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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

domingo, 31 de julho de 2011

Zero Hora versus Zero Hora



Os editores do jornal Zero Hora montaram um cenário completamente artificial para as eleições municipais de 2012 em Porto Alegre. No alto da página, edição de hoje, garantem - em grandes letras - que o governador Tarso Genro apoia a candidatura do PCdoB ao Paço Municipal. Contudo, no texto da matéria não há qualquer declaração do próprio governador que sustente a manchete dos editores do diário da Azenha.

Se estes – os editores – fossem cuidadosos, honestos e atentos ao próprio material que veiculam em seu jornal estampariam a última manifestação de Tarso ao próprio ZH, ocorrido na edição da última segunda-feira, 25/7, à pagina 6 (ver fac-símile ao lado).

Já se vê que o jornal ZH não respeita nem o que ZH publica.  

terça-feira, 26 de julho de 2011

PT de Porto Alegre deve lançar candidato ao Paço Municipal


As secções do PT de Belo Horizonte e Rio de Janeiro estão aptas a ilustrar o que não se deve fazer com o Partido dos Trabalhadores. São dois robustos exemplos a serem evitados pelas demais seccionais do partido, no Brasil todo.

Tanto em BH, quanto no Rio, as direções petistas optaram pela linha de menor esforço, qual seja, a de cumprirem o papel de coadjuvantes de candidatos liberais, nas últimas eleições. Nas próximas, já não serão mais coadjuvantes, porque perderam a condição política de reivindicar protagonismo. Serão, pois, meros figurantes de um cenário eleitoral para o qual estarão sem fala, sem personalidade política, sem reconhecimento social e, sobretudo, sem direito de participação e decisão.

Este cenário pobre e despolitizado deve ser rejeitado pelos militantes petistas de Porto Alegre. A candidatura própria é condição inafastável para o PT da capital. É preciso apresentar um candidato à altura das conquistas consagradoras do partido na capital do Rio Grande do Sul. Esse candidato deve representar um programa que considere e resgate aquelas conquistas e aponte novas superações. Para tanto, a “Carta a Porto Alegre” lançada há poucos dias pelo partido pode informar sobre as tarefas mais importantes da atual conjuntura.

“O PT e as organizações sindicais, comunitárias, populares e ambientalistas – diz a “Carta a Porto Alegre” - devem trabalhar na constituição de um forte movimento em busca de uma reforma urbana adequada às características de nossa cidade, especialmente prevendo a adequação do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) ao Estatuto da Cidade, e a regularização fundiária, com as demandas dos setores médios pela qualidade ambiental e cultural. Com esta aliança entre o movimento popular e os setores médios é que poderemos recolocar Porto Alegre no patamar de referência internacional de políticas públicas”.

Leia a “Carta a Porto Alegre” na íntegra aqui.

A patologia social como discurso político legítimo



Um fantasma na Europa

Há 60 anos, os filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer forneceram uma das mais instigantes leituras do nazismo, do fascismo e de sua lógica de segregação. Consistia em mostrar como estávamos, na verdade, diante de um tipo de patologia social.

Isso não significava dizer que os fascistas seriam "monstros patológicos", "perversos" e coisas do gênero. É alentador acreditar que apenas monstros são capazes de produzir monstruosidades.

Tratava-se, na verdade, de mostrar como o fascismo conseguira se colocar como um modelo de forma de vida. No caso, uma forma de vida constituída através da transformação de comportamentos patológicos em norma social, de temáticas que normalmente aparecem em delírios paranoicos no conteúdo de discursos políticos tacitamente aceitos.

Assim, delírios de perseguição se normalizavam por meio da crença de que um elemento estranho estava infectando a bela totalidade de nosso corpo social. Elemento que destruiria, com o beneplácito de cosmopolitas ingênuos, nosso caráter nacional naquilo que ele teria de mais especial.

Força e disciplina eram convocadas para restaurar esse corpo quase moribundo separado de seu solo, mesmo que tal solo seja hoje uma fazenda de produtos orgânicos.

Por sua vez, delírios de grandeza animavam discursos que pregavam a amplidão redentora da nação. A identidade era, assim, elevada à condição de sistema defensivo ameaçado, e, por isso, compulsivamente afirmado.

Não por acaso, palavras como "limite", "fronteira", "território" tornavam-se os significantes centrais do discurso político. A defesa da identidade se tornava uma patologia.

Lembrar isso, após o massacre em que um norueguês islamófobo, cristão conservador e simpatizante de partidos de extrema-direita matou dezenas de jovens do Partido Trabalhista, é só uma forma de insistir como alguns não aprendem nada com a história.

Tal como o direitista americano que, meses atrás, atirou contra uma deputada democrata em Tucson contrária a leis mais duras contra a imigração, o que temos aqui é simplesmente alguém que quer realizar tal forma de vida fascista com as próprias mãos.

Eles não querem esperar os partidos xenófobos ganharem para "eliminar" os imigrantes. Preferem passar ao ato, literalizando o discurso que ouvem todos os dias.

De nada adianta lembrar que estudos recentes da OCDE mostram que os imigrantes contribuem mais para a seguridade social do que usam tais serviços, ou seja, geram mais riquezas do que consomem.

De nada adianta lembrar isso, porque não estamos no domínio do argumento, mas no dos afetos patológicos cada vez mais naturalizados como discurso no jogo político.

Artigo de Vladimir Pinheiro Safatle, professor livre docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), especialista em epistemologia (teoria do conhecimento) e filosofia da música. Publicado na Folha, edição de hoje.

Fotos das esculturas de pedra do escultor Gustav Vigeland, no Parque Frogner de Oslo, Noruega.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

O relógio



De que nos serviria
um relógio?

