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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?
sábado, 27 de abril de 2013
segunda-feira, 22 de abril de 2013
1964 - Um golpe contra o Brasil - o documentário
"1964 - Um golpe contra o Brasil", é um documentário de autoria do ex-preso político Alipio Freire.
O filme é uma realização do Núcleo de Preservação da Memória Política e da TVT (TV dos Trabalhadores), com apoio do Memorial da Resistência de São Paulo.
Imperdível! O vídeo dura 146 minutos. Assista e divulgue-o.
domingo, 21 de abril de 2013
Capa de Zero Hora quer atacar nova lei do trabalho doméstico
A capa do jornal Zero Hora, edição de
hoje, é um primor de sutileza. Estampa a bela atriz global, Taís
Araújo, com a sua beleza afro, numa pose desafiadora, vestida com
esmêro e riqueza de detalhes.
A fotografia de Taís como que ilustra
uma matéria sobre a nova lei do trabalho doméstico. Por óbvio e por tradição, ZH é contra a lei de direitos. Mas ao manifestar-se encobre-se com a máscara da covardia e da dissimulação.
Observem o nexo que o editor quis
promover: uma negra bonita e produzida, com ar desafiador e insolente
face às novas regras, com mais direitos, às trabalhadoras do
ambiente doméstico.
A foto da atriz global ilustra, a rigor, uma matéria sobre o seu trabalho na TV, mas a forma como foi montado o jogo de ilustrações e manchetes da capa, há uma relação direta, embora subliminar, entre Taís e a crítica que o jornal faz à nova lei de direitos de trabalhadores no País.
A foto da atriz global ilustra, a rigor, uma matéria sobre o seu trabalho na TV, mas a forma como foi montado o jogo de ilustrações e manchetes da capa, há uma relação direta, embora subliminar, entre Taís e a crítica que o jornal faz à nova lei de direitos de trabalhadores no País.
A matéria de ZH quer criticar a lei de
direitos. Para tanto, sugere que está havendo desemprego e
insatisfação generalizada no meio: seja no patronato, seja entre as
trabalhadoras.
Este é o jornal da RBS: jogando pedra
numa lei modernizadora, constituinte de direitos, promotora de
dignidade de trabalhadoras que eram tratadas com objetos do lar da
classe média, uma lei que retira da servidão cerca de 7 milhões de
pessoas que viviam no limiar entre a casa-grande e a senzala.
Quando os últimos sinais do regime
escravocrata no Brasil são extintos, a RBS se insurge e faz essa
capa da vergonha e do atraso.
Sei não, mas Taís Araújo pode muito bem processar judicialmente o jornal da RBS por uso indevido de sua imagem, racismo velado e danos morais.
Sei não, mas Taís Araújo pode muito bem processar judicialmente o jornal da RBS por uso indevido de sua imagem, racismo velado e danos morais.
quinta-feira, 18 de abril de 2013
Retomar juros altos é retroceder em conquistas importantes para a população brasileira
Que não seja mais uma construção
interrompida
Esta semana o Copom do Bacen se reúne
para definir a taxa de juros. [A reunião foi ontem e decidiu por aumentar os juros em 0,25%. Nota do blog DG.] Trata-se de decisão da maior
relevância, especialmente porque se dá em contexto econômico
complicado, e sob um verdadeiro massacre ‘midiático’.
Consideramos que o controle da inflação
foi uma conquista da sociedade brasileira, a ser defendida. Em 14
anos de vigência do “Sistema de Metas para a Inflação”, em
apenas três anos a meta não foi cumprida (2001, 2002 e 2003). Desde
então, não houve falha: 2012 consagra o 9º ano consecutivo de
atendimento à meta de inflação.
