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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

As cartas estão com Dilma Rousseff



Até agora me preocupei com os poucos dons de comunicação que Dilma Rousseff demonstrava, comparada com FHC, que entusiasmava a elite, ou Lula, que galvanizava o povo. Mas começo a mudar de ideia. Já achava bom, sim, termos uma dirigente "normal", sem o carisma de seu antecessor. Mas afirmei que ela precisava de um estilo, até para conter o apetite dos políticos, hoje desmedido. Para não dizer que penso só na ameaça Temer, o poderoso vice, lembro a bancada do PT na Câmara querendo indicar o novo ministro de Relações Institucionais. Se o atrevido movimento tivesse êxito, o presidencialismo acabaria naquele dia - e, com ele, a presidente e, claro, seu insano partido.

Mas hoje, apesar das denúncias que chovem, vejo um roteiro melhor para o governo e o país.
Dilma prossegue um projeto que não podia ser interrompido, simplesmente porque enfim deu prioridade às questões sociais na agenda brasileira - algo que Itamar Franco e FHC esboçaram, mas sem ir tão longe quanto Lula. O projeto que os tucanos tinham se completou em dois mandatos federais. Precisa e merece ser revisto. Já o projeto petista é pauta longa e demorada. Centra a mudança do país na priorização do social. Isso ainda exige muito. Cresceram renda e consumo. É preciso complementar com educação e cultura. A aprovação eleitoral desse projeto - cujos fins podem parecer com os dos tucanos, mas cujos meios o cidadão preferiu - dá continuidade, com mudanças, ao que Lula encetou.

Com mudanças. A mais visível é a das alianças para garantir a governabilidade. Quase todos os analistas as deploram; os equilibrados reconhecem que alianças análogas sustentaram FHC. Ora, como tais alianças parecem corromper os costumes políticos, Dilma estaria ante uma necessidade ou possibilidade inédita: reduzir o peso delas. Dilma não deixa apodrecer. Demite. Depois, é certo, nomeia sem audácia. Lula colocou seu próprio vice no ministério da Defesa. Surpreendeu. Dilma não surpreende. Mas age. Se renovar o gabinete, baixando o desperdício de talento e dinheiro, terá dado um grande passo. Inédito.

Outra mudança chama menos a atenção, até porque não entra no truque freudiano de só culpar, por tudo, "o outro". Mas é mais importante. Falo da melhor articulação das ações públicas, que teve exemplo notável, agora, em São Paulo. Dilma elegeu a sede do principal governo de oposição para integrar programas sociais federais e estaduais. Já é difícil articular as ações de uma única esfera de governo. Unir petistas e tucanos, tendo por meta o Brasil sem Miséria, foi notável. Ela ainda não é uma estadista, mas se vislumbram qualidades suas que vão além da gestão e talvez mostrem uma liderança.

Lula foi um presidente audaz. Adorava políticas novas. Deu certo. Apostou no pré-sal, na expansão do ensino federal, nos programas sociais. Mas, assim como o coração abre e fecha constantemente, alternando diástole e sístole, também na política precisam alternar inovação e consolidação. Vejam: a expansão das universidades abriu vagas para estudantes, aproveitou professores doutores sem emprego, ampliou a educação superior no país com docentes que pesquisam. Muito bem. Mas resta fazer cada departamento ou grupo funcionar. Esse é um trabalho inglório. Não se presta a inaugurações. Prefeitos não o aplaudem. Ao contrário: porque nessa hora você não expande nem dá. Corta e cobra. É coisa de chato. Mas são essas super-formiguinhas que fazem a máquina funcionar. Essa é a grande oportunidade de Dilma - como, ironicamente, talvez pudesse ter sido de Serra.