se lavamos as roupas brancas:
é dia

as roupas escuras:
é noite

se partes com a faca uma laranja
em duas:
dia

se abres com os dedos um figo
maduro:
noite

se derramamos água:
dia

se entornamos vinho:
noite

quando ouvimos o alarme da torradeira
ou a chaleira como um pequeno animal
que tentasse cantar:
dia

quando abrimos certos livros lentos
e os mantemos acesos
à custa de álcool, cigarros, silêncio:
noite

se adoçamos o chá:
dia

se não o adoçamos:
noite

se varremos a casa ou a enceramos:
dia

se nela passamos panos úmidos:
noite

se temos enxaquecas, eczemas, alergias:
dia

se temos febre, cólicas, inflamações:
noite
aspirinas, raio-x, exame de urina:
dia
ataduras, compressas, unguentos:
noite

se esquento em banho-maria o mel que cristalizou
ou uso limões para limpar os vidros:
dia

se depois de comer maçãs
guardo por capricho o papel roxo escuro:
noite

se bato claras em neve: dia

se cozinho beterrabas grandes:
noite
se escrevemos a lápis em papel pautado:
dia

se dobramos as folhas ou as amassamos:
noite
(extensões e cimos:
dia

camadas e dobras:
noite)

se esqueces no forno um bolo amarelo: dia

se deixas a água fervendo
sozinha:
noite

se te cortas com papel ou feres o pé com vidro: dia

se ao comer com pressa queimas
o céu da boca:
noite

se pela janela o mar está quieto
lerdo e engordurado
como uma poça de óleo:
dia

se está raivoso
espumando
como um cachorro hidrófobo:
noite

se um pinguim chega a Ipanema
e deitando-se na areia quente sente ferver
seu coração gelado:
dia

se uma baleia encalha na maré baixa
e morre pesada, escura,
como numa ópera, cantando:
noite

se desabotoas lentamente
tua camisa branca:
dia

se nos despimos com ânsia
criando em torno de nós um ardente círculo de panos:
noite

se um besouro verde brilhante bate repetidamente
contra o vidro: dia

se uma abelha ronda a sala
desorientada pelo sexo: noite

de que nos serviria
um relógio?

Ana Martins Marques (foto), mineira de BH.

Banda de Turistas


Indie rock portenho.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

A banda El Kuelgue


Re-buena!


De Borges de Medeiros a Trotsky



João Neves da Fontoura foi diplomata e ex-vice-presidente do RS, quando Getúlio Vargas fora presidente de 1928 a 1930.  

Fontoura publica suas “Memórias” a partir de 1958, quando sai o primeiro volume de 401 páginas, editado pela velha Livraria do Globo, da família Bertaso. O segundo volume porta 490 páginas e foi publicado em 1963, semanas antes de sua morte, em março. É uma leitura muito agradável e rica em informações sobre os acontecimentos políticos do Rio Grande e do Brasil na primeira metade do século 20. Ao contrário das demais lideranças políticas do estado sulino, com raras exceções, João Neves – como ficou conhecido – era um sujeito com uma boa formação intelectual, nunca foi positivista, como seus companheiros do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), porque estudou com os jesuítas de São Leopoldo, onde hoje ergue-se a Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos.

Leitor refinado, era apreciador da obra de Romain Rolland, aquele da qual Gramsci subtraíra-lhe a genial expressão de que o “pessimismo da inteligência” não deveria abalar o “otimismo da vontade”.

Muito ligado ao grande líder republicano Borges de Medeiros (foto do alto), para bem além dos laços familiares que os uniam, bem como o fato de ambos terem nascido na mesma região do estado, Borges em Caçapava e Fontoura em Cachoeira.

A certa altura da primeira parte de “Memórias”, João Neves arrisca narrar sobre o perfil psicológico de Borges, uma personalidade forte, introspectiva, “que detestava o exibicionismo, a galeria, a popularidade fácil”.  Em tempos de grandes e graves crises políticas, João Neves afirma que jamais vira Borges diferente. “Sua voz não traía emoções, nada denotava nele ansiedade ou receio”. É preciso lembrar que o governo Borges durou mais de 25 anos: da morte prematura de Julio de Castilhos, em 1903, até entregar o poder estadual a Getúlio Vargas, em janeiro de 1928. Sem esquecer que houve a sangrenta guerra civil de 1923, entre borgistas-chimangos e partidários de Assis Brasil, os maragatos, velhos federalistas da revolução de 1893.

João Neves especula que a técnica de contenção do espírito do líder republicano “consistia em compenetrar-se de que os acontecimentos não correm  com maior velocidade porque os homens procurem antecipá-los ou impedí-los com força”. Para Fontoura, Borges – determinista - socorria-se de Comte, quando este dizia que “o homem se agita, e a humanidade o conduz”.  

Anos depois, conta João Neves, lendo a autobiografia de Trotsky (foto ao lado), ele teria encontrado um traço comum na personalidade destes líderes de natureza e ideologias tão distintas, embora, ambos revolucionários. O “profeta desarmado”, criador do Exército Vermelho, escrevera: “Sei, por experiência, o que são os fluxos e refluxos da história, submetidos a certas leis. Não basta que nos impacientemos para os transformar mais depressa. Acostumei-me a considerar a perspectiva da história de um outro ponto de vista que não o da minha situação pessoal” – arrematou o inimigo número um de Stálin.

As “Memórias” de João Neves da Fontoura estão esgotadas há muitos anos. Encontraremos alguns exemplares, talvez, em sebos e colecionadores. É hora, pois, de reeditar esse precioso material de testemunho dos acontecimentos regionais e nacionais da primeira metade do século passado. Leitura prazeirosa, imperdível, mesmo. Não é possível compreender as singularidades e idiossincrasias do Rio Grande do Sul sem conhecer essa obra sensível do militante João Neves. Pode-se – deve-se – discordar das suas convicções pequeno-burguesas e conservadoras, mas jamais dizer que foi um político vulgar e despreocupado com a cidadania e seus requerimentos republicanos, dos quais até hoje tanto carecemos.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Falar de corrupção é uma forma de mudar de assunto



Por que a oposição não fala mais de economia?

Subitamente, setores da sociedade brasileira querem que o povo saia às ruas. É preciso qualificar esses “setores da sociedade brasileira”. São aqueles que foram apeados do poder político no início dos anos 2000 e que tiveram sua agenda política e econômica dilacerada pela realidade. A globalização econômica cantada em prosa e verso nos anos 1990 revelou-se um fracasso retumbante. A globalização financeira, a única que houve, afundou em uma crise dramática que drenou bilhões de dólares da economia real, conta que, agora, está sendo paga por quem costuma pagar essas lambanças: o povo trabalhador que vive da renda de seu trabalho.

Durante praticamente duas décadas, nos anos 80 e 90, a esmagadora maioria da imprensa no Brasil e no exterior repetiu os mesmos mantras: o Estado era uma instituição ineficiente e corrupta, era preciso privatizar a economia, desregulamentar, flexibilizar. A globalização levaria o mundo a um novo renascimento. Milhares de editoriais e colunas repetiram esse discurso em jornais, rádios, tvs e páginas da internet por todo o mundo. Tudo isso virou pó. Os gigantes da economia capitalista estão mergulhados em uma grave crise, a Europa, que já foi exemplo de Estado de Bem-Estar Social, corta direitos conquistados a duras penas após duas guerras mundiais. A principal experiência de integração regional, a União Europeia, anda para trás.