Trata-se de uma longa construção,
reforçada pela postura de verdadeira independência do Bacen,
marcadamente desde a última reunião de 2010, quando o Copom adotou
medidas macroprudenciais, elevações de depósitos compulsórios e
exigências de reserva de capital. Esta diversificação dos
instrumentos foi uma grande inovação, pois para o mercado seria
mais simples avaliar apenas mudanças na taxa básica de juros. Além
disso o Bacen, balizado pelo bom senso, definiu uma convergência
mais suave da inflação para a meta, pois seriam demasiados os
custos de buscar o centro da meta ainda em 2011, como desejavam os
‘lobbistas’ do juro alto.
Os servidores do Bacen têm trabalhado
incessantemente no refinamento dos Relatórios de Inflação
trimestrais e nos Relatórios de Estabilidade Financeira, os quais
embasaram meticulosamente a marcante decisão de 31.8.2011 que deu
início à redução dos juros para os atuais patamares. Também
constatamos melhorias nos mercados financeiros e de capitais, graças
aos superávits primários consistentes e à redução da dívida
pública (relativamente ao PIB). A economia brasileira hoje apresenta
sólidos indicadores de solvência e de liquidez e baixos prêmios de
risco, que também são conquistas com elevado grau de perenidade.
Evidente que, face aos ciclos
econômicos, é normal ocorrerem reversões conjunturais. A atual
resistência da inflação decorre: (i) estruturalmente, dos anos de
crescimento econômico com forte ampliação da demanda (consumo),
que hoje se refletem em alguns estrangulamentos da oferta; e (ii)
conjunturalmente, de pressões localizadas de custos como os
relativos à alimentação.
Por conseguinte é primordial, hoje, o
estímulo à ampliação dos investimentos na oferta e na
infraestrutura de seu escoamento. Exatamente o contrário do que
se conseguirá com a subida dos juros, que aumentará os custos
de produção (custo de capital e financeiro) e bloqueará o aumento
da oferta.
O ataque à produção e aos salários
é vocalizado, por exemplo, pelo economista-chefe e sócio do
Itau-Unibanco (coincidentemente um ex-dirigente do BCB), que
recomenda: “reduzir o consumo e desaquecer o mercado de trabalho”
(OESP, 5.3.2013, p. A02).
Apesar da fraqueza da ‘atividade
econômica’ que teima em “não engatar a 1ª marcha” o
'sr.mercado' jura: "o ‘PIB’ ainda não está suficientemente
fraco...".
Cabe-nos indagar: qual seria o nível
de PIB suficientemente fraco? E o adequado? Quais os estudos
empíricos, técnicos ou acadêmicos que o determinam? Há consenso?
Quando a FIESP, a FCESP e os sindicatos reclamam que os juros estão
altos, são taxados de “políticos”. Os que reclamam o contrário
não o são? Vamos combinar então: os que defendem os ganhos dos
rentistas são sempre técnicos; os que defendem a produção e os
assalariados são políticos...
Não estamos propondo teses radicais
(que nunca foram as nossas) contra qualquer aumento da taxa de juros.
Mas não podemos deixar de constatar, sempre que surge este debate, a
existência de radicais do outro lado do “front”: especialistas
que estão sempre a postos para defender a alta dos juros, escudados
por argumentos lapidares e pela única opinião correta, científica
e profissional; de posse de tal ciência, decretam que qualquer outro
parecer é amador, não científico, não profissional ou, pior,
contaminado pela política.
Estes especialistas têm (sempre) tanta
convicção que os juros devem aumentar que desatam a atacar, também,
qualquer postura que se mostre ponderada, cautelosa ou que se busque
pautar pelo bom senso, como a defendida por alguns economistas – e
que vem sendo adotada pelo Banco Central.
A receita destes especialistas é
sempre a mesma, fazer o que sempre foi feito para tornar o país
campeão da pobreza e da desigualdade. Esta chaga social teve grande
contribuição destes despojados ‘cientistas’; eles sempre
tiveram a resposta pronta na ponta da língua --até porque a
resposta é sempre a mesma: “juros de todo o mundo,
‘subi-vos’!”.
Como a sabedoria popular ensina que até
um relógio parado acaba ‘dando a hora certa’ (duas vezes ao
dia!), talvez os sábios ‘juristas’ acertem desta vez e o Copom
aumente os juros – para debelar o acirramento das expectativas
inflacionárias, frise-se, que estes sábios insistentemente
atiçaram.