Trabalhei, entre 2004 e 2008, na avaliação da Capes, órgão que afere a qualidade de todos os mestrados e doutorados do Brasil. É a avaliação que faz a pós-graduação ser nosso único nível de ensino de padrão internacional. Mas, fora do mundo da pesquisa, ninguém a conhece. Aos políticos, inclusive no governo, interessa mais um projeto novo, qualquer um, do que a árdua tarefa de centenas de bons pesquisadores, viajando de graça para ajudar a montar um curso de mestrado ou doutorado. Mas é esse trabalho minucioso que maximiza o investimento. Articulando professores e temas, alunos e teses, avança-se mais do que só pondo dinheiro. Aliás, na avaliação da pós, era difícil e inútil saber quem votava no PT ou nos tucanos: todos se uniam pela qualidade. Isso não dá prestígio junto ao político tradicional, mas vai direto na veia da sociedade. O beneficiado é o doutorando, o ensino, a pesquisa, a inovação. A política sai de uma visão subordinada a shareholders, os políticos, que pensam ser seus donos ou proprietários, para outra em que contam os stakeholders, as partes interessadas, isto é, tanto os que põem a mão na massa quanto os que a vão consumir.

Será esse o papel de Dilma na Presidência? Exige muito trabalho, fé enorme e pouca vaidade. Ela parece ter essas qualidades. Elogia Lula (a "herança bendita") e também FHC. Não disputa com eles. Revejo aqui minha tese de que o presidente do Brasil teria de ser um grande comunicador político. Precisamos é do presidente adequado ao momento. Creio que, depois de muitos anos no fragor das batalhas - padecer e derrubar a ditadura, levar um presidente ao impeachment, vencer a inflação, privatizar, consagrar a agenda social - o Brasil talvez possa ter um clima mais tranquilo. Não será fácil. Porém, se a presidente continuar por aí e mantiver o sangue frio, acredito que, o mais tardar no final de 2013, terá ganho a aposta. O que obviamente, em nossa recente tradição, a credenciará para a reeleição e, quem sabe, um segundo mandato com menos hipotecas partidárias. Mas essa é outra história.

Artigo de Renato Janine Ribeiro, professor titular de Ética e Filosofia Política na Universidade de São Paulo, publicado no jornal Valor Econômico, edição de hoje.

domingo, 28 de agosto de 2011

O vaidoso Lars von Trier e o filme Melancolia



Seria relativamente fácil – para um profissional experiente - fazer um filme sobre o tema da melancolia. Vários autores e intelectuais já trataram do assunto, de Shakespeare a Walter Benjamin, de Dürer ao nosso escritor pedestre Moacyr Scliar, e tantos outros, por muitos séculos.

A filosofia, por sua vez, sempre teve a melancolia como objeto de reflexão (Freud pegou a coisa - desânimo/autopunição - já muito analisada/conceituada). Lars von Trier, o cineasta dinamarquês, deixou de lado tudo o que já se escreveu e pensou (mal) sobre a-depressão-como-julgamento-do-mundo, apelando para um tratamento astrológico, digamos assim, no seu filme “Melancolia”. 

Parece que o argumento parte da leitura do horóscopo diário, feito por duas irmãs. Uma delas leva uma vida burguesa ao lado do filho e do marido rico, outra, deprimida, vê no casamento uma fórmula de empanar mais o seu espírito turvo e safar-se do mal que a deprime. Um belo dia - parece - elas lêem no jornal que um planeta chamado Melancolia está prestes a se chocar com a Terra, o que seria o fim do mundo. A burguesa Claire, se decompõe e desaba, a outra (Justine), acha o seu eixo existencial e aceita placidamente o destino astrológico que o caprichoso movimento cósmico lhe reservou. Lars Trier disse em Cannes que o seu filme tem "um final feliz" – o fim do mundo. Disse também entender e simpatizar com Hitler, e que o nazismo era a sua praia, dele, Trier.

Já se vê que o cara é um irresponsável, fanfarrão e mitômano. Não hesita em dizer e fazer disparates para chamar a atenção do público. Assim, “Melancolia” situa-se na mesma linha moral do comportamento político do seu diretor. Um filme assumidamente niilista, sem comprometimento com nada (a não ser com a própria vaidade do autor), enredo pobre e raso, porém pretensioso. O fundo musical wagneriano (prelúdio da abertura de Tristão e Isolda) visa dar ares de complexidade e espessura à farsa e ao embuste da obra final.

