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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

terça-feira, 31 de julho de 2012

A greve nas Universidades federais



Zero de conduta

Há mais de dois meses, os professores das Universidades federais estão em greve. Após duas propostas consideradas insuficientes pela maioria do corpo docente, o governo parece disposto a endurecer as negociações. No entanto há de estranhar a maneira com que uma questão dessa natureza está sendo tratada.

Ao ganhar as eleições, o governo atual afirmou ser a educação sua prioridade. Mas, por mais que possa parecer uma tautologia, colocar a educação como prioridade significa, entre outros, assumir as demandas que vêm de seus profissionais como prioritárias. O que os professores querem é um salário digno e uma infraestrutura adequada para desenvolver atividades de docência, orientação e pesquisa.

Enquanto algumas pessoas que nada sabem da vida universitária usam espaços na imprensa para afirmar que os professores são a "elite do funcionalismo" e que, por isso, não deveriam reclamar, policiais rodoviários continuam ganhando mais do que docentes.

Os desafios brasileiros passam pelo fortalecimento da universidade pública, com sua capacidade de formação e pesquisa. A experiência de liberalização do ensino universitário por meio da proliferação de universidades privadas foi um retumbante fracasso.

Tudo o que se conseguiu foi produzir levas de profissionais semiformados, assim como instituições nas quais os professores acabam por ser repetidores, por estar afogados em cargas horárias que não permitem o desenvolvimento de pesquisas.

Vez por outra, quando o processo de financiamento das universidades públicas volta à tona, temos de ouvir duas opiniões no limite do caricato. A primeira consiste no argumento etapista tosco que afirma: primeiro, devemos investir na escola básica, depois, nas universidades. Claro.

E, enquanto o investimento da educação básica não chega a um nível adequado, deixemos as universidades serem sucateadas e destruídas. Tais pessoas têm um raciocínio binário incapaz de entender que o investimento em educação deve ser extensivo, caso não queiramos perder completamente o bonde do desenvolvimento social.

A segunda afirma que os professores universitários devem deixar de ser subvencionados pelo Estado e procurar financiamento para pesquisas na iniciativa privada.

Só um exemplo: se um pesquisador em psicologia procurar desenvolver uma pesquisa mostrando a ineficácia de antidepressivos, a quem ele deve pedir financiamento? À indústria farmacêutica?

Ou seja, ou o governo assume o custo de eleger a educação como prioridade ou é melhor não utilizar tal discurso em época de eleição.

Artigo do professor Vladimir Safatle, da Filosofia da USP.  Publicado hoje na Folha

Spanish way of life



Auxílio à memória de como a Espanha chegou à bancarrota que chegou... com a generosa e potente mão invisível do liberalismo de resultados ou clepto-fascismo de ocasião.

sábado, 21 de julho de 2012

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Pela anulação da Anistia do ditador Figueiredo



Anistia é um ato pelo qual os governos resolvem perdoar generosamente as injustiças e os crimes que eles mesmos cometeram."

Aparício Torelly, o Barão de Itararé (1895-1971)

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Os agentes da ditadura ainda estão por aí, agindo



Trecho da entrevista do Frei Betto, frade dominicano, ex-ativista político na resistência contra a ditadura civil-militar, e ex-assessor do presidente Lula, no Palácio do Planalto:


"Quando trabalhei no Planalto (no primeiro governo Lula) duas coisas me chamaram atenção. Primeiro, que todos os garçons eram das Forças Armadas. E o garçom é a pessoa que entra no meio da reunião, que enquanto está servindo o cafezinho fica escutando tudo, fica amigo das secretárias, tem trânsito livre até na sala do Presidente. Não entra o ministro, mas entra o garçom. E outra coisa foi num dia em que o Lula estava viajando, subi na sala do Gilberto Carvalho (então chefe de gabinete da Presidência) e vi um pessoal na sala do Lula cheio de equipamentos. Perguntei o que era aquilo, e o Gilberto disse que era o pessoal da varredura do Exército. Eu perguntei para o Gilberto qual a garantia de que eles não tiram um equipamento de gravação e colocam outro. Gilberto disse que nunca tinha pensado nisso". [...]


Leia aqui a íntegra da entrevista do Frei Betto.

