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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

sábado, 24 de outubro de 2009

Afinal, a Bienal ainda não aprendeu nada com a Bienal?


A Bienal de um não-lugar

Não se trata de defender a arte como função pedagógica, como quiseram Platão e Aristóteles, e muito menos de fazer proselitismo por uma perspectiva de arte engajada, como instrumento da revolução mundial, como quiseram os stalinistas, de resto, outro simulacro crivado de ideologia; mas da arte concebida como expressão alegórica e simbólica que parte do velho terreno do instituído para os novos horizontes do instituinte.

“Sem dúvida, o nosso tempo prefere a imagem à coisa, a cópia ao original, a representação à realidade, a aparência ao ser.” (Ludwig Feuerbach in Prefácio da segunda edição de A essência do cristianismo).

Reflitamos um pouco sobre a Bienal do Mercosul, que se realiza em Porto Alegre. É um evento muito importante, por isso precisamos avaliar a sua expressão e significado; sem entrar em méritos formalistas ou conteudistas, e muito menos fazer juízo de gosto. Que mensagens nos traz? Millôr diz que quem traz mensagens são os Correios, pois bem, que mensagens simbólicas (e essas os Correios jamais trarão) a 4ª Bienal de Artes Visuais do Mercosul podem nos oferecer. Mercosul? É em Porto Alegre ou no Mercosul? E Mercosul é uma geografia, um nome próprio de lugar? Não seria Cone Sul? Mercosul, até onde se sabe, tem a ver com mercado, com trocas comerciais de mercadorias e serviços, etc. Então, o que artes visuais e cultura tem a ver com mercado, ou com o nosso desmilingüido Mercado Comum do Cone Sul, apelidado de Mercosul?

Muita coisa, muito mais do que se pensa ou adivinha.

Para além de ser uma criação cultural, a arte é uma dimensão do pensamento do homem sobre si e sobre a natureza. Arte é, sobretudo, reflexão e expressão. Provoca, como diz Hegel, o “nosso juízo”, aguça o nosso sentido crítico, faz enxergar as contradições e até mesmo a essência das coisas, por trás das aparências. A arte é uma pedra de amolar a nossa intuição e a nossa percepção. Através da arte o nosso espírito faz malhação. Ficamos mais ativos (e menos passivos), mais agudos, mais negativistas (como antítese de positivista), mais afiados em face ao homem, à natureza, aos recortes da vida e à curva do tempo.

Mas será que podemos generalizar? Isso não é histórico, vale em qualquer tempo e lugar? Existe genuinidade e autenticidade nisso tudo? Tudo que se autonomeia “arte” é efetivamente arte? Jean Baudrillard diz que vivemos em um tempo de simulacro e semantização. Vivemos um tempo de falsificação e disfarce; um tempo de mudança no significado das palavras, dos enunciados e discursos. O excesso de realidade dissolveu o real. O real é um espaço inútil, cassado de realidade. A realidade não é o real, é uma representação do real, cujo objetivo é a produção de verdades (ideologia). As coisas engoliram seus espelhos. É a morte da ilusão, da imaginação e da criatividade.

Vivemos sob o império da lei do valor – seu ídolo e novo Moloch, a mercadoria. O dinheiro é a mercadoria divinizada do mundo globalitário. O sujeito central é o dinheiro - “a vida do que está morto se movendo em si mesma”, no dizer de Hegel.

Há mais de 50 anos, os estudos de Adorno-Horkheimer sobre o que eles denominaram indústria cultural já apontavam esse fenômeno da instrumentalização da obra de arte pela estrutura mercantil. O mercado – esse ente fantasmagórico, que desde o início do capitalismo tudo transforma, informa, desforma e conforma – adotou a obra de arte como mais um instrumento de realização da mercadoria. A arte esbatida em cálculo frio. A autonomia, condição da obra de arte genuína, perde-se nos desvãos heterônomos da imitação e do fingimento. Arte inautêntica, teu nome agora é kitsch, cuja função não é mais abrir portas fechadas, mas vagar errante por portas abertas. Sua espontaneidade e frescor estão corrompidos pela nova função social de valor de troca. Consome-se arte como se consome iogurte: com prazo de validade. É entretenimento e distração garantidos – ou o seu dinheiro de volta! Não é assim que os vendedores ambulantes operam o pregão?

A revolução burguesa promoveu o desencantamento do mundo substituindo o mito pela razão e a magia pela ciência. E a arte, até então aprisionada na jaula de ferro das finalidades mitológicas e religiosas, conquista a sua emancipação. Infelizmente uma conquista que não foi definitiva e nem duradoura. Vê-se novamente submetida, agora a uma segunda servidão. O state of the art da arte contemporânea é a reificação rebaixada da mercadoria. Ao perder sua “aura” (W. Benjamin), se coisifica em objetos seriados, de moda e consumo. É de bom tom associar uma marca comercial, industrial ou financeira à arte e à cultura em geral. É o velho mecenato com roupa nova. Agora, numa situação invertida: outrora, o mecenas promovia a arte, patrocinando o artista; hoje, o mecenas instrumentaliza a “arte” para promover-se a si próprio e a seus produtos mercantis. A obra de arte é uma coisa lateral ao negócio em si. Assim, o mecenato reduz-se a um composto de marketing. Não raras vezes, recebe incentivos do Estado, através de renúncia ou diferimento fiscal. O Estado arbitra em socializar o custo do financiamento da cultura-arte-mercadoria entre todos os contribuintes, em nome de uma transcendência que não logra mais se realizar. A viagem da realização do capital tem mais paradas hoje do que nunca. Em cada uma dessas paradas, o capital transfigura tudo ao seu redor.