No Brasil, diante da total ausência de programa, de projeto, os representantes políticos e midiáticos deste modelo fracassado que levou a economia mundial para o atoleiro, voltam-se mais uma vez para o tema da corrupção. Essa é uma história velhíssima na política brasileira. Já foi usada várias vezes, contra diferentes governantes. Afinal de contas, os corruptos seguem agindo dentro e fora dos governos. Aparentemente, por uma curiosa mágica, eles são apresentados sempre como um ser que habita exclusivamente a esfera pública. Quando algum corrupto privado aparece com algemas, costuma haver uma surda indignação contra os “excessos policiais”.

No último domingo, o jornal O Globo publicou uma reportagem para questionar por que os brasileiros não saem às ruas para protestar contra a corrupção. O Globo sabe a resposta. Como costuma acontecer no Brasil e no resto do mundo, o povo só sai às ruas quando a economia vai mal, quando há elevadas taxas de desemprego, quando as prateleiras dos super mercados tornam-se território hostil, quando não há perspectiva para a juventude. Não há nada disso no Brasil de hoje. Há outros problemas, sérios, mas não estes. A violência, o tráfico de drogas, as filas na saúde, a falta de uma educação de melhor qualidade. É de causar perplexidade (só aparente, na verdade) que nada disso interesse à oposição. Quem está falando sobre isso são setores mais à esquerda do atual governo.

Comparando com o que acontece no resto do mundo, a economia brasileira vai bem. Não chegamos ao paraíso, obviamente. Longe disso. Há preocupações legítimas em nosso vale de lágrimas que deveriam ser levadas a sério pelo governo federal sobre a correção e pertinência da atual política cambial e de juros, apenas para citar um exemplo. O Brasil virou mais uma vez um paraíso para o capital especulativo e a supervalorização do real incentiva um processo de desindustrialização.

Curiosamente, essa não é a principal bandeira da oposição. Por que estão centrando fogo no tema da corrupção e não na ausência de mecanismos de controle de capitais, por exemplo? Por que não há editoriais irados e enfáticos contra a política do Banco Central e as posições defendidas pelos agentes do setor financeiro? Bem, as respostas são conhecidas. Os partidos políticos não são entidades abstratas descoladas da vida social das comunidades. Alguns até acabam pervertendo seus ideais de origem e se transformam em híbridos de difícil definição. Mas outros permanecem fiéis às suas origens e repetem seus discursos e estratégias, década após década.

Nos últimos dias, lideranças nacionais do PSDB e seus braços midiáticos vêm repetindo um mesmo slogan: o Brasil vive uma das mais graves crises de corrupção de sua história. Parece ser uma tese com pouco futuro. Tomando as denúncias de corrupção como critério, o processo de privatizações no período FHC é imbatível. Há problemas econômicos reais no horizonte. É curioso que isso não interesse à oposição. Afinal, é isso que, no final das contas, faz o povo sair às ruas. Sempre foi assim: a guerra, a fome, o desemprego. Esses são os combustíveis das revoluções.

A indigência intelectual e programática da oposição brasileira não consegue fazer algo além do que abrir a geladeira, pegar o feijão congelado meio embolorado da UDN, colocá-lo no forno e oferecê-lo à população como se fosse uma feijoada irrecusável. Mas no fundo não se trata de indigência. É falta de alternativa mesmo. Falta de ter o quê dizer. Não falta matéria-prima para uma oposição no Brasil, falta cérebro e, principalmente, compromisso com um projeto de país e seu povo.

O modelo político-econômico que hoje, no Brasil, abraça a corrupção como principal bandeira esteve no poder nas últimas décadas por toda a América Latina e foi varrido do mapa político do continente, com algumas exceções. Seu ideário virou sinônimo de crise por todo o mundo. É preciso mudar de assunto mesmo. A verdade, em muitos casos, pode ser insuportável, ou, simplesmente, inconveniente.

Artigo do jornalista Marco Aurélio Weissheimer, publicado no blog RS Urgente.

Foto: José Serra (PSDB), em plena campanha eleitoral de 2010, posa triunfante junto aos escombros da reforma do Maracanã, no Rio. Simboliza bem o atual estado-da-arte do pensamento liberal brasileiro e mundial. Serra é um gênio às avessas: Roma em chamas, Atenas em escombros, e o Zé fazendo gestos triunfais.  

Les Mentettes Orchestra


Outro dia recebi mail de um leitor. Amável, ele me informava que um tolinho da RBS havia afirmado que a banda “Babasónicos é a melhor banda argentina”. Ora, se nota que o tal tolinho rebessiano (re-tolinho, como se diz no Prata, certamente um bebedor de nescauzinho com muito açúcar) não conhece nada de música, nem dos portenhos, nem de lhufas alguma. O que dizer então desta banda aí acima & abaixo? O talento exuberante e alegre deste vasto grupo musical portenho, o que dizer? 

Tirem suas conclusões.    

Brasil precisa deixar o Haiti



Telegramas diplomáticos dos EUA divulgados pelo WikiLeaks deixam claro que as tropas estrangeiras que ocupam o Haiti há mais de sete anos não têm razão legítima para estar no país e que esta é uma ocupação americana, tanto quanto o são as do Iraque e Afeganistão.

Também mostram que faz parte de uma estratégia adotada pelos EUA há décadas para negar aos haitianos o direito à democracia e autodeterminação e que os governos latino-americanos que fornecem tropas - entre eles, o brasileiro - estão ficando cansados de participar.

Um documento americano vazado mostra como os EUA tentaram forçar o Haiti a rejeitar US$ 100 milhões anuais em ajuda (equivalentes a R$ 50 bi na economia brasileira) porque vinha da Venezuela.

Como o presidente haitiano, René Préval, se recusou a fazê-lo, o governo americano se voltou contra ele. Consequentemente, Washington reverteu os resultados do primeiro turno da eleição presidencial de novembro de 2010, para eliminar do segundo turno o candidato apoiado por Préval.

Isso foi feito por meio da manipulação da Organização dos Estados Americanos (OEA) e de ameaças abertas de cortar o auxílio pós-terremoto concedido ao país desesperadoramente pobre, se ele não aceitasse a mudança. Tudo isso é amplamente documentado. As tropas da ONU foram levadas ao Haiti para ocupar o país depois de os EUA terem organizado a deposição do presidente haitiano democraticamente eleito Jean-Bertrand Aristide, em 2004.

Cerca de 4.000 haitianos foram perseguidos e mortos no período que se seguiu ao golpe, sendo autoridades do governo constitucional detidas enquanto as tropas da ONU "mantinham a ordem".

Outro documento vazado mostra como Edmund Mulet, o então chefe da missão da ONU (a Minustah), receou que Aristide pudesse reconquistar sua influência e recomendou que fossem registradas denúncias criminais contra ele.