Um, dois, mil Comitês Populares da memória, verdade e justiça no RS



Nota de Esclarecimento

Da relação do Comitê Popular Estadual Memória Verdade e Justiça com o Comitê Carlos Alberto Tejera de Ré

Nós, membros do Comitê Popular Estadual Memória Verdade e Justiça desejamos, por meio desta nota, esclarecer as relações que buscamos estabelecer com o Comitê Carlos Alberto Tejera De Ré, também sediado em Porto Alegre. Buscamos construir o Comitê Estadual exatamente para contribuir com a busca pela memória, a verdade e a justiça no âmbito do RS, nos mais diferentes rincões do nosso estado.

Para isso, buscamos construir um espaço estadual, aberto, plural e democrático, organizado com uma coordenação colegiada, e sem aparelhamento por qualquer partido, candidato ou indivíduo. Justamente por esta característica, o Comitê Estadual, em sua 4a semana de existência, já está composto por diversos historiadores, ex-presos políticos e familiares, militantes de diferentes matrizes partidárias, além de movimentos sociais e sindicais amplos, em um conjunto que já se compõe em mais de quinze entidades diferentes. E, assim, já contribui na construção de comitês em outras seis cidades do RS, em cinco regiões diferentes do estado. E o trabalho está apenas começando.

Diversos membros e entidades que compõe o Comitê Estadual buscaram participar das reuniões do Comitê Carlos de Ré em Porto Alegre, coordenado pelo Vereador Pedro Ruas, cujas reuniões são realizadas em seu respectivo gabinete, e das quais a regularidade de datas ainda está em construção.

Participamos também dos dois atos realizados pelo Comitê Carlos de Ré, também coordenados pelo Vereador Pedro Ruas.

Neste sentido, como afirmado expressamente em todos os debates de construção do Comitê Estadual, seguimos firmes no propósito de contribuir com todas as iniciativas de construção de comitês da verdade, nos mais diferentes rincões do RS. O mesmo valendo para o Comitê Carlos de Ré, de Porto Alegre, e todos os demais comitês que venham a contribuir com a luta pela memória, a verdade e a justiça, surjam eles em Porto Alegre ou em quaisquer outras cidades do nosso estado.

Para tanto, temos realizados reuniões abertas, semanais, sempre na mesma hora e local (a saber, em sala-plenária no prédio da Assembléia Legislativa do RS, nas segundas-feiras, 19h).

Desta forma, reafirmamos nossa disposição sincera e fraterna em contribuir na construção de um Comitê Carlos de Ré cada vez mais plural e democrático, assim como com todos os comitês que venham a ser construídos nas Universidades, escolas, fábricas ou comunidades, por todo o estado do RS, em uma relação solidária e colaborativa entre todas as iniciativas que busquem o resgate da memória, e contribuam para as lutas pela verdade e pela justiça.

COMITÊ POPULAR ESTADUAL MEMÓRIA VERDADE E JUSTIÇA/RS


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Acho oportuna a nota de esclarecimento acima. Os militantes do Comitê Popular Memória, Verdade e Justiça mostram ânimo plural e participativo, onde não há espaço para o oportunismo eleitoral e o personalismo filisteu. Trabalham para que se multiplique pelo RS um, dois, mil comitês populares pela memória.


Todos esses comitês - nas Câmaras Municipais, nos sindicatos urbanos e rurais, nos grêmios estudantis, nos diretórios acadêmicos, nas associações de moradores, etc - devem contribuir de forma convergente com a recém criada Comissão Estadual da Verdade instituída ontem (17/7) por decreto do governador Tarso Genro. 

O Comitê Popular Memória, Verdade e Justiça cumpre assim com o propósito cidadão e republicano para o qual criado: contribuir com o resgate da memória histórica e combater a impunidade dos crimes cometidos por agentes do Estado contra o povo brasileiro durante a ditadura civil-militar de 1964/85.