Em novembro de 1967, Guy Debord já alertava que “a cultura tornada integralmente mercadoria deve se tornar mercadoria vedete da sociedade espetacular”; constatou, igualmente, que “a cultura deve desempenhar na segunda metade do século 20 o papel motor no desenvolvimento da economia, equivalente ao do automóvel na primeira metade e ao das ferrovias na segunda metade do século 19”. Para Debord, o “espetáculo” é o momento em que a mercadoria ocupou totalmente a vida social. Não apenas a relação com a mercadoria é visível, mas não se consegue ver nada além dela: “o mundo que se vê é o seu mundo”.

Não se trata de defender a arte como função pedagógica, como quiseram Platão e Aristóteles, e muito menos de fazer proselitismo por uma perspectiva de arte engajada, como instrumento da revolução mundial, como quiseram os stalinistas, de resto, outro simulacro crivado de ideologia; mas da arte concebida como expressão alegórica e simbólica que parte do velho terreno do instituído para os novos horizontes do instituinte. E o agente dessa viagem ao mundo do novo, ao mundo do admirável, do terrível, do sublime e do espantoso é o artista, que no dizer de Kant é um “animal incomparável”. O artista autêntico é o visionário do novo e o tradutor do hoje. Seu trabalho de criação é o de transfigurar a realidade para termos acesso a ela. Como lembra Marilena Chaui, o artista “desequilibra o instituído e o estabelecido, descentra formas e palavras, retirando-as do contexto costumeiro para fazer-nos conhecê-las numa outra dimensão, instituinte ou criadora”. O artista é o inventor criativo de um outro mundo: o mundo das formas e dos volumes, das cores e das massas, dos sons e dos gestos, dos ritmos e das palavras. Esse outro mundo ilusório é o espelho traduzido em rude caligrafia do nosso mundo sensível. Um espelho por vezes quebrado, onde os infinitos fragmentos refletem os enigmas do nosso tempo.

A Bienal de Porto Alegre (esse deveria ser o seu orgulhoso nome) é resultado das veleidades de uma instituição chamada Fundação Bienal de Artes Visuais do Mercosul, cuja direção toda ela é formada por empresários de diversos ramos de negócios do Sul. Não é por descuido que o presidente da Fundação seja um banqueiro; ainda que não seja um banqueiro “federal”, apenas um banqueiro “municipal”, como diria Drummond. De qualquer forma, é simbólico que um punhado de negociantes sejam os formuladores de uma exposição dessa natureza e calibre, e de que a denominem de um lugar utópico, um não-lugar, chamado Mercosul, e não Porto Alegre, o que seria mais justo e, sobretudo, mais poético. Visitando a exposição e verificando a capacidade expressiva dos seus artistas fica-se com uma sensação de hiato entre a exposição em si e seus proponentes da Fundação. Não há convergência, os caminhos acontecem em direções opostas.

Quem sabe a próxima edição da Bienal já ocorra sem o atual nome kitsch, para não dizer “fake”; e que a Fundação Bienal deixe de ser um clube de milionários municipais para universalizar os seus conceitos culturais e artísticos e proceder a um aggiornamento dos seus estatutos.

Afinal, a Bienal ainda não aprendeu nada com a Bienal?

Artigo de Cristóvão Feil, publicado originalmente no portal da Agência Carta Maior, no dia 24 de outubro de 2003. Escrito há seis anos, o artigo ainda está atualíssimo.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Grande Sister Rosetta!

Afeganistão é o império das drogas, da corrupção e do crime


Ex-deputada afegã, Malalai Joy, dá entrevista a jornal espanhol Público

"Não sei quantos dias de vida me restam" - disse num fio de voz Malalai Joy (foto), "mas até que me matem denunciarei aqueles que governam o Afeganistão com as mãos manchadas de sangue".

Admirada por uns, odiada por outros, esta corajosa defensora dos direitos humanos se converteu, com 31 anos, na pessoa mais jovem do Parlamento afegão. Mas, desobedecendo a vontade popular, a Assembleia expulsou-a dois anos depois por acusar alguns deputados de serem narcotraficantes, corruptos e misóginos [aversão às mulheres]. Hoje [terça-feira passada], recebe em Madri o Prêmio Juan María Bandrés pela Defesa do Direito de Asilo e a Solidariedade com os Refugiados.

Público: Será possível evitar os erros do primeiro turno, agora no segundo? Se ganhar, Karzai terá legitimidade?