Conclamamos o Bacen a persistir na
efetiva independência – também do sistema financeiro – e a não
interromper a construção ponderada e competente dos últimos anos.
Artigo do economista José Paulo
Vieira, autor do livro “Antivalor: um estudo da energia elétrica”,
Editora Paz e Terra, 2007.
segunda-feira, 15 de abril de 2013
sexta-feira, 12 de abril de 2013
Neoliberalismo: teoria em Porto Alegre, prática na Europa
Se trocarmos Rosario (Argentina) por Porto Alegre, essa charge nos serve. É só lembrar o evento anual dos neoliberais sul-rio-grandenses, denominado (autoengano!) "Forum da Liberdade", cuja edição 2013 recém foi concluída em Porto Alegre.
"Está certo...os teóricos em Porto Alegre e os trabalhos práticos na Espanha, Grécia e Chipre".
terça-feira, 9 de abril de 2013
Chove sobre Porto Alegre e dez mil pessoas protestam
Vídeo do Coletivo Catarse sobre a mega manifestação de protesto em Porto Alegre contra os preços abusivos das passagens de ônibus urbanos. O fato ocorreu na semana passada, quinta-feira, 4 de abril.
segunda-feira, 8 de abril de 2013
Thatcher: morreu hoje a mulher que quis matar a política
[A propósito da morte, ocorrida hoje, da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, republicamos o comentário que fizemos ao filme 'A Dama de Ferro', publicado originalmente neste blog DG em 23 de abril de 2012.]
'A
Dama de Ferro' é uma alegoria sobre o declínio do neoliberalismo
Ontem
à noite, quando saí do cinema onde assistira ao filme da
diretora britânica Phyllida Lloyd, me ocorreram três coisas. Senti
uma vontade danada de beber uísque. Pura sugestão, é que madame
Thatcher bebe o tempo inteiro do filme. Lembrei de Getúlio Vargas e
da jornalista Gilda Marinho, uma figura meio folclórica no cenário
high society porto-alegrense dos anos 70 e 80.
Me
explico: Gilda Marinho foi atacada uma vez por um inimigo oculto e
dado a brincadeiras pesadas e maliciosas. Tal pessoa mandou publicar
nos classificados em jornal edição dominical um anúncio onde se
vendiam dezenas ou centenas de garrafas de uísque vazias. "Tratar
com Gilda Marinho, no telefone tal" - dizia o anúncio.
Confesso
que desconhecia essa propensão à sede da Baronesa Thatcher. Quantas
garrafas vazias ela estaria em condições de vender, hoje? Sendo
assim, vejo que a guerra das Malvinas foi um verdadeiro duelo de
pinguços. Ninguém desconhecia na Argentina e arredores que o
general Leopoldo Galtieri, presidente-ditador na época da guerra
pelas ilhas do Atlântico Sul, era outro que abrigava uma pedra de
sal na garganta e buscava a cura através da ingestão de hectolitros
de álcool.
E
falando sobre Getúlio Vargas já podemos comentar o filme sobre a
dama de ferro. A imortal frase de Vargas, na hora da morte, "saio
da vida para entrar na história", não serve para a senhora
Thatcher. Ela ainda vive, mas a história já a abandonou, antes
mesmo de convidá-la a adentrar o seu templo de glórias e ilusões.
A
qualidade do filme de Phyllida Lloyd está justamente no fato de não
entrar muito no mérito político da ex-primeira ministra da
Grã-Bretanha. Ao mostrá-la no fim da vida, já enferma pelo
Alzheimer, açoitada por fantasmas os mais diversos, mas em especial,
Denis, o marido pimentinha, Phyllida faz um julgamento branco do
legado político da Baronesa.
David
Cameron, o atual primeiro-ministro britânico, igualmente conservador
como ela, não gostou do filme, e perguntou "por que logo agora
aparece um filme sobre Thatcher?".