Foto: durante protesto em Brasília, meses atrás, manifestantes simulam a tortura conhecida como "pau de arara" aplicada pelos agentes policiais e militares, com supervisão médica, durante a ditadura civil-militar de 1964/85.

terça-feira, 17 de julho de 2012

RS cria a Comissão Estadual da Verdade



O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, assina hoje (17/7) o decreto que cria a Comissão Estadual da Verdade, destinada a facilitar o acesso da sociedade a documentos oficiais da ditadura civil-militar (1964/1985). A comissão terá como objetivo resgatar a memória política e histórica do Estado e subsidiar os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, criada no final de 2011 pela presidenta Dilma Rousseff através da lei 12.528/2011.
A solenidade de criação da Comissão Estadual da Verdade ocorrerá durante a conferência Direitos Humanos, Desenvolvimento e Criminalidade Global, que será apresentada pelo juiz espanhol Baltasar Garzón [na foto com Tarso], a partir das 18h, no auditório do Ministério Público do Estado (Avenida Aureliano de Figueiredo Pinto, 80). Garzón vem ao Brasil a convite do governador Tarso Genro, que o homenageará com a Comenda da Ordem do Ponche Verde.
A conferência também terá a presença do ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e atual coordenador da Comissão Nacional da Verdade, Gilson Dipp, da ministra da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário, do ministro de Defesa do Uruguai, Eleutério Huidobro, além do procurador aposentado do Estado, Jacques Alfonsin.
O texto acima foi pescado do blog RS Urgente.

Golpistas paraguaios têm partidários no Brasil


As mentiras paraguaias das elites brasileiras

Mal havia terminado o golpe de Estado contra o presidente Fernando Lugo e flamantes porta-vozes da burguesia brasileira saíram em coro a defender os golpistas.


Seus argumentos eram os mesmos da corrupta oligarquia paraguaia, repetidos também de forma articulada por outros direitistas em todo continente. O impeachment, apesar de tão rápido, teria sido legal. Não importa se os motivos alegados eram verdadeiros ou justos.


Foram repetidos surrados argumentos paranoicos da Guerra Fria: "O Paraguai foi salvo de uma guerra civil" ou "o Paraguai foi salvo do terrorismo dos sem-terra".


Se a sociedade paraguaia estivesse dividida e armada, certamente os defensores do presidente Lugo não aceitariam pacificamente o golpe.


Curuguaty, que resultou em sete policiais e 11 sem-terra assassinados, não foi um conflito de terra tradicional. Sem que ninguém dos dois lados estivesse disposto, houve uma matança indiscriminada, claramente planejada para criar uma comoção nacional. Há indícios de que foi uma emboscada armada pela direita paraguaia para culpar o governo.


Foi o conflito o principal argumento utilizado para depor o presidente. Se esse critério fosse utilizado em todos os países latino-americanos, FHC seria deposto pelo massacre de Carajás. Ou o governador Alckmin pelo caso Pinheirinho.


O Paraguai é o país do mundo de maior concentração da terra. De seus 40 milhões de hectares, 31.086.893 ha são de propriedade privada. Os outros 9 milhões são ainda terras públicas no Chaco, região de baixa fertilidade e incidência de água.


Apenas 2% dos proprietários são donos de 85% de todas as terras. Entre os grandes proprietários de terras no Paraguai, os fazendeiros estrangeiros são donos de 7.889.128 hectares, 25% das fazendas.


Não há paralelo no mundo: um país que tenha "cedido" pacificamente para estrangeiros 25% de seu território cultivável. Dessa área total dos estrangeiros, 4,8 milhões de hectares pertencem brasileiros.


Na base da estrutura fundiária, há 350 mil famílias, em sua maioria pequenos camponeses e médios proprietários. Cerca de cem mil famílias são sem-terra.


O governo reconhece que desde a ditadura Stroessner (1954-1989) foram entregues a fazendeiros locais e estrangeiros ao redor de 10 milhões de hectares de terras públicas, de forma ilegal e corrupta. E é sobre essas terras que os movimentos camponeses do Paraguai exigem a revisão.


Segundo o censo paraguaio, em 2002 existiam 120 mil brasileiros no país sem cidadania. Desses, 2.000 grandes fazendeiros controlam áreas superiores a mil ha e se dedicam a produzir soja e algodão para empresas transnacionais como Monsanto, Syngenta, Dupont, Cargill, Bunge.


Há ainda um setor importante de médios proprietários, e um grande número de sem-terra brasileiros vivem como trabalhadores por lá. São esses brasileiros pobres que a imprensa e a sociologia rural apelidaram de "brasiguaios".