Malalai Joy: Não. Estas eleições não serão consideradas legítimas pela maioria dos afegãos, nem com um turno, nem com dois, nem sequer com dez turnos, porque está se realizando sob a vigilância das armas, sob o império das drogas, da corrupção e do crime. Bem antes, tínhamos claro que o resultado das eleições não iriam mudar nada. Como dizemos no Afeganistão, quem for o escolhido será o mesmo burro com uma nova cadeira, porque o que importa não é quem vota, mas sim quem elege, quer dizer a Casa Branca.

Há diferença entre Karzai e Abdullah?

Quase nenhuma. Os dois representam o mesmo. Milhões de afegãos não votaram por estarem decepcionados, não só porque tinham medo das ameaças dos talebans. Outros, não se dispõem a votar enquanto não tem comida para levar a boca, quando estão dispostos a entregar seus filhos por dez dólares, porque não podem alimentá-los. Karzai não fez nada por eles. A comunidade internacional está perdendo dinheiro e derramando sangue no Afeganistão, respaldando um governo de criminosos corruptos e misóginos, e seguindo interesses dos Estados Unidos.

Que interesses têm os EUA?

Interesses econômicos e estratégicos relacionados com os recursos naturais e a repartição de áreas de influência com China e Rússia. A opinião pública espanhola tem que se opor a que seu dinheiro vá financiar uma ocupação interessada, que além disso mantém criminosos e narcotraficantes no poder em Kabul. A maioria dos afegãos queremos paz e democracia, mas não é possível impor isso a ponta de pistola.

Nunca pensaste em abandonar o Afeganistão?

Passei a minha infância e a minha adolescência em campos de refugiados no Irã e no Paquistão, mas voltei porque queria ajudar a construir um Afeganistão em paz, unir-me aos milhares de afegãos que já estavam lá, arriscando diariamente suas vidas pela paz. A esses é que deveriam dar o prêmio Nobel, não ao presidente Obama.

Íntegra da entrevista aqui (em espanhol).

PT quer MST para ajudar no programa de Dilma


Movimento é um dos convidados de encontro em SP para discutir governo

O PT convidou o MST e outros movimentos sociais para discutir o governo Lula e colaborar com a campanha e o programa de governo de Dilma Rousseff (Casa Civil) em 2010. A informação está na Folha, de hoje.

O movimento, objeto de uma CPI no Congresso, é um dos principais convidados de um "colóquio" com o PT neste fim de semana em São Paulo.

João Paulo Rodrigues, um de seus principais líderes, dividirá amanhã uma mesa de debates com o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, e o presidente da CUT, Artur Henrique. Dilma também estará no evento, em uma mesa separada.

Ontem, o PT reuniu seu GTE (Grupo de Trabalho Eleitoral) para definir os próximos eventos da candidatura Dilma.

Em 10 de novembro, o presidente do PT, Ricardo Berzoini, vai se reunir com os 27 presidentes estaduais do partido. Irá pressioná-los para priorizar a aliança pró-Dilma. Isso significa abrir mão de candidaturas a governador, vice e senador para aliados, sobretudo o PMDB.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

A flácida disposição do presidente Berzoini




Acomodação é a palavra de ordem petista

Hoje, achei uma pérola de desfadiga na web. Trata-se de uma minientrevista do senhor Ricardo Berzoini, presidente nacional do PT, a um jornalista do Uol/Folha. Está gravado no vídeo acima e dura apenas 45 segundos.

É revelador pelo que não diz e por um acento burocrático - quase enfastiado - da prosa. Fala o de sempre, diz que é "muito cedo para a campanha" e que "a tática eleitoral é para 2010". Não prova a menor disposição para mover uma palha sequer em favor da pré-candidata do seu próprio partido, a ministra Dilma Vana Rousseff.

Por isso, permanecem as questões que lançamos aqui, dias atrás: o quê faz o PT para promover a pré-candidata face aos ataques semanais que ela têm sofrido na mídia oligárquica e serrista? O PT está mesmo unido e coeso em torno da pré-candidata? O PT, seus dirigentes intermediários e regionais, conhecem de fato a pré-candidata? Que ações organizadas estão sendo desenvolvidas internamente para sustentar a campanha presidencial de 2010?

Observa-se de fora - como é o meu presente caso - que o lulismo está sendo cozinhado pelo petismo de resultados. Em fogo brando, constante e ainda numa frigideira sem óleo. Por enquanto.

De como os grandes anunciantes da mídia regulam as notícias veiculadas



A promiscuidade que achata a credibilidade de um jornal

Impacta e preocupa a notícia do jornal Zero Hora de ontem sobre a sonegação fiscal quase generalizada no setor supermercadista dos três estados do Sul. Cerca de 650 grandes varejistas estão implicados em fraude contra o ICMS, sendo que 190, só no Rio Grande do Sul. Segundo ZH, "a suspeita de fraude foi descoberta com o cruzamento de informações entre órgãos dos três Estados. O MP e as secretarias estaduais da Fazenda apuraram R$ 8,2 milhões em sonegação de Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) nos últimos cinco anos".