O roteiro caótico procura alguma criatividade (sem êxito) ao pontuar pequenos enigmas inúteis ao longo da narrativa quando cria um personagem (pai das duas moças, Justine e Claire) que coleciona colheres de prata no bolso e jovens amigas de nome Betty. Ou quando mostra a mãe das duas atormentadas protagonistas como uma mulher insociável e grosseira. Mas nada disso conta na trama que não leva a lugar algum.
Trier quer contar que nada faz sentido mesmo, nem mesmo o seu próprio filme, que um simples esbarrão de um planeta desorientado pode acabar com tudo neste mundo esvaziado de objeto.

Enquanto isto, nós perdemos o nosso tempo em duas horas de filosofia de botequim de um nazistinha retardatário e boquirroto.                  

sábado, 27 de agosto de 2011

Cooperativas de assentados da reforma agrária participam da Expointer 2011



Cooperativas de assentados da reforma agrária estarão presentes na Expointer 2011, que inicia neste sábado (27/8) em Esteio (RS). Neste ano os pequenos agricultores participarão com oito bancas no Pavilhão da Agricultura Familiar.

Serão comercializados produtos como sucos, pães e biscoitos, geléias e massas. Além disso, as bancas estarão vendendo arroz agroecológico produzido pela Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da região de Porto Alegre (COOTAP). Também serão comercializadas sementes agroecológicas da Bionatur, que é a primeira cooperativa do Brasil a comercializar sementes de hortaliças agroecológicas e sementes crioulas.

As cooperativas são de assentamentos da região metropolitana e da região Sul do estado, todas ligadas à Cooperativa Central dos Assentamentos do Rio Grande do Sul (COCEARGS). As atividades envolvem, direta e indiretamente, 500 famílias assentadas.

Estima-se que neste ano sejam comercializados mais de dois mil litros de suco e cinco mil quilos de arroz agroecológico. Nos últimos três anos, o Pavilhão da Agricultura Familiar foi o terceiro empreendimento mais procurado pelos visitantes da feira anual do setor primário.

Perdendo minha religião



O velho e bom rock do R.E.M. que desde 1980 está na estrada, aqui com “Losing my religion”.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Líbia: sem ditador, mas colonizado

Latuff


A bandeira da Líbia (acima, na ilustração de Latuff) usada pelos "rebeldes da Otan" é a mesma da monarquia, expulsa por Kadafi em 1969.

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Sean Penn diz que seu personagem em ‘A Árvore da Vida’ foi desnecessário



Sean Penn afirmou não concordar com a montagem final do filme "A Árvore da Vida" e criticou a direção de Terrence Malick no filme. Para ele, seu personagem no longa foi desnecessário e Malick nunca explicou para ele seu papel na história.

"Eu de forma alguma vi na tela a emoção que li no roteiro, que foi o mais magnífico que eu já li", disse ao jornal francês "Le Figaro". "Uma narrativa mais limpa e convencional teria ajudado o filme sem, na minha opinião, tirar sua beleza e seu impacto."

Penn, que estrela o filme ao lado de Brad Pitt, afirma que ainda está tentando entender o que faz no filme e o que deveria acrescentar. "Terry nunca conseguiu me explicar isso de forma clara".

"A Árvore da Vida" venceu este ano a Palma de Ouro no Festival de Cannes e está em cartaz no Brasil.

Leia a crítica do filme "A Árvore da Vida" aqui.

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Sobe a estrela do PMDB/RS



Quatro considerações (ligeiras) sobre o ascenso do “gaúcho” (como diz ZH) ao Ministério da Agricultura:

1)     O fato não tem pouca importância. Deve repercutir na política e no panorama eleitoral do Rio Grande do Sul, afinal, 47% do PIB do estado é formado pelo setor primário meridional;

2)     O deputado Mendes Ribeiro, se tiver força e talento (atributos bissextos na carreira de Sua Excelência), pode asfaltar o caminho para uma disputa ao Piratini nas eleições de 2014;

3)     Assume na Câmara Federal, no lugar de Mendes, o primeiro suplente do PMDB/RS, Eliseu Padilha, ligado ao vice-presidente Michel Temer, que poderá viabilizá-lo como articulador político do governo Dilma no Congresso. Estranho? A política de vertente epifenomênica é feita da substância do estranhamento e do acidental;

4)     O PMDB/RS, se examinarmos o contexto de sua influência e inserção nacional, adquire agora mais capital político do que o PT/RS, tanto o mais se juntarmos à equação o pronunciamento do senador Simon em apoio à faxina dilmiana no governo. Resta saber se irá aproveitar a oportunidade que o destino está lhe abrindo, mesmo sabendo que o partido é um condomínio parcelar de interesses flou e aspirações eleitorais, jamais um todo orgânico e articulado.  
   