O conflito maior é da sociedade paraguaia e dos camponeses paraguaios: reaver os 4,8 milhões de hectares usurpados pelos fazendeiros brasileiros. Daí a solidariedade de classe que os demais ruralistas brasileiros manifestaram imediatamente contra o governo Lugo e a favor de seus colegas usurpadores.


O mais engraçado é que as elites brasileiras nunca reclamaram de, em função de o Senado paraguaio sempre barrar todas as indicações de nomes durante os quatro anos do governo Lugo, a embaixada no Brasil ter ficado sem mandatário durante todo esse período.


Artigo do economista João Pedro Stedile, da coordenação do MST e da Via Campesina.

Em Tempo: A senadora Ana Amélia Lemos (PP/RS) foi uma das parlamentares brasileiras que se manifestou a favor do golpe no Paraguai. Que fique registrada essa marca indelével na biografia da parlamentar sul-rio-grandense, ligada aos setores mais conservadores e atrasados do estado. Muito embora, na aparência, Ana Amélia queira passar uma imagem mais atualizada e moderna.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

"A editora Abril se transformou num coito de bandidos..."



"O Senhor Procurador da República [Gurgel] tem que ser apeado da sua posição..."


Este é vídeo do discurso do senador Collor que motivou a retaliação da Rede Globo, ontem, no programa 'Fantástico', ao publicar uma entrevista com Rosane Collor, sua ex-mulher. Na entrevista, Rosane disse platitudes como: "Fernando dormia de olhos fechados, para comer, abria a boca, Fernando caminhava para a frente, Fernando sentava para trás, Fernando - inacreditável! - respirava pelo nariz...".    


O ponto alto da entrevista, entretanto, foi quando Rosane-gap-teeth revelou, solene: "PC Farias tomou o café da manhã inúmeras vezes na Casa da Dinda". Estou certo que o País parou de respirar naquele momento. 


Vídeo pescado do blog do Nassif.

Encontro de Blogueiros Guascas


E simpatizantes

Mais informações aqui no http://blogprogrs.com.br/

quinta-feira, 12 de julho de 2012

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O talentoso senhor Ripley



O talentoso senhor Dirceu

A imprensa rende-se ao julgamento do mensalão. Se você achava que o debate público não podia ficar mais pobre, pense de novo.


Futricas do Supremo, dedo em riste da CUT e outras levezas serão nosso pão cotidiano durante as próximas semanas.


Esta coluna ignoraria o tema solenemente, não fossem os efeitos do mensalão sobre a política externa brasileira.


A história começa há dez anos, em julho de 2002, quando José Dirceu foi aos Estados Unidos pela primeira vez.


Não falava nem entendia inglês. Não conhecia quase ninguém. Mas Lula crescia nas pesquisas de intenção de voto, Fernando Henrique patinava e o "Financial Times" sentia cheiro de calote no ar.


Não era a primeira crise financeira a coincidir com uma eleição presidencial. Em 1998, um Fernando Henrique acuado pedira socorro ao presidente Bill Clinton.


Em 2002, Lula não tinha como fazer o mesmo com George W. Bush porque o PT estava longe dos centros americanos de opinião pública, pensamento e poder.


O "New York Times" tinha lá seu naco de razão: "Um governo esquerdista do PT e um governo conservador republicano podem ser uma combinação explosiva".


Lá foi José Dirceu com a "Carta ao Povo Brasileiro" debaixo do braço. Em Nova York, conversou com gente de JP Morgan, Citigroup, Morgan Stanley, Lehman Brothers, ABN Amro, Bear Stearns, da Alcoa e também da Moody's.


Em Washington, visitou a central sindical americana AFL-CIO, o Banco Interamericano, o Departamento de Estado, o Tesouro, o Conselho Econômico Nacional e o Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca. Tirou foto solene no Ground Zero. WikiLeaks e outros documentos abertos pela lei americana de acesso à informação revelam que ele convenceu.


Em poucos meses, Lula e Bush montariam a aproximação diplomática mais ambiciosa de uma geração. Patrocinaram o primeiro encontro ministerial dos dois países, consultaram um ao outro sistematicamente e a Casa Branca começou a argumentar que o Brasil era "uma potência global em ascensão". Em relações internacionais, reconhecimento é poder.