O fato é gravíssimo. Mas tem um agravante. Procurado pelo principal veículo da RBS, o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, jogou a responsabilidade dos crimes cometidos por muitos dos seus associados nas costas do consumidor e na figura incógnita do que ele chamou de "receptador":

– O problema é o receptador. A compra sem nota e a falta de exigência da nota pelo consumidor fazem com que processos como esse continuem existindo – disse o presidente da Agas ao ZH.

A decisão editorial de ZH em noticiar o fato é meritória, porque necessária, mas a matéria fica pela metade. Não precisa e nem nomina quem são os fraudadores do ICMS no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Não esclarece que figura é essa denominada "receptador", apontado pelo presidente da Agas. A palavra do líder dos supermercadistas mais confunde do que esclarece, além de desabar a culpa por crimes de fraude fiscal, que alcançam mais 8 milhões de reais, sobre o inocente consumidor que não estaria exigindo a nota na hora da compra. Um argumento frágil, desviante e mal intencionado.

Assim, uma matéria que começou bem - informando um crime contra o Estado e a economia popular - acaba amesquinhando-se nas explicações confusas e infantis de um líder empresarial do setor que mais anuncia nas páginas de ZH, os grandes varejistas supermercadistas. Uma prova evidente que a linha editorial de ZH é modulada pelo interesse dos seus maiores anunciantes - mesmo que estes estejam enredados numa trama de crime/castigo.

Fac-símiles parciais da edição de ontem de ZH.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Inacreditável, requentaram o feijão azedo de Lina Vieira


Direita está entrando em parafuso e PT fica contemplativo

Domingo, quando recebi a Veja (que não assinei, repito, mas é mandada graciosamente pelo grupo Abril/Civita), notei que estavam requentando o feijão azedo do caso Lina Vieira e pautando a agenda "política" da semana entrante. Segunda-feira, ontem, não deu outra: no Jornal Nacional da Globo vi o inefável senador potiguar Fulano de Tal Maia, do DEM, com aquela voz monocórdia e nariz tapado, proclamar que tudo deve ser novamente investigado. É o caso Lina Vieira que está voltando, na falta absoluta do que criticar - pela direita - o governo Lula e a pré-candidata Dilma Rousseff. Uma ação orquestrada!

Esse fato demonstra cabalmente que a direita brasileira está à beira de um ataque de nervos. O ano eleitoral de 2010 se aproxima e a midiocracia, a oposição parlamentar, as velhas classes oligárquicas, o lumpesinato de classe média e média-alta que circula no bas-fond que restou de século 19 dos nossos dias estão entrando em desespero.

Eles olham para o "vibrante" governador José Serra (que disposição!) e não vêem nenhuma perspectiva de futuro. E a cada dia, o chão foge dos seus pés virados para trás.

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A intenção da direita é primária: borrar simbolicamente a imagem da pré-candidata de Lula, de preferência com letras em piche, dizendo-a mentirosa, falsa, etc.

Enquanto isso, o PT faz o quê? Vai deixar a pré-candidata exposta à ira demoníaca da direita? Que movimentos está fazendo o Partido dos Trabalhadores para oferecer resistência à insanidade da direita? Que ações promove o Partido dos Trabalhadores para passar uma imagem positiva da pré-candidata? Ou o Partido dos Trabalhadores está igualmente acreditando que a pré-candidata não é tudo o que Lula pensa dela? A direção nacional do PT suspeita que Lula está enganado?

O Partido dos Trabalhadores precisa mostrar de que lado está, afinal. O tempo ruge.

Fac-símile da página 80 da revista Veja desta semana.

A "era dos movimentos sociais" teria terminado no Brasil?


Fim da era dos movimentos sociais brasileiros

Entre muitas divergências, há um consenso entre estudiosos dos movimentos sociais: todos são formados a partir de espaços não consolidados das estruturas e organizações sociais. Ocorre que, nos anos 1990, muitos movimentos sociais se institucionalizaram.

Diversos ensaios recentes revelam essa forte institucionalização e segmentação política e social nas experiências associativas, além de avaliar o processo de participação social nas experiências de gestão participativa (como a do orçamento participativo).

Mesmo na América Latina, vários estudos (como o de Christian Adel Mirza, "Movimientos sociales y sistemas políticos en América Latina", publicado pelo Clacso) relacionam nitidamente aquele conceito de movimento social (não institucionalizado) com o Estado e instituições políticas dos países do continente.

Fica a dúvida: a "era dos movimentos sociais" teria terminado no Brasil? A fragmentação social em curso e a ampliação da participação da sociedade civil no interior do aparelho do Estado teriam reformatado o que antes denominávamos "movimentos sociais"? Os movimentos sociais brasileiros são representações ou parte integrante de anéis burocráticos de elaboração de políticas públicas?

Segundo o IBGE, 75% dos municípios brasileiros adotam alguma modalidade de participação da sociedade civil na determinação de prioridades orçamentárias na área social.

Motivados ou premidos pelas exigências constitucionais, pelos convênios com órgãos federais (dados importantes fornecidos pelo IBGE revelam que governadores e ministérios lideram a criação de conselhos de gestão pública paritários, muito acima das ações de prefeitos brasileiros) e Ministério Público, prefeitos de todo o país institucionalizam (e, muitas vezes, traduzem ou interpretam a partir de seu ideário peculiar) vários mecanismos de gestão participativa na deliberação de políticas locais.