A direita não se convence da derrota



Colapso moral

Aqueles que se veem como excluídos da sociedade não têm razão alguma para obedecer às suas normas.
Eis uma colocação trivial que qualquer habitante de metrópoles brasileiras aceitaria. Conhecemos bem tal situação social onde a exclusão e a falta de perspectiva gera a descrença (no melhor cenário) ou a violência (no pior) contra o império das normas sociais.

Muitos gostariam de chamar isso de "sociologismo vulgar", como se fosse questão de afirmar que onde há pauperização sempre haverá crime.

Talvez seja o caso de simplesmente dizer que a pauperização e o sentimento de ter sido deixado de lado pelo Estado gera, de maneira forte, a desagregação do laço social.

Quando não há nada que sirva de contrapeso a tal processo, é fácil começar a ver carros queimados, lojas quebradas e outros atos de vandalismo.

Nesse sentido, há algo de profundamente cômico em ouvir o premiê britânico, David Cameron, afirmar que a Inglaterra está vivendo um "colapso moral" e que devemos colocar os confrontos em Londres e em outras cidades na conta da ausência de valores como "espírito de equipe, decência, dever e disciplina".

Sim, as escolas e as famílias não ensinam mais esses grandes valores, mas, segundo o primeiro-ministro, em seu papel de último esteio moral da ilha, "desencorajam o trabalho" e fornecem "direitos sem responsabilidade". Por muito pouco, não fomos brindados com a ideia inovadora de que as altas taxas de desemprego eram fruto da "preguiça".

Alguém deveria ter dito a Cameron que ele não é exatamente um bom enunciador contra o colapso moral britânico, ainda mais depois de um de seus principais assessores ser pego envolvido no escândalo que expôs as relações incestuosas entre a política britânica e o magnata da mídia Rupert Murdoch.

Da mesma forma, quando seu governo destrói todo o resto de sistema público de educação e de assistência social após ter pago (com o beneplácito de seu partido) a conta de bancos responsáveis pela crise de 2008, há de se perguntar se o colapso moral vem da City ou de Tottenham.

Pelo menos Cameron mostrou o que o pensamento conservador pode nos oferecer hoje: ladainhas morais em vez de ações enérgicas contra os verdadeiros arruaceiros, ou seja, esses que operam no sistema financeiro internacional.

Enquanto isso não ocorrer, jovens roubando lojas de iPads e tênis continuarão dizendo: não aceitaremos estar fora do universo de consumo e sucesso individual que vocês mesmos inventaram. Nós entraremos nele, nem que seja saqueando.

Por isso, antes de cobrar responsabilidades de setores desfavorecidos da população, Cameron deve parar de tentar escapar de suas próprias.

Artigo de Vladimir Pinheiro Safatle, professor livre docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), especialista em epistemologia (teoria do conhecimento) e filosofia da música. Publicado na Folha, edição de terça-feira passada (16/8).

Torquemada foi um frouxo



Tomás de Torquemada (1420-1498) ou o O Grande Inquisidor foi o inquisidor-geral dos reinos de Castela e Aragão no século 15 e confessor da rainha Isabel de Espanha, a Católica. Ele foi famosamente descrito pelo cronista espanhol Sebastián de Olmedo como "O martelo dos hereges, a luz de Espanha, o salvador do seu país, a honra do seu fim". Torquemada é conhecido por sua campanha contra os judeus e muçulmanos convertidos da Espanha. O número de autos-de-fé durante o mandato de Torquemada como inquisidor é muito controverso, mas o número mais aceito é normalmente 2.200. (Fonte: Wikipédia)

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

"O divã e a tela" - o livro


Raul Pont pode ser o nome de consenso do PT ao Paço Municipal


Na última segunda-feira (15/8) o deputado estadual Raul Pont (foto) participou de reunião na executiva municipal do PT de Porto Alegre para debater as eleições municipais de 2012. Na discussão, vários integrantes da executiva perguntaram ao presidente do PT gaúcho se colocaria seu nome à disposição do Partido para construção de uma candidatura de consenso à prefeitura da capital. Sem rodeios, Raul defendeu a candidatura própria e colocou seu nome à disposição para concorrer no próximo ano. “Não se trata de arrogância ou hegemonia. Seria um brutal retrocesso não ter candidato em Porto Alegre em 2012”, pontuou.