Mulet vem sendo abertamente enviesado em suas interferências na política haitiana e tachou de "inimigos" os haitianos que se revoltaram com o fato de a missão ter levado o cólera ao Haiti. Hoje 380 mil haitianos foram contaminados pela doença, que já matou 5.800.

Se a Minustah fosse uma entidade privada, estaria encarando ações judiciais pedindo reparações de muitos bilhões de dólares, além de uma possível ação criminal em razão de sua negligência hedionda ao poluir as fontes de água do Haiti com essa bactéria mortífera.

Ironicamente, o custo anual da Minustah, US$ 850 milhões, é mais de nove vezes o que a ONU levantou para combater a epidemia. O Brasil não é um império, como os EUA, e não tem razão para ser parceiro júnior de um, especialmente em empreendimento tão brutal e censurável. Isso contraria tudo o que representam Lula, Dilma e o PT.

Isso eviscera o potencial do Brasil de exercer liderança moral no mundo - algo que o país já demonstrou em muitas áreas, desde as mudanças históricas iniciadas sob a administração de Lula. Já passou da hora de o Brasil retirar suas tropas do Haiti.

Artigo de Mark Weisbrot, codiretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas, em Washington (www.cepr.net), e presidente da Just Foreign Policy (www.justforeignpolicy.org). Publicado hoje na Folha.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Resignificação do “gaúcho” e a propaganda enganosa do latifúndio sul-rio-grandense


O general Joca Tavares é um dos tantos mitos do Rio Grande do Sul. Como todo o mito, resulta pois de relatos fantásticos da tradição oral, cujo objetivo é sustentar a ideologia do presente ornando-a com justificações heróicas e feitos edificantes. Especialmente por força da propaganda dos pecuaristas da fronteira oeste do estado mais meridional do Brasil. Com 75 anos de idade, o velho latifundiário de Bagé inicia a revolta armada contra Julio de Castilhos em fevereiro de 1893. O levante civil ficou conhecido como Revolução Federalista de 1893/95, a rigor, uma reação dos estancieiros da fronteira contra os ventos modernizantes do positivismo castilhista. Foi um movimento violento, de ambas as partes, seja do lado dos insurgentes federalistas, seja do lado legalista, sob o comando do presidente (governador da provîncia) Julio Prates de Castilhos. Cálculos conservadores indicam que morreu cerca de 4% da população do Rio Grande, nas escaramuças da guerra de guerrilha, como prisioneiros depois mortos pela degola, feridos que sucumbiam à infecção, ao frio e à fome, etc.

Os federalistas do regime pastoril, já naquela época, faziam autopropaganda das suas raízes farroupilhas, evocando assim um passado épico e glorioso. O chefe militar Gumercindo Saraiva, em incursão rebelde pelo Paraná, ousou blefar contra o próprio presidente da República, Floriano Peixoto. Ao pedir a renúncia de Peixoto, Saraiva (mega latifundiário no Uruguai) se intitulava como “descendente de um farroupilha”, o que constituía uma atrevida inverdade. A imprensa federalista (também conhecida como maragata ou gasparista) era forte e atuante. Em Porto Alegre, no final do século 19, circulavam diariamente cinco jornais, entre os quais o republicano-castilhista A Federação e o parlamentarista-monárquico A Reforma. Este, trazia como subtítulo no cabeçalho a inscrição em favor de uma memória farroupilha: “A lenda de ‘35”, aludindo a 1835, quando se inicia a revolta separatista farrapa no estado. O jornal O Maragato, editado em Rivera, no Uruguai, fazia propaganda e ajudava a estruturar o mito Joca Tavares, assim: “Os gaúchos  reúnem-se, armam-se, rebelam-se  e proclamam-no seu chefe militar. Ei-lo ali, apesar dos seus oitenta anos, ágil como um jovem domador...”.

Notem que, nesta altura, já se modificava a noção depreciativa da figura do “gaúcho” ou “gaucho”, como dizem no Prata. A expressão gaúcho fora sempre um insulto a alguém. Informava sobre andarilhos, ladrões, marginais e mestiços, sem qualquer habilitação para o trabalho e a guerra permanente dos caudilhos e montoneras. Entretanto, depois da publicação do poema campeiro “O gaúcho Martin Fierro” do autor argentino José Hernandez, as noções negativas deram lugar a um constructo positivo, épico e até heróico. 

O fenômeno da releitura de uma expressão antes desprezível, agora um honorável adjetivo gentílico, tem a ver com interesses ideológicos, culturais, sobretudo econômicos, e até eleitorais. A raiz dessa virada está na Argentina, onde por todo o século 19 se digladiavam os caudilhos do interior, conhecidos como Federalistas, e os urbanos e modernizantes de Buenos Aires, liderados pelo intelectual Domingo Faustino Sarmiento, conhecidos como Unitaristas. Estes denegriam aqueles com expressões de profundo desprezo físico e político, como “gauchos”. Ora, Martin Fierro acabou servindo aos propósitos de recuperação da imagem dos bravos peões de estância, agora cantados como heróis ancestrais e portadores de alma nobre e injustiçada. A resignificação – mesmo que à custa de uma disputa nacional no país vizinho – acabou chegando ao Rio Grande do Sul, por obra dos estacieiros revoltosos contra o republicano Castilhos. Com ela, a mitologia farroupilha que falava de glórias e feitos que jamais existiram. Uma das grandes empulhações era afirmar – em tom ufanista - que o general latifundiário Joca Tavares fora farroupilha em 1835. Tavares lutou sim, tanto na guerra farroupilha quanto na guerra “inglesa” contra o Paraguai, e em ambos os casos foi um rematado legalista. Em 1836, foi preso após perder um combate para as forças farroupilhas do coronel Afonso Corte Real, em Rosário do Sul.

Não é à toa que o general Joca Tavares (na foto, com ar de pasteleiro oriental) é homenageado em São Paulo, dando o nome – de nobreza - à Praça Barão de Itaqui, situada no bairro do Tatuapé, zona leste da cidade de São Paulo. Agora me perguntem: em quantos logradouros importantes de São Paulo foram dados nomes de vultos do Rio Grande? De um só, Getúlio Vargas, o maior de todos? Resposta: nenhum.          
       
Fotografia de 1870, autor desconhecido. 

domingo, 17 de julho de 2011

O cara é King Creosoto



Lembrei do...


Veja, ilustre passageiro
O belo tipo faceiro
Que o senhor tem ao seu lado.
E no entanto, acredite.
Quase morreu de bronquite
Salvou-o o Rum Creosotado



Velho reclame afixado nos antigos bondes, de autoria do poeta Bastos Tigre. Atribui-se ao creosoto a propriedade de impedir a putrefação da carne. É o que deveria beber o presidente da CBF, chefe da selecinha, Ricardo Teixeira (foto abaixo). Um Guaíba de creosoto é pouco para o tipo.


sábado, 16 de julho de 2011

Vitor Ramil



De Pelotas. Interpreta “Querência”, poema xucro de João da Cunha Vargas (1900-1980), musicado por ele.