Ora,
a resposta parece óbvia. Tudo aquilo que foi sólido e sagrado, tudo
o que foi construído/destruído por Thatcher agora se desmancha no
ar e é profanado. Margaret não saiu da vida e nem entrou para a
história.
Margaret
é um zumbi condenado a escutar vozes e a ter que ligar todos os
eletrodomésticos da sua vetusta residência para ter um segundo de
sossego e paz de espírito. Como já não pode mais fazer uma faxina
nacional no País, o faz no seu quarto atulhado de lembranças e
espectros zombeteiros.
A
abertura do filme é brilhante. Margaret apanha meio litro de leite
numa mercearia de esquina e não é reconhecida por ninguém. Ao
contrário, é ignorada com ênfase de má educação, um sujeito se
atravessa no balcão e não respeita a fila do caixa, um negro jovem
e muito alto roça o seu traseiro e não presta a atenção à sua
idade e sobretudo à sua antiga condição de primeira mandatária do
País.
Ela
sente que voltou a ser a moça do cotidiano (esse
"nocivo espaço da atualidade", como dizia Lukács), quando
auxiliava o seu pai na quitanda da família, interior da velha
Inglaterra. Chega em casa e tem uma pilha de livros para autografar,
até que volta a assinar Margaret Roberts, seu nome de solteira. O
inconsciente é malcriado, mesmo não consultado emite seus pareceres
sobre nós mesmos, e sobretudo contra nós mesmos.
O
carrossel da história volta ao seu ponto de partida. Tudo o que fez
de sagrado, está sendo profanado. Ela já não se reconhece no mundo
por ela forjado.
'A
Dama de Ferro' é um filme sobre o ocaso do neoliberalismo, mesmo sem
citá-lo uma única vez e ainda que modelado na linguagem da
subjetividade de uma senhora muito idosa governada por sua memória,
nem sempre amigável.
Margaret
Thatcher foi a face do neoliberalismo, agora está no declínio da
existência, cumpre um roteiro meramente biológico, porque a
história já a rechaçou e a economia não mais a reconhece.
Margaret
sente que já não é mais deste mundo e o fantasma de Denis Thatcher
(o marido, que morreu em 2003) insiste em apontar-lhe o excesso de
ambição pessoal e o excesso de uísque. Neste ponto, a diretora e a
roteirista (Abi Morgan) usam um recurso narrativo de sutil mas aguda
crueldade: os fantasmas são uma forma de autocrítica para quem -
arrogante - é incapaz de fazer autocrítica.
O
fenômeno Thatcher resultou da profunda crise de acumulação do
capital experimentada pela Grã-Bretanha nos anos 1970. O
sindicalismo foi muito organizado e logrou obter êxito na disputa
por melhores salários, condições de trabalho e demais conquistas
sociais do chamado welfare state.
Enquanto
houve excedente para ser dividido com o capital, os trabalhadores
ingleses souberam negociar de forma a se apropriar de parte do bolo
produtivo. Quando sobreveio a crise escasseou a redistribuição,
surgiram os conflitos, as greves (que não ocorriam desde 1926), a
estagflação (inflação de 26%) e rápido aumento das taxas de
desemprego (cerca de 1 milhão de pessoas, em 1975).
Passou
a haver crise de legitimidade, aumento das dificuldades fiscais,
crise na balança de pagamento e monumentais deficits orçamentários.
Trabalhistas e conservadores (partido de Thatcher) se revezavam no
poder entre 1974 e 1979, com aprofundamento crescente da crise e
recrudescimento das greves (transportes, limpeza urbana, setor saúde
e inclusive coveiros fizeram paralisações prolongadas).
É
neste contexto de profunda crise do capital pondo fim a uma
prolongada política de aliança de classes entre os trabalhadores e
a grande burguesia decadente que emerge ascensional a estrela de
Maggie Thatcher.