Se localidades rurais, conselhos de desenvolvimento rural sustentável, de meio ambiente ou de bacias hidrográficas pululam. Se localidades urbanas, conselhos de saúde, assistência social e direitos da criança e do adolescente proliferam. Onde estariam os movimentos sociais que antes exigiam inclusão social e fim da marginalização política?

Estão todos nesses conselhos e nas novas estruturas de gestão pública. Ao ingressarem no mundo e na lógica do Estado, poderiam construir uma nova institucionalidade pública. Porém, foram engolidos pela lógica da burocracia pública.

A multiplicação das conferências de direitos não foram incorporadas às peças orçamentárias na maioria dos entes federativos. Não alteramos a lógica de funcionamento e de execução orçamentária efetivamente.

O aumento da participação da sociedade civil na gestão pública também não ensejou mudança na estrutura burocrática altamente verticalizada e especializada do Estado brasileiro nas três esferas executivas.

Enfim, o ideário anti-institucionalista dos movimentos sociais brasileiros dos anos 80 converteu-se ao ideário do Estado que atacavam. Talvez por inconsistência teórica e programática, pautados pela mera negação ou pelo sentimento de injustiça. Mas, talvez, por excesso de partidarização dos movimentos sociais.

Nos anos 80, não por coincidência, Frei Betto sugeria que sindicatos, partidos e organizações sociais eram ferramentas do que denominava "movimento popular".

Tal concepção fomentou a criação da Anampos, organização nacional que articulava sindicatos de oposição à estrutura oficial do sindicalismo nacional e movimentos sociais. O mundo sindical achou caminho alternativo ao ideário dos movimentos sociais e se afastou da Anampos.

E os movimentos sociais?

Nos anos 90, eles se atiraram na tarefa de formalizar as estruturas de gestão pública participativa conquistadas na Constituição de 1988. Mas, a partir das estruturas criadas e com a eleição de Lula (o ícone do ideário dos anos 80), suas lideranças subsumiram à lógica do Estado. E não conseguiram mais se livrar dela. Basta analisarmos as pautas das conferências nacionais de direitos. São, com raríssimas exceções, a agenda definida pelo governo federal.

Compreendo que esse é o cenário montado para o drama que se desenrola nos últimos dias quanto ao futuro do MST. Evidentemente, a organização popular mais poderosa do país, a única que ainda consegue gerar mobilizações sociais de massa, está se isolando politicamente.

Isola-se a partir do governo que ajudou a desenhar, mesmo que apenas no seu esboço mais geral. E se isola porque seus aliados de antes estão imersos nos escaninhos do Estado.

Artigo do sociólogo Rudá Ricci, doutor em ciências sociais e membro do Fórum Brasil de Orçamento e do Observatório Internacional da Democracia Participativa. Publicado hoje na Folha.

Estado tem que pedir desculpas pelas torturas e mortes do regime civil-militar


Brasil é o único país da AL que ainda não revisou o seu passado ditatorial

O Brasil deve completar a sua história com a busca de dados que esclareçam os pontos ainda obscuros sobre a prática de tortura no Brasil, localizar e identificar os restos mortais dos desaparecidos políticos e dar nomes aos responsáveis pelas violações dos direitos humanos, defendeu ontem o ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi. A informação é da Agência Brasil.

Vannuchi lembrou ainda que o país ainda não reconheceu formalmente a prática de tortura e nem pediu desculpas às vítimas, apesar de ter criado duas comissões para tratar do assunto: a da anistia e a especial sobre os mortos e desaparecidos políticos. “Em nenhum desses casos, houve ainda a recuperação histórica de reconstruir e de reconhecer formalmente, enquanto Estado, que ocorreu isto [tortura e morte], e, o Estado, de pedir desculpas e demonstrar [a existência] de estruturas que garantam a não repetição dessas violências nunca mais”.

Vannuchi acha que os esclarecimentos são necessários para que o país tenha melhores condições de enfrentar a violência que ainda ocorre hoje. “A impunidade realimenta [atos de violência] porque as pessoas torturam e falam que nunca houve um torturador condenado no Brasil. E quando começa haver a condenações por tortura, o torturador para de torturar por medo da punição”, afirmou.

O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República participou ontem da Conferência Internacional sobre o Direito à Verdade, promovido pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP). No encontro foi defendida a criação de uma comissão federal sobre as violações aos direitos humanos no período da ditadura militar.

Parlamentar petista paga pedágio ao paleojornalismo


Pode?

É de lamentar que parlamentares do campo popular e democrático (pero no mucho) ainda precisem desse expediente para se comunicar com a sua base eleitoral: usar a mediação da mídia oligárquica como método privilegiado de informar e expor as suas atividades congressuais.

Como não existe almoço grátis, também não existe divulgação sem pedágio. O custo não está calculado em moeda líquida, mas em informação, moeda igualmente valiosa e solvente no mundo da política convencional.