Aqui, a composição de Vitor Ramil, Astronauta Lírico, é interpretada por Xabier Díaz, Guille Fernández e Guadi Galego.

Ajuste italiano, com Berlusconi

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Por um Estado equilibrado e pela Previdência pública

O projeto de lei do governo Tarso Genro sobre o regime previdenciário dos servidores públicos foi aprovado na Assembleia Legislativa por ser uma necessidade imperiosa das finanças públicas do Estado e tornar menos desigual e menos injusto o atual modelo. Desde sua criação, o IPE sempre tratou das pensões e de um atendimento de saúde. Em alguns momentos, inclusive, ensaiou alguns investimentos imobiliários que foram desastrosos para o Instituto.


A aposentadoria dos servidores sempre foi paga pelo caixa do Tesouro e sem as adequações às leis federais que reformaram a Previdência. Com o passar dos anos foram acumulados déficits crescentes que hoje superam R$ 5 bilhões anuais. No governo Rigotto, em 2004, foi aprovada a alíquota de 11%, mas não foi estabelecida uma política de teto e nem o regime próprio foi plenamente organizado.


O projeto de lei aprovado não retira direitos nem, muito menos, tem caráter privatizante ou neoliberal. A Previdência continua pública, estatal. Sua gestão será do IPE com participação dos servidores e do Estado. A lei garante que os recursos do Fundo Previdenciário, que será criado para os servidores que ingressarem no Estado após a sua vigência, não irão para o SIAC (Caixa Único) e sua capitalização será via Banrisul, com regras e normas federais estabelecidas para fundos desta natureza.


Além da criação de um Fundo Previdenciário para os futuros servidores, a alíquota de desconto sofrerá pequena variação que incidirá, exclusivamente, sobre os salários acima do teto atual do regime geral da Previdência – R$ 3.689,66 – e não ultrapassará a alíquota de 14%. Esta é uma proposta cabível, necessária e correta para a construção de um regime próprio de previdência que garante – diferente do regime geral do INSS – que as pessoas se aposentem com os salários que recebiam na ativa.


Não é justo, nem defensável, que sindicatos que se organizam para defender interesses comuns dos trabalhadores e lutam por princípios de solidariedade, aceitem e defendam o regime atual, que privilegia uma minoria com altíssimos salários, que mantém esses valores na inatividade e que só se sustenta com recursos orçamentários e não por previsibilidade atuarial das contribuições. A alíquota de 11% só entrou em vigor em 2004 e o déficit histórico acumulado, repito, supera hoje R$ 5 bilhões anuais.


Para a maioria esmagadora dos servidores não haverá nenhuma alteração de pagamento, de alíquota ou de recebimento previdenciário futuro.Não é verdade, igualmente, que não houve discussão sobre o tema, nem tempo para melhor conhecer a proposta.


Esse tema percorreu os quatro anos do governo Rigotto e os outros quatro do governo Yeda. O PL 393/2007 sofria críticas dos sindicatos e nossas, pois previa a criação de uma previdência complementar privada. O PL não unificou nem a Bancada governista e ficou quatro anos nas comissões da Assembleia sem ir ao plenário.


Os sindicatos que criticaram o projeto do governo Tarso não apresentaram nenhuma alternativa, nenhuma proposta nova, capaz de mudar a situação atual. Reunimos com os sindicatos em plenárias organizadas pela CUT e com os sindicalistas do PT que atuam no movimento. Em nenhuma dessas oportunidades foram apresentadas alternativas. Apenas a rejeição ao projeto do governo Tarso Genro e a manutenção de um regime previdenciário carregado de privilégios e vantagens para poucos e sustentado com orçamento público que falta para a saúde, educação e assistência social.


Por fim, não aceitamos os argumentos desleais, não verdadeiros, que desinformam e não apresentam os dados daquilo que foi efetivamente votado na Assembleia Legislativa. Ao não distinguir o atual governo dos anteriores, ao não reconhecer a diferença entre partidos que sempre estiveram ao lado dos servidores daqueles que sempre praticaram arrocho salarial e repressão policial, os dirigentes sindicais que nos atacaram e ofenderam cometem um profundo desserviço à formação política de suas categorias profissionais.


Os números, a conferência dos contracheques e a realidade da vida e da luta política-sindical serão suficientes para recompor a verdade.


Artigo de Raul Pont, deputado estadual e presidente do PT/RS.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Povo grego diz: “Não devemos, não vendemos, não pagamos”



É a palavra de ordem da cidadania grega que luta pela auditoria da dívida nacional. O não-pagamento de uma dívida que não foi contraída pela população é condição principal da soberania popular grega. Pagar a dívida significa servilismo e consentimento tácito à corrupção e aos obscuros negócios de bancos e grandes empresas, significa entregar – vergonhosamente - patrimônio público, territórios, sítios históricos e turísticos, água potável, ativos estratégicos e a própria dignidade de um povo inteiro.


Vídeo de 5 minutos e meio.

terça-feira, 12 de julho de 2011

A escola Murdoch de jornalismo patife


Poder em pane


No último domingo, um dos jornais de maior tiragem no Reino Unido deixou de circular. Criado há 168 anos, o tabloide "News of the World" fechou as portas depois de descoberta a maneira peculiar com que conseguia seus furos de reportagem.


Especializado em escândalos políticos ou de alcova, destruição de reputações, furos sensacionalistas, o jornal contratava, desde há muito, um detetive particular para grampear e ter acesso a telefones de políticos, celebridades e mesmo gente comum.


Por trás do jornal estão as marcas de seu dono, Rupert Murdoch (foto). Proprietário do maior conglomerado de mídia do mundo, a News Corporation, Murdoch representa o jornalismo em seu processo de degradação.


Seus canais de comunicação, como a rede de TV Fox News, conseguiram impor o modelo de um jornalismo a serviço das opiniões mais conservadoras, repetidas com a sutileza de quem está em guerra contra qualquer sombra de divergência.


Sua figura representa, ao mesmo tempo, a oligopolização do mercado de mídia e a imposição de uma agenda caricata de debate. Basta lembrarmos do nível dos argumentos dos ditos "âncoras" da Fox News. Basta lembrarmos também de como um dos editores do "News of the World" acabou parando na campanha do atual primeiro-ministro britânico David Cameron.