O
filme mostra a dificuldade sentida por ela para se impor junto
aoestablishment do partido conservador, não só por ser
mulher, mas sobretudo por ser filha de um pastor metodista e pequeno
comerciante do Norte do País. Uma outsider adventícia
no seio do baronato que foi e é íntimo da Coroa inglesa.
Pois,
para não decepcionar la crema y nata da velha nobreza
inglesa, a filha do quitandeiro (como a chamavam à socapa nos
corredores do partido) fez de tudo para se impor como a mais realista
do Reino Unido.
Assumiu
o poder em maio de 1979, já mostrando a que veio. Fez provocações
diretas aos então fortíssimos sindicatos de trabalhadores e
esgarçou o frágil tecido das relações capital/trabalho ao máximo.
Conseguiu com isso, estimular muitas greves prolongadas e que
paralisaram o país, por muitos meses. A greve dos mineiros durou
quase um ano de confrontos entre o Estado e os sindicatos. Tudo o que
ela desejava, politicamente.
O
desmantelamento do Estado de bem-estar social atacou as áreas da
saúde, assistência social, educação pública, Universidades, a
burocracia estatal e o poder judiciário. O salário mínimo foi
extinto e os impostos passaram a ser regressivos (poll tax,
onde os ricos pagam menos e os trabalhadores pagam mais impostos),
como forma de estimular os investimentos privados, já que o Estado
estava se exonerando da economia.
Thatcher
comprava briga em várias frentes ao mesmo tempo e procurava se
legitimar através de um programa habitacional de venda direta das
propriedades do Estado aos seus antigos locatários.
O
discurso para conseguir o consentimento legitimador calcava nas
consignas do ultraliberalismo de Friedrich Hayek: direito de
propriedade individual (o plano habitacional garantia isso), cultura
do empreendedorismo e do individualismo, regras de controle,
responsabilidade financeira e produtividade nas instituições
públicas, estímulo aos valores conservadores da classe média
(Thatcher é o próprio triunfo da classe média), incentivo ao
consumo intensivo à custa do endividamento em massa dos assalariados
(como forma de criar um compromisso inescapável com o sistema).
A
partir deste ponto, o centro da vida é o mercado. A mercadificação
de tudo significa direitos de propriedade sobre processos, coisas e
relações sociais (Harvey), supondo que tudo sob o céu é passível
de ser atribuído um preço - em dinheiro - e portanto negociável
nos termos de um contrato legal.
É
o surgimento do chamado homem unidimensional, de que falava Marcuse
ainda em 1964. O mercado (e as mercadorias) é um guia próprio para
todas as ações humanas, ou seja, o mercado é uma ética.
A
meu ver o mais grave dos legados da era Thatcher (1979-1990) é a
tentativa de abolição da esfera política.
A
queda de braço com o movimento sindical visava a eliminação física
dos trabalhadores, como atores sociais reconhecidos. Ela decidiu
importar carvão mineral para não negociar a agenda dos mineiros
ingleses.
Preferiu
comprometer mais e mais as finanças já combalidas do Estado a
recuar um milímetro no seu intento de esmagar a capacidade política
e orgânica dos sindicatos.
A
anulação e a subsunção da esfera política às desigualdades do
mercado é a suprema maldade do ultraliberalismo thatcherista. É o
seu legado mais forte e permanente. Se a política diz respeito à
coexistência e associação de homens diferentes, como nos ensina
Hannah Arendt, já se vê que a sua derrocada representa um
retrocesso civilizatório.
Aniquilar
o fazer político é o mesmo que erradicar a pluralidade humana,
estreitar a capacidade que adquirimos culturalmente de buscar
objetivos que contemplem o diferente e o desigual, numa síntese
dinâmica, provisória e em vias de permanente aperfeiçoamento.
Matar a política é o mesmo que condenar o homem a renunciar a sua
liberdade, é mantê-lo escravo das suas próprias contingências,
batendo cabeça num eterno cotidiano opressivo e redutor.
O
neoliberalismo é uma fórmula perversa de apagar a política em
favor da ditadura dos mercados.