O mensalão jogou esse trabalho por terra porque era Dirceu quem mantinha o canal de comunicação desimpedido.


Mais tarde, o Palácio do Planalto e a Casa Branca iriam às turras a respeito de Iraque, Cuba, Honduras, Irã, comércio internacional, direitos humanos e proliferação nuclear.


Longe de mim colocar azeitona na empada de José Dirceu. O homem não precisa de mais mitificação. Mago dos magos para uns, inimigo público para outros, ele é odiado e reverenciado ao mesmo tempo.


Sua iniciativa deu certo. Não porque ele fosse um grande estadista. Não era. Estava mais para bombeiro apagando incêndio. Teve êxito porque, na época, uma estratégia para lidar com os Estados Unidos era inexistente.


Dez anos mais tarde, pouco mudou. Quando se trata de gerir problemas na relação com os Estados Unidos, o Brasil ainda fica à mercê do talento de um ou outro indivíduo. Sexta economia do mundo, podíamos fazer melhor.


Artigo de Matias Spektor, professor da FGV, publicado hoje na Folha.

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Tem um traço (forte) de ironia o título do artigo acima, escrito por Matias Spektor. Se o dirceuzismo de resultados que grassa e hegemoniza o PT entender a sutileza, pode ficar incomodado. Indiretamente ele remete ao personagem recorrente da genial escritora Patricia Highsmith, Tom Ripley, um indivíduo não propriamente virtuoso e ético. Uma das tantas obras da escritora, onde o protagonista é Tom, chama-se justamente 'O talentoso Mr. Ripley'. Esse livro de Patricia já foi adaptado para o cinema, pelo menos duas vezes, numa, Tom é vivido por Alain Delon (O sol por testemunha, 1960, do diretor René Clément) e noutro por Matt Damon (O talentoso Mr. Ripley, 1999, do diretor Anthony Minghella).

Quem quiser saber o que Spektor quis dizer quando colocou este título no seu artigo terá que ler os livros de Patricia Highsmith. Não custa nada, os livros são muito bons. Patricia tem a capacidade (rara) de mostrar que existe uma variedade infinita de gradações entre o preto e o branco, em se tratando de análise da alma e do comportamento humano. A formulação literária do personagem de Ripley é um laboratório disto, onde o maniqueísmo fácil - e difícil - passa muito distante.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O mito da (contra) Revolução de 1932 e o paulistinismo filisteu e ideológico



Hoje é dia de celebrar a bravura da “locomotiva da nação”