Admira que alguém que se tenha como politizado mantenha relação subalterna com o paleojornalismo de Ana Amélia Lemos, a geromusa do agronegócio e da transgenia. O caso se agrava quando sabemos das oportunidades que as novas tecnologias nos oferecem para criar e manter laços variados (sociais, políticos, comunitários, eleitorais, etc.) com pessoas, grupos e instituições usando os meios e recursos dos blogs, twitter, portais de relacionamento e outros. O custo econômico é quase nulo, o pedágio político-ideológico é zero e a submissão moral, inexistente.

Tem uma fábula, acho que é do La Fontaine, cuja conclusão moral é a seguinte: "Raposa que muito vai ao moinho beber água, tanto vai, que perde o focinho". Ou seja, perdem as suas feições, se despersonalizam, desfiguram a identidade.

Coisas da vida.

Fac-símile parcial da página 17 do jornal Zero Hora, edição de hoje, 20/out/2009.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Yeda gastou 168 milhões em 2008 com a rubrica "gestão de imagem"


Os gastos, além de abusivos, são inconstitucionais

Deu no Estadão, de sexta passada, 16/10:

TCE aponta irregularidades em gastos de publicidade de Yeda

Um parecer do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) sobre a prestação de contas de 2008 do governo Yeda Crusius apontou irregularidades nos gastos com publicidade, que atingiram a cifra de R$ 168,358 milhões. Entre os pontos criticados pelo órgão, está o constante aumento de participação de empresas estatais no total da verba.

O Ministério Público de Contas do RS - órgão vinculado ao TCE - considerou irregular a suplementação das despesas com publicidade das empresas estatais em 102,66%. Isso significa que dinheiro destinado para outras áreas foi usado para aumentar o orçamento da comunicação.

Conforme a Constituição Estadual, é preciso que o governo tenha a autorização da Assembleia Legislativa para executar esse tipo de ação, o que não aconteceu. [...]

Gestão de imagem

Uma das modalidades mais polêmicas dos gastos das estatais em publicidade é o patrocínio a jornalistas locais através de anúncios em sites e blogs para "melhorar a imagem do governo", como afirmam fontes ligadas a essas
empresas.

De acordo com um publicitário gaúcho que prefere não se identificar, "a defesa que alguns destes jornalistas fazem da governadora chega a ser constrangedora".


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Um passarinho barnabé contou-me que em 2008 os gastos da Assembleia Legislativa/RS com blogs e portais de jornalistas manjados da praça excederam os 600 mil reais/mês. Não por acaso, os blogueiros fazem parte do rentável campo conservador/direitoso do RS.

O presidente da AL em 2008 era o deputado Eliseu Moreira da Silva (PMDB), muito ligado ao deputado federal Alceu Padilha - ambos militantes do yedismo de resultados.

O incômodo censo agropecuário


Apesar de bem sucedida, a agricultura familiar tende a desaparecer pela crescente concentração da terra e os anêmicos recursos do governo federal

O último censo agropecuário trouxe verdades incômodas, que atiçaram a ira do agronegócio brasileiro.

Afinal, a pobre agricultura familiar, com apenas 24,3% (ou 80,25 milhões de hectares) da área agrícola, é responsável “por 87% da produção nacional de mandioca, 70% da produção de feijão, 46% do milho, 38% do café , 34% do arroz, 58% do leite, 59% do plantel de suínos, 50% das aves, 30% dos bovinos e, ainda, 21% do trigo. A cultura com menor participação da agricultura familiar foi a soja (16%).

O valor médio da produção anual da agricultura familiar foi de R$ 13,99 mil, segundo o IBGE.

Quando se fala em agricultura orgânica, chega a 80%. Além do mais, provou que tem peso econômico, sendo responsável por 10% do PIB nacional.

Acontece que a agricultura familiar, além de ter menos terras, tem menos recurso público como suporte de suas atividades. Recebeu cerca de 13 bilhões de reais em 2008 contra cerca de 100 bilhões do agronegócio. [Assim, no jogo político pelas verbas federais, o Ministério da Agricultura está goleando o Ministério do Desenvolvimento Agrária pelo escore de 100 a 13. Um "chocolate", como se diz na linguagem do futebol.]

Portanto, essa pobre, marginal e odiada agricultura tem peso econômico, social e uma sustentabilidade muito maior que os grandes empreendimentos. Retire os 100 bilhões de suporte público do agronegócio e veremos qual é realmente sua sustentabilidade, inclusive econômica. Retire as unidades familiares produtivas dos frangos e suínos e vamos ver o que sobra das grandes empresas que se alicerçam em sua produção.

Mas, a agricultura familiar continua perdendo espaço. A concentração da terra aumentou e diminuiu o espaço dos pequenos. A tendência, como dizem os cientistas, parece apontar para o desaparecimento dessas atividades agrícolas.

Porém, saber produzir comida é uma arte. Exige presença contínua, proximidade com as culturas, cuidado de artesão. O grande negócio não tem o “saber fazer” dessa agricultura de pequenos. E, bom que se diga, não se constrói uma cultura agrícola de um dia para o outro. A Venezuela, dominada secularmente por latifúndios, não é auto suficiente em nenhum produto da cesta básica. Exporta petróleo para comprar comida. Chávez, ao chegar ao poder, insiste em criar um campesinato. Mas está difícil, já que a tradição é fundamental para haver uma geração de agricultores produtores de alimentos.