Os
governos que sucederam a primeira-ministra Thatcher conseguiram
abolir algumas medidas antissociais da ex-quitandeira, como: o
salário mínimo (Tony Blair, trabalhista) e o imposto regressivo
(John Major, conservador), mas a desqualificação da esfera política
está sendo de difícil reversão, até porque isso se alastrou pelo
mundo todo, com a crescente importância da economia sobre a
política.
Nem
a duplicação da taxa de pobreza na Grã-Bretanha, durante os 11
anos de Maggie no poder, pode ter repercussões tão deletérias como
o ataque à política.
Talvez
por esse motivo o filme de Phyllida Lloyd tenha igualmente
um olhar tão distante da política propriamente dita, embora não
seja um filme apolítico. Não o é. Mas, não falar não significa
não ser.
'A
Dama de Ferro' é um filme fortemente político, exageradamente
politizado. Uma alegoria se notabiliza precisamente por não falar
diretamente sobre a sua identidade. Uma alegoria é sempre um
disfarce, uma representação do objeto ao qual se refere.
A
diretora Phyllida e a roteirista Abi quiseram falar do
neoliberalismo, justamente no momento do seu lento e inexorável
crepúsculo, e o fizeram falando e narrando sobre Thatcher - hoje
Baronesa Thatcher de Kesteven (viram, ela também virou la crema y
nata da sociedade british!) - no ocaso de sua vida
biológica. Simples e direto como pôr um ovo em pé.
Não
é à toa que a direita britânica, a começar pelo primeiro-ministro
Cameron, não gostou do filme.
Claro,
foram cínicos, alegaram que a ex-primeira-ministra foi retratada na
sua demência senil, que isso é cruel, etc. Mas jamais admitiram que
falar de Thatcher é falar da senilidade do próprio sistemão que
ela criou.
Por
esse singelo motivo eu reputo o filme 'A Dama de Ferro' de genial. E,
depois, mulheres fazendo cinema, sempre resulta em algo inteligente e
instigante.
Ah!, Meryl Streep está soberba como a Baronesa demente. Na saída do cinema ouvi alguém perguntar: "E a Meryl Streep, onde aparece no filme?" É o melhor elogio que uma atriz pode receber, melhor que o Oscar 2012.
Ah!, Meryl Streep está soberba como a Baronesa demente. Na saída do cinema ouvi alguém perguntar: "E a Meryl Streep, onde aparece no filme?" É o melhor elogio que uma atriz pode receber, melhor que o Oscar 2012.
Ilustração de André Feil (1989)
quinta-feira, 4 de abril de 2013
Antígona e os corpos insepultos da ditadura brasileira
As outras sepulturas
Sempre é
bom começar citando Hegel. Porque dá uma certa classe ao texto e
porque, a partir de Hegel, você pode ir para qualquer lado, para a
esquerda e/ou para a direita. Marx afiou suas teses criticando e às
vezes assimilando Hegel, e Hegel, ao mesmo tempo em que sacudia o
pensamento conservador europeu, era o exemplo mais acabado do que
Marx abominava, o filósofo que explicava o mundo em vez de tentar
mudá-lo. Mas minha citação de Hegel não tem nada a ver com esta
divisão, mesmo porque é uma que todo mundo – a partir da
redescoberta da peça no século 18 – endossaria. Hegel disse que a
Antígona, de Sófocles, era o mais sublime produto da mente humana,
e sua heroína a mais admirável personagem, da História.
Escrita 400 anos antes de Cristo, a peça conta a história da filha de Édipo, rei de Tebas, com a sua mulher (e mãe, lembra?), Jocasta. Antígona quer enterrar seu irmão, morto num ataque a Tebas, contrariando as ordens do rei Creonte, para quem o corpo do traidor, que permanecerá insepulto, pertence ao Estado e não à sua família. Antígona rouba o corpo do irmão para que sua alma, sem os ritos fúnebres, não se perca no mundo dos mortos, e o sepulta no meio da noite. Para punir sua desobediência, Creonte a condena a ser enterrada viva. Muitos conflitos são desnudados na peça, mas o principal deles é entre o Estado e o indivíduo, entre a lei fria e costumes antigos, entre o direito do soberano e o direito do sangue comum. O fascínio da peça para Hegel e outros tem muito a ver com o renascente interesse pela cultura grega na Europa de então mas também com a revolução que acontecia nas relações estado/cidadão no explosivo começo do século 19.