A (Contra) Revolução de 1932 completa 80 anos. O dia [hoje, 9 de julho], como sempre, é reservado para alimentar o processo de mitificação daqueles acontecimentos, com paradas militares, crianças agitando bandeirinhas, o vermelho, o preto e o branco das cores de São Paulo pintados nos rostos, autoridades emplumadas passando as tropas em revista, discursos de como o Estado é importante…
Afinal de contas, séculos depois, muitos de nós, paulistas, ainda nos sentimos acima do restante do país, fantasiando uma suposta autoridade moral que nunca existiu. Sabe aquela coisa ridícula que está escrita, em latim, na bandeira do município de São Paulo (non ducor duco – não sou conduzido, conduzo)? Então…
Autoridade que desaparece quando analisamos a política higienista em São Paulo, posta em prática, quase de forma articulada, pelos governos federal, estadual e municipal. Afinal de contas, as empreiteiras e os especuladores imobiliários estão aqui, doando recursos de campanhas, emprestando parentes para cargos públicos, influenciando o cumprimento e o não cumprimento de regras, dizendo quem tem direito à cidade e quem não tem.
A sanha punitiva do Estado-locomotiva (sic) da nação é grosseira, tendo – na maioria das vezes – como alvo a massa de sem-teto, sem-terra, dependentes químicos, pobres, imigrantes ilegais, enfim, os rotos que ousam ficar no meio do caminho do progresso.
Já citei aqui, anteriormente, o ensaio “O Fausto de Goethe: A Tragédia do Desenvolvimento”, de Marshall Berman. Fausto é um personagem que tem altos e baixos: encanta e fascina, surpreende e decepciona. Não é possível traçar um caráter para ele, pois ele não o possui. Assim como todo o sistema, é mutável – uma metáfora do desenvolvimento capitalista.
Fausto vendera sua alma em troca de experimentar as sensações do mundo. Mas o diabo não é o Lúcifer da cristandade, não representa o mal em si, mas sim o espírito empreendedor. A mentalidade que fomenta Fausto (“destruir para criar”) é a realidade em constante movimento (Mefistófeles perguntava a ele se Deus não havia destruído as trevas que reinavam no universo para poder criar o mundo), a mesma que norteia uma metrópole como São Paulo.
Essa destrutividade criativa pode ser encontrada no caso de Filemo e Baúcia, um casal de idosos. Ambos eram um empecilho para os planos do empreendedor Fausto e precisavam ser removidos. Quando Mefistófeles queima a casa deles, os assassinando, não quer Goethe provar a sua maldade, mas expor exatamente o contrário: joga-se a negatividade fora criando o princípio fictício que o mal (o casal idoso) pode ser estirpado da sociedade. Caem os limites morais. O desenvolvimento da modernidade não possui padrões éticos, além da ética que cria para si mesmo.
Na mesma linha, o “paulistanismo”, o nacionalismo paulista, funciona como uma espécie de seita radical para os seus adeptos. Mesmo as pessoas mais calmas viram feras, libertando uma fúria bandeirante que parecia, historicamente, reprimida dentro do peito quando se vêem diante de críticas à ideia de destruir para criar. Bandeirante, aquele pessoal que virou nome de avenida, escola, praça, escultura, Palácio de Governo, homenageados por terem dizimado gente. O fato de São Paulo tê-los escolhido como heróis diz muito sobre quem somos. E o fato de muita gente continue defendendo que seus métodos foram necessários para que o Brasil fosse “grande” diz muito sobre o que seremos.
Para parte da população paulista, a Cracolândia e o Pinheirinho (remoções forçadas ocorridas este ano) eram um mal a ser extirpado em nome do progresso.
Espero que, daqui a 80 anos, não celebrem este 2012 como o início da retomada do Estado pelos “cidadãos de bem” com paradas militares, crianças agitando bandeirinhas, o vermelho, o preto e o branco das cores de São Paulo pintados nos rostos, autoridades emplumadas passando as tropas em revista, discursos de como o Estado é importante…
Artigo do blogueiro (paulista) Leonardo Sakamoto, publicado hoje no Blog do Sakamoto.
Sobre o cartaz acima: Ainda por cima, não sabiam as regras gramaticais do português. Esta elite cafeeira se achava a vanguarda do País. Perderam a revolta de '32, foram surrados pelo governo Vargas, e como vendetta foram à Europa buscar professores para fundar uma Universidade, a USP. Menos mal. Vale ler a obra Tristes Trópicos, do Levi-Strauss, no capítulo onde repassa as impressões sobre o que encontrou em São Paulo. Ele achou muito estranha a elite paulistana. Ora, 80 anos depois, continua tudo igual, só que agora eles perambulam por aí de gravata dourada e automóveis importados de 100 mil dólares, quando não, de helicóptero. E quando os pobres os chateiam, chamam a polícia tucana e mandam descer o cassetete e o gás pimenta - pra infelizama saber com quem está lidando.    

domingo, 8 de julho de 2012

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Espetáculos de pura animalidade em pleno século 21



Todos os anos nos Estados Unidos, Coney Island, em Nova York, acontece uma competição de comilança de sanduíche. É tradicional, o prefeito comparece, fala, se homenageiam os glutões, e se exaltam as capacidades de comer rápido e muito. A competição dura dez minutos e o vencedor come cerca de meia centena de sanduíches, ou mais. Uma coisa animalesca, mas, sobretudo, pornográfica. 

É o equivalente às touradas na Espanha e aos espetáculos de autoflagelação humana durante a chamada semana santa dos católicos do mundo todo. Fica a pergunta: que ethos social sustenta e dá suporte continuado (por décadas, centenas de anos) a esses espetáculos de pura animalidade e brutalidade coletiva?

Não me admira se criarem um campeonato de arremesso de vômito, nas categorias “volume” e “distância”. O filme do Polanski, “Deus da Carnificina” trata um pouco disso, da escatologia em geral (nos dois sentidos do termo). Outra hora eu comento esse filme, aqui no blog. 