O Brasil ainda tem – cada vez menos – agricultores que tem a arte de plantar e produzir comida. No Norte e Nordeste mais a tradição negra e indígena. No Sul e Sudeste mais a tradição européia de italianos, alemães, polacos, etc. É preciso ainda considerar a presença japonesa na produção de hortifrutigranjeiros nos cinturões das grandes cidades.

Preservar esses agricultores é preservar o “saber fazer” de produtos alimentares. Se um dia eles desaparecerem, o povo brasileiro na sua totalidade sofrerá com essa ausência. Para que eles se mantenham no campo são necessárias políticas que os apóiem ostensivamente, inclusive com subsídio, como faz a Europa.

Do contrário, se dependermos do agronegócio, vamos comer soja, chupar cana e beber etanol.

Artigo de Roberto Malvezzi, assessor da Comissão Pastoral da Terra (CPT), colaborador e articulista do portal EcoDebate.

Fome vai atingir recorde de 1 bilhão de pessoas em 2009, diz FAO


A calamidade é um recorde histórico

O número de pessoas que passam fome no mundo chegará neste ano ao recorde histórico de 1 bilhão, segundo a projeção mais atualizada da FAO, o braço da ONU para a agricultura e alimentação, divulgada na última sexta-feira, 16/10. A informação é da BBC Brasil.

A situação, que a organização descreve como "uma combinação perigosa de desaceleração econômica e preços de alimentos que insistem em se manter alto em muitos países", deve fazer com que 100 milhões de pessoas sejam empurradas para baixo da linha da pobreza.

"Embora importante progresso tenha sido obtido para reduzir a fome crônica na década de 1980 e na primeira metade de 1990, a fome aumentou inexoravelmente durante a última década", diz a organização.

"O número de famintos aumentou entre 1995-97 e 2004-06 em todas as regiões do mundo, exceto na América Latina e no Caribe", acrescenta a FAO. "Mas inclusive nesta região os progressos históricos na redução da fome foram anulados como consequência da alta dos preços dos alimentos e da atual crise econômica."

Segundo o relatório, "a crise econômica se produz como continuação da crise alimentar e energética de 2006-08".

"Em termos reais, os preços têm permanecido em média 24% acima dos de 2006", acrescenta a entidade. "Para os consumidores pobres, que gastam até 60% de sua renda em alimentos básicos, isso significa efetivamente uma forte redução de seu poder aquisitivo."

A organização ressalta que os países pobres e em desenvolvimento são, de longe, os que mais abrigam desnutridos.

E eles são também os mais vulneráveis à crise global: os investimentos direcionados a eles devem cair 32% neste ano (segundo o FMI), assim como o volume de remessas de estrangeiros (entre 5% e 8%, de acordo com o Banco Mundial).

O relatório diz que soma-se a isso uma queda no volume do comércio mundial (entre 5% e 9%, segundo o FMI e a OMC) e a redução no volume de ajuda internacional.

"Não podemos ficar indiferentes à situação atual de insegurança alimentar no mundo", alertou o diretor-geral da FAO, Jacques Diouf. Ele também pediu mais mecanismos para elevar a produtividade agrícola dos países pobres.

"Esta crise silenciosa da fome, que afeta um em cada seis seres humanos, representa um sério risco para a paz e a segurança mundiais", acrescentou.

Segundo a FAO, muitos dos que passam fome vivem no campo - mas serão os pobres da cidade que, afetados duramente pela piora da situação econômica e pelo aumento do desemprego, terão dificuldades de fazer frente à recessão mundial.

A FAO estima que 642 milhões de pessoas passem fome na região da Ásia e Pacífico. A África Subsaariana possui 265 milhões de pessoas com fome.

Em seguida, vêm a América Latina e Caribe (53 milhões), África do Norte e Oriente Médio (42 milhões) e os países desenvolvidos (15 milhões).

Que coisa se esconde na guerra no Afeganistão?


Oito anos depois, uma questão difícil de responder

A extração de urânio? O oleoduto transafegão? A posição geo-estratégica? Ou talvez o controle do tráfico de drogas? Por que, faz exatamente oito anos, os Estados Unidos e os seus aliados invadiram e ocuparam o Afeganistão? Que interesses se ocultam por trás das explicações oficiais desta guerra? As hipóteses formuladas em todos estes anos são muitas, porém nenhuma suficientemente convincente. À exceção de uma, ainda que muito difícil de provar.

Os recursos energéticos. Num relatório publicado em dezembro de 2000 no sitio web da EIA-Energy Information Administration, o organismo de estatística do Departamento de Energía de Estados Unidos (que foi retirado de imediato), o Afeganistão é apresentado como um país com escassos recursos energéticos (nunca explorados) que, segundo dados que remontam ao período da ocupação soviética, consistem em reservas de petróleo de 95 milhões de barris (concentradas na zona de Herat), depósitos de gás natural de 5 bilhões de pés cúbicos (em Shebergan), mais 400 milhões de toneladas de carvão (entre Badakshan e Herat). São recursos demasiado pequenos para justificar uma invasão militar cujo custo até à data, só para os Estados Unidos, é de quase 230 mil milhões de dólares.