Na avaliação do ex-prefeito da Capital, Raul Pont, as condições estão dadas, e cabe ao Partido construir um nome de consenso. “Criamos a tese, cabe a nós agora apresentar alternativas e meu nome está à disposição para esta construção. Não podemos recusar dirigir esta cidade”, finalizou.

No início do mês de agosto, o PT de Porto Alegre aprovou resolução sobre as eleições 2012. Além da continuidade ao debate da Carta a Porto Alegre, a resolução busca, entre outras coisas, “a unidade partidária, através de um processo de debate e diálogo internos, para construir a nossa candidatura à prefeitura de Porto Alegre de maneira consensual, evitando a realização de prévias”. 

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

A árvore da chatice



Terrence Malick, cineasta estadunidense de apenas seis filmes, comeu o fruto da pretensão e cuspiu a semente do tédio. Sua última obra, A árvore da vida (The Tree of Life), é um porre monumental, apesar disso logrou abiscoitar o prêmio Palma de Ouro, no festival de Cannes de 2011.

O argumento é minimalista, não chega a narrar uma história, gira em torno de um pai repressor que descarrega suas tantas e variadas frustações sobre a mulher e os três filhos homens. O autor fica os 140 minutos do filme reiterando a condição repressiva do pai, vivido por Brad Pitt, só há interrupção quando se projetam imagens que querem representar o Big Bang, um caleidoscópio de formas coloridas e cambiantes sob fundo musical erudito. Da explosão primordial há um pulo para a era Mesozóica, na idade dos dinossauros, aí a coisa resvala para o ridículo. 

Imaginemos, agora, a hipótese de uma oficina de cinema cujos alunos fossem, por exemplo, Silvio Berlusconi e José Serra, dois reconhecidos cascas-grossas e incultos, condições impróprias para quem quer dirigir cinema. Pois a cena do dinossauro adulto pisando na cara do filhote, que já estava estendido no chão de pedras, é de um primarismo digno de Berlusca ou de Serra, tanto mais se o autor quer alegorizar o pai repressor protagonista do filme. Malick não fica sequer encabulado quando força a barra ao promover a antropomorfização de dinossauros, mas vai além: faz uma  pirueta alegórica que deixaria um casca-grossa qualquer corado de vergonha.

O diretor – dizem – teria feito um “filme religioso”. Não penso assim, porque o filme não tem nenhum caráter. Citar a Bíblia a todo o momento não realiza um “filme religioso”. Ele sugere o Big Bang em vários trechos recorrentes e aborrecidos, mas não se trata de um filme evolucionista, nem cientificista ou materialista. Tudo é uma grande confusão de signos e citações culturais sem nenhuma responsabilidade com o significado e a articulação dos nexos. Aliás, o filme de Malick é esquecido de significado. Com isso assume ares de hermetismo dissimulado, quando – rigorosamente – está prenhe de vazio.      
    
É um filme metido a "cabeção", mas especula tanto sobre filosofia e conceitos quanto os aluninhos de um grupo escolar.  

Falta criatividade ao roteiro (escrito pelo próprio Terrence Malick), que não consegue sair do círculo de ferro a que se impôs, sabe-se lá por qual motivo.

Para Malick, a criatividade é um pássaro sem asas. 

O singular elemento que se destaca positivamente é a câmera do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki: ágil, especulativa, voluntariamente procurando criar um clima de mistério e tensão, mas que é frustrada pela mão censora do diretor Malick, que como não tem história a ser contada, aborta a obra transformando-a numa salada de significantes em busca de conceitos que nunca chegam. 
     
O resultado é de um pedantismo monumental. 

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P.S.: Enquanto assistia ao filme do Malick, no domingo, eu pensava, isso está me cheirando a “2001, uma odisséia no espaço” (1968), do genial Stanley Kubrick, mas um ‘2001’ falquejado a canivete sem fio.