Que um de seus jornais seja pego aplicando táticas fora de qualquer padrão mínimo de respeito à privacidade, eis algo que não deve nos estranhar. Murdoch tornou a produção de notícias setor de uma luta política onde reina a seletividade do escândalo.


Todos, em algum momento, fizeram algo que não gostariam de mostrar na esfera pública. Mas cabe ao jornal decidir quem vai ser exposto e quem será conservado, quem vai para a primeira página e quem vai para a nota do canto.


A lei "dois pesos, duas medidas" transforma-se em uma regra, adequando-se às exigências de uma sociedade do espetáculo.


Nesse sentido, o fechamento do "News of the World" deveria servir para uma autorreflexão da imprensa mundial. Muito já se disse a respeito da imprensa como quarto poder, mas o que acontece quando esse poder entra em pane?


Pode-se dizer que quem empenha sua credibilidade a serviço da luta política acaba por pagar um preço alto, como nesse caso. Mas quanto tempo é necessário esperar para que a conta seja paga?


Durante anos, o jornal de Murdoch usou da invasão criminosa da privacidade para influenciar a pauta dos escândalos. Mesmo descoberto, o estrago já foi feito.


A população tem o direito de perguntar se não existiria outros veículos que agem como o tabloide de Murdoch.


Artigo de Vladimir Pinheiro Safatle, professor livre docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), especialista em epistemologia (teoria do conhecimento) e filosofia da música. Publicado na Folha, edição de hoje.


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Aqui no RS, a escola Murdoch de jornalismo patife tem seguidores. Vocês não lembram que no governo Yeda (2007-2010) havia profissionais de imprensa que tinham acesso privilegiado ao sistema Guardião administrado pela Secretaria da Segurança para escutas autorizadas pela Justiça? O caso foi abafado, por motivos óbvios, mas o método by Rupert Murdoch de "jornalismo investigativo" também está plenamente consagrado na pequena pátria de bombachas. 

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Debate sobre Economia Mundial, Brasileira e Regional



Em Porto Alegre, RS.

Os argentinos da ótima “Onda Vaga”



A música do Prata: uma mescla bem temperada de rumba-cumbia-reggae-rock-happytango, que começou em 2007 nas praias do Uruguai.





Aqui, os caras estão acompanhados de Fito Paez, cantando "Gilda", a que me encandila, dila, dila... Dylan...





Obama aponta à direita



O que Obama quer

Presidente empregou três das falácias econômicas preferidas da direita em só duas frases de seu discurso sobre a base do Orçamento

Sejamos francos. Está ficando cada vez mais difícil confiar nas motivações do presidente Barack Obama na luta em torno do Orçamento, em vista do desvio à direita que seu discurso econômico vem fazendo.

Se você apenas ouvisse os discursos dele, poderia concluir que ele compartilha o diagnóstico republicano sobre o que está errado em nossa economia e o que deveria ser feito para resolvê-lo. Talvez essa não seja uma impressão equivocada.

Um exemplo desse desvio à direita se deu no discurso em que Obama disse o seguinte sobre a base econômica do Orçamento: "O governo precisa começar a viver com os recursos dos quais dispõe, assim como fazem as famílias. Precisamos cortar gastos com os quais não podemos arcar, para colocar a economia sobre uma base mais estável e proporcionar a nossas empresas a confiança de que precisam para crescer e gerar empregos".

São três das falácias econômicas favoritas da direita em apenas duas sentenças. Não, o governo não deve traçar seu Orçamento como fazem as famílias; pelo contrário, tentar equilibrar o Orçamento em tempos de dificuldades econômicas constitui uma receita para aprofundar o declínio. Cortes nos gastos, neste momento, não "colocariam a economia sobre uma base mais estável". Eles reduziriam o crescimento e elevariam o desemprego. E as empresas não estão se contendo porque lhes falte confiança nas políticas do governo, mas porque não têm fregueses suficientes, problema que seria agravado, e não aliviado, por cortes de gastos no curto prazo.

As pessoas têm me perguntado por que os assessores econômicos do presidente não estão lhe dizendo para não acreditar na afirmação, popular entre a direita, mas avassaladoramente refutada pelas evidências, de que reduzir gastos diante de uma economia deprimida vá gerar empregos de maneira mágica. Minha resposta é: "Que assessores econômicos?". Quase todos os economistas destacados da gestão Obama ou já a deixaram ou a estão deixando. E não foram substituídos.

Quem está definindo as posições econômicas da administração? Parte do que temos ouvido está vindo, presume-se, da equipe política.

De qualquer maneira, não acredito que tudo isso se deva a cálculos políticos. Assistindo a Obama, é difícil não ter a impressão de que ele está procurando conselhos de pessoas que creem que o deficit, e não o desemprego, é o problema mais premente que a América enfrenta atualmente e acreditam que a parte maior da redução do deficit deveria vir de cortes nos gastos.

Nem os republicanos sugeriam cortes na Previdência Social; isso é algo que, aparentemente, Obama quer como um fim em si.

E isso levanta a grande pergunta: se um acordo em relação à dívida for fechado de fato, e se ele refletir de modo avassalador as prioridades e a ideologia conservadoras, deveriam os democratas no Congresso votar em favor dele?

O pessoal de Obama vai argumentar que seus correligionários deveriam confiar nele. Mas é difícil entender por que um presidente que vem se dando a muito trabalho para ecoar a retórica republicana e endossar visões conservadoras falsas deve merecer essa confiança.

Artigo do economista Paul Krugman, ganhador do Nobel de Economia de 2008. Publicado hoje na Folha.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Quem pode de fato “inviabilizar o governo” é a atual diretoria da Petrobras


Ações da Petrobras estão abaixo do valor patrimonial

É fato corrente que as ações da Petrobras estão desvalorizadas. O valor de mercado da estatal está, pela primeira vez desde 1999, abaixo do patrimônio líquido da empresa. Isso significa que as pessoas não estão acreditando no futuro da empresa estatal de energia. Na última terça-feira (5/7), o preço sobre o valor patrimonial da ação preferencial da Petrobras fechou em 0,98 vez, ou seja, o papel vale menos na bolsa do que nos livros. Para a ação ordinária, a relação era de 1,08 vez.

E por que está havendo essa baixa expectativa com relação ao futuro da Petrobras? Será que ninguém acredita nas valiosas jazidas do pré-sal brasileiro? Ou será que poucos apostam na capacidade administrativa e gerencial dos atuais dirigentes da Petrobras?