A história de Antígona se adapta ao momento no Brasil, quando se tenta investigar o que permanece simultaneamente enterrado e insepulto no nosso passado, tantos anos depois do fim da ditadura. Os corpos ainda não foram devolvidos às suas famílias, os direitos do sangue ainda não se impuseram aos direitos do Estado algoz, os ritos fúnebres de muitos continuam restritos à imaginação de novas Antígonas, tão trágicas quanto a Antígona grega. Os arquivos da ditadura estão sendo aos poucos desenterrados. Já passou da hora de abrir as outras sepulturas
Escrita 400 anos antes de Cristo, a peça conta a história da filha de Édipo, rei de Tebas, com a sua mulher (e mãe, lembra?), Jocasta. Antígona quer enterrar seu irmão, morto num ataque a Tebas, contrariando as ordens do rei Creonte, para quem o corpo do traidor, que permanecerá insepulto, pertence ao Estado e não à sua família. Antígona rouba o corpo do irmão para que sua alma, sem os ritos fúnebres, não se perca no mundo dos mortos, e o sepulta no meio da noite. Para punir sua desobediência, Creonte a condena a ser enterrada viva. Muitos conflitos são desnudados na peça, mas o principal deles é entre o Estado e o indivíduo, entre a lei fria e costumes antigos, entre o direito do soberano e o direito do sangue comum. O fascínio da peça para Hegel e outros tem muito a ver com o renascente interesse pela cultura grega na Europa de então mas também com a revolução que acontecia nas relações estado/cidadão no explosivo começo do século 19.
A história de Antígona se adapta ao momento no Brasil, quando se tenta investigar o que permanece simultaneamente enterrado e insepulto no nosso passado, tantos anos depois do fim da ditadura. Os corpos ainda não foram devolvidos às suas famílias, os direitos do sangue ainda não se impuseram aos direitos do Estado algoz, os ritos fúnebres de muitos continuam restritos à imaginação de novas Antígonas, tão trágicas quanto a Antígona grega. Os arquivos da ditadura estão sendo aos poucos desenterrados. Já passou da hora de abrir as outras sepulturas
Artigo
de Luis Fernando Veríssimo, publicado hoje em diversos jornais do
País.
quarta-feira, 3 de abril de 2013
Zero Hora insiste com as velhas políticas do fracasso
Rejeitada pelo voto popular, ideologia do “déficit zero” segue viva na mídia
O
governo Yeda Crusius (PSDB) foi amplamente rejeitado pela população
do Rio Grande do Sul. Ao final de quatro anos, a governadora tucana,
candidata à reeleição, amargou um terceiro lugar na disputa
eleitoral de 2010. Esse resultado foi, sobretudo, uma rejeição às
políticas implementadas pelo governo do PSDB e seus aliados.
Considerando
que o déficit zero foi a peça programática central do governo Yeda
Crusius, a voz das urnas foi uma reprovação da ampla maioria da
população a este discurso que procura se apresentar como técnico,
mas que está impregnado de uma ideologia fundamentalista do mercado
que tem aversão ao Estado, exceto, é claro, quando precisa se
socorrer dele como aconteceu recentemente na Europa e nos Estados
Unidos.
Rejeitada
nas urnas e também nas ruas, isolada politicamente no Brasil e em
boa parte da América Latina, essa ideologia segue viva, porém, nos
espaços editoriais dos veículos pertencentes às grandes empresas
de comunicação.
No Rio
Grande do Sul, um dos principais defensores da ideologia do déficit
zero é o jornal Zero Hora, principal veículo impresso do Grupo RBS.
