ao exército frances.
O autor Bernardo Kucinski não menciona diretamente quem é o general que faz as declarações reveladoras do ethos militar brasileiro, ao mesmo tempo evidenciando a inutilidade desta função pública no Brasil.
Ora, a identidade do general não é difícil de deduzir. Se trata do “irmão de um cirurgião celebrado”. Apostamos que ele está se referindo ao general Euryale de Jesus Zerbini, um grande brasileiro.
Há, ainda assim, uma controvérsia entre o livro de Kucinski e a realidade: no livro, o militar referido é um “general de quatro estrelas”, portanto general-de-Exército, segundo a hierarquia militar brasileira. E o general Zerbini morreu em 1982 como general-de-brigada, ou seja, com duas estrelas, o posto mais baixo do generalato. Alguém se equivocou: o autor de K. ou os gorilas golpistas que esqueceram de graduar o general Zerbini antes de sua morte.
Euryale de Jesus Zerbini (1908-1982), foi um general-de-brigada do Exército brasileiro, irmão do cirurgião cardiologista Euryclides de Jesus Zerbini, o primeiro médico brasileiro a fazer transplantes de coração. Euryale foi casado com Therezinha Zerbini, uma das líderes do movimento pela anistia, na década de 1970. A informação é da Wikipédia.
No
golpe civil-militar de 1964, o general Zerbini, assumiu uma posição
legalista. Enveredou pelo Vale
do Paraíba rumo
ao Rio
de Janeiro.
Pretendia confrontar as tropas favoráveis ao golpe dos generais
Olympio
Mourão Filho e
Carlos
Luiz Guedes,
que tinham partido de Minas
Gerais também
em direção ao Rio de Janeiro, ambos com propósitos francamente
golpistas.
Porém, na medida em que Zerbini foi marchando, a adesão
ao golpe por parte dos generais foi se multiplicando. De modo que
Zerbini se encontrou isolado no meio do Vale do Paraíba e como
resultado teve de entregar-se, não tinha mais como resistir.
Foi
preso, expulso do Exército, e logo reformado. Morreu em 1982, em plena ditadura. A redemocratização - que ainda não está completa até hoje - se iniciou em 1985. E desde então vivemos sob um pesado manto de esquecimento e cinismo público.
sexta-feira, 15 de junho de 2012
RBS: paguem melhor, e não terão esses analfabetos aí
Habeas corpus não leva acento, editores da RBS. Que mico!
Habeas corpus, etimologicamente significando em latim "Que tenhas o teu corpo" (a expressão completa é habeas corpus ad subjiciendum) é uma garantia constitucional em favor de quem sofre violência ou ameaça de constrangimento ilegal na sua liberdade de locomoção, por parte de autoridade legítima. A informação está na Wikipedia. É simples. É só consultar a Wiki ou o pai dos burros.
Quanto à decisão do STF, sem comentários. Um deboche!
De vítima da guerra suja à vítima da feira eleitoral
Pela
verdade e pela memória, contra o oportunismo e o eleitoralismo
A
criação da Comissão Nacional da Verdade suscitou uma série de
discussões com consequências muito interessantes. Uma delas, sobre
o seu caráter: investigar os “dois lados” ou apurar a
responsabilidade do Estado no processo de perseguições prisões,
torturas, sequestros, mortes, desaparecimentos e outras violações
dos direitos humanos a partir da ditadura civil-militar imposta ao
país em 1964.
Assim
como a publicação do livro “Memórias de uma guerra suja”,
baseado
no depoimento do ex-delegado do DOPS, Claudio Guerra, que desnuda os
meandros da estrutura repressiva montada, principalmente, a partir de
dezembro de 1968 com a decretação do AI-5. O próprio depoente em
recente entrevista garantiu: “Existem muitos outros Claudio Guerra
por aí”.
No
rastro da criação da Comissão da Verdade foram desencadeadas ações
de agitação e propaganda de companheiros e companheiras do Levante
Popular da Juventude, escrachando torturadores em todo o Brasil.