Fotos de Andrew Burton/AFP

terça-feira, 3 de julho de 2012

O Brasil abre mão de tantas coisas importantes só para beneficiar o automóvel particular



Indústria automobilística teve isenção de R$ 1 milhão por emprego criado

Desde o início da crise financeira internacional, o governo brasileiro abriu mão de R$ 26 bilhões em impostos para a indústria automotiva. Ao mesmo tempo, o setor criou 27.753 novas vagas de trabalho, o que equivale dizer que cada nova carteira de trabalho assinada pelas montadoras custou cerca de R$ 1 milhão em renúncia fiscal aos cofres públicos. A informação é do Estadão, de hoje.

As medidas de estímulo à venda de veículos nos últimos três anos e meio também contribuíram para a remessa de US$ 14,6 bilhões ao exterior, na forma de lucros e dividendos, para as matrizes que contavam prejuízos com a queda na receita nos Estados Unidos e na Europa. O lucro enviado para fora do País fica próximo do valor que as empresas deixaram de pagar em impostos.

A maior parte dos benefícios foi anunciada de surpresa pelo ministro da Fazenda,
Guido Mantega, sem planejamento com outros setores do governo. Sob a tutela da presidente Dilma Rousseff, o ministro assumiu a negociação direta com as montadoras, gerando críticas, nos bastidores, de outros gabinetes. Há quem critique a falta de contrapartidas ambientais, de geração de empregos e de investimentos pelas empresas.

Economistas concordam que o consumidor brasileiro paga preço salgado para ajudar um setor da economia e criticam a forma atabalhoada com que o governo lida com as montadoras. Mas divergem sobre a necessidade de ajuda ao setor: uns dizem ser vital e outros apostam em uma abordagem mais liberal que permitisse, por exemplo, que os empresários tivessem prejuízo na crise para que aumentassem a qualidade do produto.



A ajuda a conta-gotas, em vez de políticas de longo prazo para tornar a indústria nacional mais competitiva, reflete o lobby de alguns setores viciados em receber auxílio estatal, diz Gabriel Leal de Barros, especialista em crédito público do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas.

"A indústria automotiva do Brasil tem 60 anos e a da Coreia do Sul, 35, e eles são tão mais competitivos que o consumidor consegue perceber isso simplesmente entrando no carro", afirma
Barros, que defende reformas econômicas e investimentos em infraestrutura para reduzir custos da indústria.

Os dados mostram que o País "abre mão de muita coisa para atender aos interesses desse setor, a um custo enorme", diz
Julio Miragaia, coordenador de Políticas Econômicas do Conselho Federal de Economia. "Provavelmente, a maior parte da desoneração tenha sido enviada na forma de lucros para o exterior."

Se houve queda no preço ao consumidor, a política do governo não estimulou a concorrência, segundo o consultor Welber Barral, ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento. "Os dados demonstram que o regime beneficiou mais as empresas tradicionalmente instaladas do que a entrada de novos concorrentes, o que seria a intenção original."


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A sociedade do automóvel, moldada para conviver e dar amplo espaço aos veículos   particulares, está consumindo muitos outros valores que poderíamos cultivar no nosso meio social. Cada vez mais, adotamos o comportamento de manada. 


Vejam as cidades brasileiras, médias e grandes (e mesmo as pequenas): estão deformadas, entupidas e hipertrofiadas para propiciar que o automóvel tenha regalias no meio urbano, em detrimento dos indivíduos e sua liberdade de locomoção e mais qualidade do ar e das águas.


Os incentivos do lulismo de resultados ao automóvel jamais considerou a necessidade de políticas públicas para o transporte urbano das grandes massas. O próprio programa habitacional Minha Casa, Minha Vida (elogiável em quase todos os aspectos) também não incidiu sobre a revisão das políticas acerca do solo urbano e as medidas para coibir a especulação imobiliária desenfreada e selvagem, bem como sobre o transporte coletivo caótico nas cidades brasileiras.


Queremos (e podemos) estar entre as dez maiores economias do planeta, mas para tanto não podemos deixar que um artefato do século 19 seja hegemônico no nosso meio e nos imponha tantos sacrifícios e com vantagens bastante discutíveis e ultrapassadas.

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