A pregação é sistemática, articulada e permanente.
Nesta
quarta-feira, a principal colunista política do jornal, Rosane de
Oliveira [fac-simile acima], volta ao tema, estabelecendo um curioso
paralelo entre, por um lado, os governos de Germano Rigotto e Tarso
Genro, e, por outro, o governo de Yeda Crusius.
O
“pecado” dos governos Rigotto e Tarso seria recorrer aos
depósitos judiciais para pagar as contas. Esses depósitos, assinala
a jornalista, estavam “preservados desde o início do governo de
Yeda Crusius”.
Na
avaliação da colunista de ZH, “o quadro caótico das finanças
estaduais é resultado de uma combinação entre excesso de gastos,
especialmente com reajustes salariais para servidores, com redução
da receita prevista”.
Rosane
de Oliveira acrescenta: “Com os aumentos já aprovados, os gastos
com pessoal neste ano serão 14,5% superiores aos do ano passado –
e isso que o governo não está cumprindo a lei do piso do
magistério”. Na mesma edição de ZH, uma matéria da editoria de
Política trata dos “aumentos em série no Estado”.
O
governador Tarso Genro rejeita o rótulo aplicado à situação
financeira do Estado:
“Caos
financeiro foi o que encontramos com o déficit zero, venda de ativos
públicos para pagamento de contas, atraso frequente de pagamento de
fornecedores e baixa taxa de investimentos, tanto do orçamento como
oriundos de financiamentos. O Governo Rigotto também retirou,
corretamente, R$ 2 bilhões de depósitos judiciais para manter um
controle das finanças e não paralisar completamente o Estado”.
A crise
financeira da maioria dos estados brasileiros é real e só será
resolvida quando, entre outras coisas, a Reforma Tributária deixar
de ser um mito. Isso implica discutir o modelo de financiamento do
Estado brasileiro e o papel do próprio Estado. Para que ele serve
mesmo?
O
problema da ideologia do déficit zero é que ela prega, na prática,
o encolhimento do Estado a um nível tão mínimo que ele deixa de
ser relevante como instituição. Aí, supostamente, entrariam o deus
mercado, a livre iniciativa, o livre comércio e as privatizações
para garantir paz e prosperidade a todos. O Brasil e praticamente
toda a América Latina viveram esse modelo por cerca de duas décadas.
O Rio Grande do Sul, de modo mais agudo, teve a experiência
desastrosas do governo Yeda Crusius.
Há um
elemento comum a estas políticas (se é que podem ser assim
chamadas, uma vez que, no limite, desprezam a política): a rejeição
nas urnas. Isso não ocorre por acaso.
Aplicar
uma política de déficit zero é simples: basta não dar aumento aos
servidores, cortar gastos de custeio e políticas públicas, reduzir
os serviços públicos prestados do ponto de vista de sua quantidade
e de sua qualidade. A partir daí, engendra-se uma lógica
argumentativa bizarra: um governo prega as virtudes de gestão do
mercado e sucateia o Estado; sucateado, o Estado deixa de prestar
adequadamente serviços públicos essenciais; rejeitado pela
população, esse governo é varrido pelo voto; o governo que assume
tenta recompor a estrutura do Estado e passa a ser cobrado, ao mesmo
tempo, por estar gastando demais e também por não estar garantindo
a segurança, a saúde e a educação de que a população precisa.
Ou seja,
o Estado não pode gastar, os servidores não podem ter aumento
salarial e a população não pode sofrer com falta de segurança,
saúde e educação.
Os
defensores desse modelo conseguiram mais uma proeza agora na Europa,
onde a ideologia do déficit zero vestiu o disfarce da austeridade.
Segundo o Eurostat, órgão estatístico da União Europeia, o número
de jovens desempregados na União Europeia é de 5,732 milhões, 264
mil a mais do que há um ano, subindo de 22,4% para 23,6%.
Isso é
que é governar com responsabilidade.
Artigo
do jornalista Marco Weissheimer, do blog RS
Urgente, edição de hoje.
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