O diretor financeiro da estatal pensa de forma distinta, ele atribui a baixa expectativa à má condução política do governo federal ao capitalizar recentemente a Petrobras. Almir Barbassa, o referido diretor financeiro, deu entrevista ao jornal Valor sobre o assunto. Ele acha que a perda de valor das ações é resultado de um conjunto de fatores que passa pela capitalização com barris de petróleo (cujo preço foi considerado elevado na época) e aumento da percepção de interferência do governo na companhia. "A capitalização não foi bem entendida e ainda não foi digerida. O investidor acha que fizemos mau negócio", avalia o diretor da Petrobras para o jornal Valor, edição do dia 6 de julho último.  

A declaração do diretor Barbassa é estarrecedora. Ele faz um juízo imoral e equivocado sobre o motivo de as ações da companhia estarem desvalorizadas. Simplório, responsabiliza o governo federal pelo que chama de “mau negócio” na capitalização da Petrobras. Desta forma, esquece de mencionar os verdadeiros motivos das baixas expectativas acerca do futuro da companhia estatal brasileira. Vamos, portanto, refrescar a memória do diretor Barbassa. Eis os motivos verdadeiros da desvalorização das ações da Petrobras, todos eles – vocês verão – dizem respeito à gestão incompetente e imprudente da atual diretoria da estatal (com exceções), incluindo o próprio diretor financeiro, a saber:

1)     O Plano de Negócios 2011-2015 foi rejeitado pela terceira vez consecutiva pelo Conselho de Administração reunido no dia 17 de junho último. O PN foi considerado inconsistente e incompleto, inadequado mesmo para os desafios macroeconômicos que virão.

2)      A divulgação recente de um escândalo envolvendo a empresa de prestação de serviços de propriedade do senador Eunício Oliveira (PMDB-CE). A empresa foi contratada repetidas vezes pela Petrobras, sempre com dispensa de licitação, tendo faturado cerca de 57 milhões de reais, de forma completamente irregular. Há uma evidente suspeita de favorecimento nestas operações. Onde está a transparência? Qual o critério de retorno e de menor custo nestas reiteradas contratações ilegais? Por que a diretoria da Petrobras deixou prosperar essa grave irregularidade?

3)      A tentativa de criação da espúria empresa Sete Brasil. Sabemos que a presidenta Dilma Rousseff mandou suspender o processo de criação da empresa Sete Brasil que seria encarregada de operar a frota petroleira do Promef (Programa de Modernização da Frota Nacional de Petroleiros), bem como o rentabilíssimo negócio das sondas de perfuração offshore para a exploração do pré-sal em águas profundas. Hoje, o aluguel unitário destas sondas não fica por menos de 700 mil dólares/dia (preço internacional).  Atualmente, a Petrobras lidera a contratação de sondas em todo o mundo. A empresa Sete Brasil - urdida por alguns empregados aposentados da Petrobras, com o beneplácito da atual diretoria executiva – teria 90% de capital privado, com forte presença dos bancos Bradesco, Santander e demais grandes investidores.

Estão aí, pois, três consistentes motivos – sem prejuízo de tantos outros - para o desconforto dos investidores e a deprimida expectativa da chamada opinião pública quanto ao futuro da Petrobras. Portanto, o diretor Barbassa e demais colegas do board de executivos da estatal, está na raiz da desvalorização das ações da companhia, a menor desde 1999, ainda quando o governo FHC queria mudar o nome da empresa para PetroBrax, com a finalidade de leiloá-la no mercado internacional.   

Há poucos dias, ao se referir às trapalhadas do ex-ministro Alfredo Nascimento, a presidente Dilma Rousseff chegou a dizer que isso poderia “inviabilizar o governo”. Pois o mesmo pode-se dizer acerca da diretoria da Petrobras. Com um agravante, esta direção temerária pode inviabilizar o governo, a Petrobras e,  inclusive, a exploração virtuosa do pré-sal, seus benefícios sociais, econômicos e a garantia de um futuro menos incerto para o País e seu povo.

A capitalização da empresa, promovida pelo governo federal, foi uma política correta e necessária para a garantia do caráter público e estatal da Petrobras, abalada que fora pelo processo de privatização promovido pelo governo FHC, onde o Estado ficara minoritário face aos acionistas privados. A capitalização foi uma forma de reestatizar a empresa e sobretudo de diluir a força dos minoritários privados, bem como uma garantia do caráter público e estatal das ricas jazidas oceânicas de óleo e gás. O diretor Barbassa, ao se insurgir contra tais medidas, está se assumindo como porta-voz dos interesses dos acionistas privados. Certamente, Barbassa acha mais adequado deixar a Petrobras sob o controle total do mercado, ou da “competente” corporação dos seus sábios diretores.   

De qualquer forma, Barbassa não consegue enxergar é que o mercado está informado sobre a incompetência reinante na alta direção da Petrobras. É disso que estamos falando, quando analisamos a queda no valor das ações da estatal de energia. A presença desta diretoria já está sendo evidente e sensível fator de desqualificação da própria marca Petrobras. Urge que o governo Dilma ponha termo nesta situação, que começa a ficar onerosa e de alto risco para o País. 

Novo documentário sobre Che Guevara



Filme-documentário do diretor argentino Tristán Bauer. A exibição será no Plenarinho da AL/RS, em Porto Alegre. Entrada franca e sincera.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Os intelectuais midiáticos, esses especialistas em mentira


Foi publicado na França este mês, mas poderia ter sido no Brasil. Os intelectuais farsantes – O triunfo midiático dos especialistas em mentira, do diretor do Instituto de Relações Internacionais e estratégicas e professor da Universidade de Paris VIII, Pascal Boniface, o livro retrata o tipo de “intelectual midiático” que prolifera pelo mundo afora e do qual nem a França, nem o Brasil ficaram excluídos.

A preocupação central dele não é com os que fazem análises equivocadas, mas com os que mentem deliberadamente para ganhar espaços midiáticos, a partir do qual se projetam como supostos “intelectuais” e ganham suposta “autoridade” para opinar sobre qualquer coisa. “São farsantes que fabricam a falsa moeda intelectual para garantir seu triunfo sobre o mercado da convicção”.

Como o fim justifica os meios, “a fronteira entre farsantes e mercenários não é clara”. Os que circulam pelas páginas econômicas articulam suas “verdades” com assessorias a setores empresariais. É um negocio redondo: publicam “preocupações” de empresas privadas – na verdade, seus “interesses” – depois de ter feito palestras e ouvido suas opiniões, de forma remunerada. Faz parte tácita do contrato, artigos defendendo os pontos de vista desses setores empresariais, como se fosse uma interpretação sobre os destinos e dilemas da economia do país.

Na primeira parte do livro, Boniface analisa o fenômeno e destaca alguns dos temas prioritários, como a defesa do Ocidente como defesa da democracia, Israel como ilha de civilização cercada de regimes totalitários que o querem destruir, o conceito de “islamofascismo”, o pânico do Islã.