Porém,
esse contexto abriu caminho para os oportunistas de plantão,
principalmente em ano eleitoral, garimparem os seus votinhos. Aqui em
Porto Alegre surgiu até um tal Comitê Carlos De Ré, “coordenado”
pelo vereador Pedro Ruas do PSOL. Para começo de conversa, Carlos De
Ré não tinha afinidades pessoais, políticas ou ideológicas com o
nobre edil, muito antes pelo contrário. Portanto, trata-se de uma
apropriação indébita da memória de um combatente de esquerda.
Conheci
Carlos Alberto Tejera De Ré (foto), chamado pelos seus familiares, amigos e
companheiros carinhosamente de Minhoca, nos idos de 1967. Ele com
quinze anos, e eu com dezessete.
Conhecemo-nos
em plena luta contra a ditadura civil-militar que se abateu no Brasil
em 1964, tendo perpetuado um golpe contra as instituições
democráticas, derrubando um presidente eleito democrática e
constitucionalmente.
Minhoca,
com apenas dezesseis anos, conheceu a prisão pela primeira vez,
preso numa panfletagem contra a ditadura. Aí, ainda, sem sofrer a
ira dos torturadores. Saiu da cadeia e no mesmo dia voltou às
fileiras da militância. Agora, já no processo de resistência
armada contra o sistema foi preso novamente e, naquele momento,
sentiu todo o peso da violência do terrorismo de Estado.
Em
1971, estava na Ilha do Presídio já há algum tempo, quando atracou
a barca da guarda com um grupo de presos que, após passar pela
tortura na “fossa’ do DOPS, regressava de uma temporada de
brutalidades em celas solitárias de quartéis do exército situados
em cidades próximas da fronteira com a Argentina.
E
ali, novamente reencontrei o companheiro Minhoca: debilitado,
abatido, mais magro em sua magreza, porém altivo em sua moral e
sempre com a sua costumeira afetividade que, até a morte, nunca o
abandonou.
Fora
da cadeia voltamos a nos encontrar em 1973. Novamente militando, com
os ensinamentos de uma longa autocrítica feita na prisão e fora
dela: revisando métodos, formas de luta, táticas, mas conservando a
visão estratégica da construção de uma sociedade livre, sem
explorados nem exploradores. De lá para cá, foram muitos anos de
combate. Muitas vezes na mesma trincheira, às vezes, em trincheiras
separadas. Sempre combatendo o inimigo comum, e buscando a utopia da
qual compartilhávamos. Sempre acompanhada de uma camaradagem muito
fraterna, nos bons momentos assim como nas épocas difíceis, nas
festas, como nas agruras. Por tudo isso, posso dizer: até sempre meu
irmão e camarada.
Após
a morte do Minhoca aconteceram algumas homenagens em sua memória nem
sempre muito adequadas, no meu entender, mas sempre com boas
intenções. Porém, o que está acontecendo agora extrapola
totalmente o terreno das boas intenções e se configura como uma
utilização oportunista e eleitoreira da memória de um
revolucionário que sempre se opôs a tais práticas personalistas.
Artigo
do economista Calino Pacheco Filho.
terça-feira, 12 de junho de 2012
Com a feira eleitoral, o oportunismo corre solto
Lendo
o jornal Zero Hora (edição de 11/6, fac-símile acima) fica-se
sabendo que agora existe um tal ''Comitê Carlos de Ré",
alegadamente preocupado com a memória da ditadura civil-militar de
1964-85.
De
plano, se nota que estamos diante de um mero comitê eleitoral do vereador
que se apresenta como “coordenador” da entidade. E que esse mesmo vereador
não tinha a menor intimidade com o suposto homenageado, que se
chamada Carlos Alberto Tejera De Ré, o saudoso Minhoca, falecido
meses atrás.
Portanto,
nem o nome do pretenso homenageado, o vereador consegue acertar. Por
óbvio, como se trata de um comitê eleitoral travestido de entidade
memorialística em favor do resgate da história durante a ditadura
(o que seria meritório e elogiável), não houve a devida
preocupação da fidelidade e o respeito ao suposto patrono da falsa
entidade. Não dizem que a astúcia tem pressa e que, por isso mesmo,
é inimiga da razão?
Em
tempos de corrida eleitoral, o oportunismo corre solto, a ética
escorre pelo ralo e a esperteza de curto prazo predomina.
Coisas
da vida.
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