Hoje (terça, 16/8), li uma crítica do equilibrado Luiz Carlos Merten, publicada no Estadão em 17 de maio passado. Merten diz o seguinte, entre outras coisas até elogiosas ao diretor Malick: “Por mais impressionante que seja ‘A Árvore da Vida’, a sensação é de um Stanley Kubrick de segunda mão”.

Ah!, segundo o Merten, que estava em Cannes, quando o filme ganhou a Palma de Ouro, por ocasião da apresentação do "A Árvore da Vida", no final ouviram-se muitas vaias, poucos aplausos, e abafados. 

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Folha vende conselhos negociais de garota de programa



Inacreditável!

Técnicas de fidelização de clientes foram editadas em livro e estão sendo vendidas pela Livraria da Folha, o segmento livreiro das empresas da família Frias. Para tanto, foram colhidas lições (inesquecíveis) de uma garota de programa.

Já se vê que não houve o menor mal-estar moral da Folha para bancar a edição e venda do notável empreendimento negocial da douta comerciante do próprio corpo.

Agora está provado, com a Folha é assim: “Fazemos qualquer negócio no ramo editorial e jornalístico”.  

As massas do mundo todo voltam a pedir cabeças



Maria Antonieta

Em 2006, a cineasta Sofia Coppola lançou um filme sobre Maria Antonieta. Ao contar a história da rainha juvenil que vivia de festa em festa enquanto o mundo desabava em silêncio, Coppola acabou por falar de sua própria geração.

Esta mesma que cresceu nos anos 1990.

No filme, há uma cena premonitória sobre nosso destino. Após acompanharmos a jovem Maria por festas que duravam até a manhã com trilhas de Siouxsie and the Banshees, depois de vermos sua felicidade pela descoberta do "glamour" do consumo conspícuo, algo estranho ocorre.

Maria Antonieta está agora em um balcão diante de uma massa que nunca aparece, da qual apenas ouvimos os gritos confusos. Uma massa sem representação, mas que agora clama por sua cabeça.

Maria Antonieta está diante do que não deveria ter lugar no filme, ou seja, da Revolução Francesa. Essa massa sem rosto e lugar é normalmente quem faz a história. Ela não estava nas raves, não entrou em nenhuma concept store para procurar o tênis mais stylish.

Porém ela tem a força de, com seus gritos surdos, fazer todo esse mundo desabar.

Talvez valha a pena lembrar disso agora porque quem cresceu nos anos 1990 foi doutrinado para repetir compulsivamente que tal massa não existia mais, que seus gritos nunca seriam mais ouvidos, que estávamos seguros entre uma rave, uma escapada em uma concept store e um emprego de "criativo" na publicidade.

Para quem cresceu com tal ideia na cabeça, é difícil entender o que 400 mil pessoas fazem nas ruas de Santiago, o que 300 mil pessoas gritam atualmente em Tel Aviv.

Por trás de palavras de ordem como "educação pública de qualidade e gratuita", "nós queremos justiça social e um Estado-providência", "democracia real" ou o impressionante "aqui é o Egito" ouvido (vejam só) em Israel, eles dizem simplesmente: o mundo que conhecemos acabou.

Enganam-se aqueles que veem em tais palavras apenas a nostalgia de um Estado de bem-estar social que morreu exatamente na passagem dos anos 1980 para 1990.

Essas milhares de pessoas dizem algo muito mais irrepresentável, a saber, todas as respostas são de novo possíveis, nada tem a garantia de que ficará de pé, estamos dispostos a experimentar algo que ainda não tem nome.

Nessas horas, vale a lição de Maria Antonieta: aqueles que não percebem o fim de um mundo são destruídos com ele. Há momentos na história em que tudo parece acontecer de maneira muito acelerada.

Já temos sinais demais de que nosso presente caminha nessa direção. Nada pior do que continuar a agir como se nada de decisivo e novo estivesse acontecendo.

Artigo de Vladimir Pinheiro Safatle, professor livre docente do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), especialista em epistemologia (teoria do conhecimento) e filosofia da música. Publicado na Folha, edição de hoje.

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