Na segunda parte, ele analisa alguns personagens conspícuos, similares aos que temos no Brasil. O caso mais conhecido é o de Bernard-Henri Lévy: BHL (foto ao lado) é certamente o próprio modelo do farsante, o “mestre absoluto”, alguém que construiu sua carreira “manejando sem vergonha a mentira”.

Aqui nós conhecemos seus nomes ou pelo menos topamos em algum momento com suas caras, se zapeamos ao acaso pela televisão. Todos cabem na definição de Boniface, com suas carreiras perfeitamente enquadradas no conceito de “intelectual farsante”. (Um deles chegou até à Academia Brasileira de Letras.)

São exatamente o contrário do intelectual da esfera pública, aquele voltado para os grandes temas de interesse nacional e popular, oposto aos donos do poder, com abordagem alternativa e com linguagem acessível a todos.

Texto do professor Emir Sader, publicado no blog da editora Boitempo. 

Documentário "El Baile Rojo"


O cartaz não informa, mas o evento ocorrerá na cidade de Porto Alegre, RS.

terça-feira, 5 de julho de 2011

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Woody Allen vende Paris à meia-noite





As anotações de Ernest Hemingway sobre a vida em Paris nos anos vinte, do século passado, foram reunidas em uma obra que se chamou A Moveable Feast (na edição em português virou “Paris é uma festa”), lançada em 1964, portanto, três anos depois da morte do ganhador do Nobel de Literatura de 1954.


Os editores escolheram como epígrafe uma frase de Papa dita em 1950 ao seu futuro biógrafo Aaron Hotchner: “Se você teve a sorte de viver em Paris, quando jovem, sua presença continuará a acompanhá-lo pelo resto da vida, onde quer que você esteja, porque Paris é uma festa ambulante”.


É de supor, portanto, que Woody Allen tenha adotado essa máxima de Papa Hemingway para escrever e dirigir o filme “Meia-Noite em Paris”. O resultado faz de fato justiça à capital da França. Uma cidade cujo planejamento urbano ocorreu ainda na segunda metade do século 19, proibindo a edificação de prédios muito altos, Paris é – há muitos anos - o destino mais visitado pelos turistas do mundo inteiro.


Woody Allen, certamente muito bem remunerado pelos interesses da municipalidade parisiense, a exemplo do que já fizera em 2008 com Barcelona, no filme “Vicky Cristina Barcelona”, agora trabalha para exaltar a deslumbrante Cidade Luz. 


A promoção de grandes cidades virou um business a mais na filmografia de Allen. Fez isso em muitos filmes cujo pano de fundo era Nova York, depois, Barcelona, agora, Paris. Dizem que o próximo objeto urbano de Allen será o Rio de Janeiro. A ver. “Pagando bem, que mal tem”, haverá de pensar o cineasta nova-iorquino. 


Há mais de dez anos reforça-se a tendência de promoção de metrópoles urbanas, numa grande operação de “city marketing” como que descolada de seus países. Isso iniciou em Barcelona, talvez pelo fato de haver a velha disputa nacionalista entre espanhóis (suas múltiplas nacionalidades) e catalães. Arquitetos, urbanistas e sociólogos da Catalunha conceituaram em novas bases a divulgação de suas cidades, agora em sintonia com os requerimentos da globalização neoliberal. Tal conceito procura desagregar os aspectos nacionais, políticos e geográficos, no sentido de des-historicizar seu passado, visando objetivos puramente comerciais, turísticos e sobretudo imobiliários. Entre esses autores, estão intelectuais respeitados como Manuel de Forn, Jordi Borja e o sociólogo das redes, Manuel Castells, muito incensado pelos que não o conhecem em sua total extensão. Eles decalcam as técnicas do planejamento empresarial, sistematizadas na Harvard Business School (na qual aprendizes de feiticeiras ao Paço Municipal de Porto Alegre em 2012 vão beber conhecimentos “milagrosos”). Ora, “isso implica na apropriação da cidade por interesses empresariais globalizados, implica no banimento da política, da eliminação do conflito e das condições de exercício da cidadania” (Carlos B. Vainer). Como dizem Borja e Forn: “A mercadotecnia da cidade, vender a cidade, converteu-se [...] em uma das funções básicas dos governos locais...”.


As instruções (briefing) recebidas por Allen foram essas: queremos reposicionar Paris na bolsa de expectivas de visitantes e usuários solventes, trate de ratificar a Paris do imaginário intelectual e artístico que todos temos, não deixemos que os banlieusard (suburbanos) predominem com suas narrativas de conflito e insurreição, não permitiremos que os magrebinos vençam a Paris branca e burguesa.


Woody Allen cumpriu à risca as determinações dos seus contratantes. Mais: cercou seu filme de graça, poesia e beleza – musical e visual. Fez um belo filme, agradável, leve, engraçado. O protagonista Gil Pender está ótimo, consegue imitar Woody Allen em detalhes deliciosos, especialmente aquele inevitável cacoete de gaguejar nervoso antes de qualquer sentença. De quebra, Allen ainda consegue debochar da direita republicana, dos “criptofascistas do Tea Party”, dos vinhos do Napa Valley, dos pedantes em geral, e dos “americanos que não saberiam viver em outro País”.


Para Woody Allen, que é um intelectual de respeito, deve ter sido fácil fazer o roteiro do filme. Bastou reler “Paris é uma festa”, do Hemingway. Está tudo lá. Inclusive o endereço de Gertrude Stein: rue des Fleurus, número 27 (quase junto ao Jardim de Luxemburgo), onde todos convergiam para compartilhar diálogos inesquecíveis, comidas, schnapps de frutas, espirituosos Calvados, arte, situações literárias, quadros na parede em profusão e belas mulheres.


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Não é possível deixar de registrar a comilança ruidosa de pipocas na sala de cinema. Noto que se cria uma variante subcivilizada de indivíduos consumidores de espetáculos públicos. Essa gente precisa se alimentar o tempo inteiro, caso contrário pode desfalecer ou padecer algo mais grave. Indiscretos, portam - eufóricos - baldes de sua ração alimentar, mastigam o tempo inteiro e promovem ruídos que conspiram contra o silêncio e a concentração exigidos numa sala (pública) de cinema.


Por enquanto, eles consomem somente pipocas, ainda que em quantidades amazônicas. Mas, e se eles entenderem de consumir algo mais substancial, como linguiças e churrascos no espeto?


Sendo assim, diante da inevitabilidade do barbarismo de salão, sugiro que os exibidores dividam as salas de cinema: de um lado, os cinéfilos normais, de outro, os incivilizados e eufóricos (no sentido patológico, mesmo) comedores de pipoca.

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