Muitos no Afeganistão falam de jazidas de urânio no deserto da província meridional de Helmand, região onde o controlo e a exploração estariam no centro de uma dura disputa entre forças norte-americanas e britânicas. Porém, por ora, esta história não teve nenhuma confirmação.

O oleaduto transafegão. Muitos afirmam que é a verdadeira motivação que levou os Estados Unidos a invadir o Afeganistão em 2001. O projeto de construir um conduto de 1.680 quilômetros de comprimento para transportar gás de Dauletabad no Turquemenistão até ao Paquistão através do Afeganistão ocidental (Herat e Kandahar) foi iniciado em 1996 pela companhia petrolífera norte-americana Unocal (para a qual trabalharam tanto Hamid Karzai como Zalmay Khalizad) em cooperação com o regime taliban (em 1996 a Unocal abriu escritórios em Kandahar e no ano seguinte membros do governo taliban foram recebidos nos EUA). A ideia foi abandonada em finais dos anos 90 à espera que “a situação política e militar no Afeganistão melhore” (fonte: EIA, dezembro de 2000). Dada a impossibilidade de abrir o corredor sul da Ásia, o Ocidente optou pelo Cáucaso meridional, e em 2006 inaugurou um gasoduto que transporta gás do Turquemenistão para a Turquia através do Mar Cáspio, Azerbeijão e Geórgia ( e que a partir de 2015 se ligará com o gasoduto Nabuco).

O projeto do gasoduto afegão, sem dúvida, não é abandonado. Os três países envolvidos voltam a estudá-lo a partir de 2002, e em abril de 2008 firmam um acordo com a Índia que prevê a abertura do oleaduto em 2018 (previsão excessivamente otimista, segundo os analistas do setor). Para financiar o projecto (7.600 milhões de dólares) conta-se com o Banco Asiático de Desenvolvimento (de que os Estados Unidos e o Japão são os principais accionistas). As empresas petrolíferas interessadas são estadonidenses, britânicas e canadenses. Embora importante, parece arriscado identificar este projeto – de muito difícil realização e superado por outras rotas – o motivo da ocupação continuada do Afeganistão pelas tropas ocidentais.

O interesse estratégico. O Afeganistão tem a desgraça de estar no coração do continente asiático, numa posição estratégica que permite a quem controle o país monitorar de perto todas as potências nucleares da região: China, Rússia, Índia e Paquistão; e completar o cerco ao Irã, país que em caso de guerra com os Estados Unidos se enfrentaria com um ataque em duas frentes: Iraque e Afeganistão.

Sem dúvida, segundo muitos analistas militares, a vontade norte-americana de controlar o Afeganistão deve ser lida, sobretudo, como chave de contraposição à China, considerada pelo Pentágono como a maior ameaça potencial à hegemonia militar e econômica mundial para os EUA, não apenas na Ásia mas também no Médio Oriente, África e na América Latina. Uma ameaça que se tornou mais real depois da criação, em junho de 2001, da Organização de Cooperação de Shangai (OCS), que reúne a China, Rússia, as Repúblicas da Ásia Central, e brevemente, talvez incluindo o Irã. E que no futuro, dada a sua integração gradual com a Organização do Tratado de Segurança Colectiva (OTSC), a aliança político- militar liderada pela Rússia, poderia estender a sua influência até à Europa Oriental (Bielorússia) e ao Cáucaso (Armênia), convertendo-se, para todos os efeitos, numa aliança contraposta a uma NATO liderada pelos EUA. Um Afeganistão debaixo do controle norte-americano é uma faca apontada nas costas da China, em particular pela sua aproximação de Xinjiang, uma região ríquissima em petróleo e desestabilizada pelo nacionalismo Uigur (com sustentação tradicional da CIA). A importância geoestratégica do Afeganistão é inegável e tem desempenhado certamente um papel importante na decisão dos EUA de ocupar o país e estabelecer aí bases militares permanentes.

O negócio das drogas. Porém, talvez por trás da guerra no Afeganistão se escondam interesses ainda maiores e mais inconfessáveis: os relacionados com o controle do tráfico mundial de heroína, um dos negócios mais rentáveis do planeta, com um volume de negócios anual estimado em redor de 150 bilhões de dólares por ano.

Não é nenhum segredo que o auge da produção de ópio e heroína nos anos 70, no chamado Triângulo Dourado (Laos, Birmânia e Camboja) foi dirigido pela CIA, que com o produto das operações de tráfico de droga financiava as suas operações anti-comunistas no Sudoeste Asiático. O mesmo sistema – igualmente bem conhecido – foi adotado pela CIA nos anos 80 na América Latina, para financiar com o produto da cocaína, a guerrilha anti-sandinista dos Contra na Nicarágua, e no Afeganistão, com as receitas obtidas com a heroína, a resistência anti-soviética dos Mujahedins.

No Afeganistão o negócio continuou também nos anos 90 e incrementou-se com a chegada ao poder dos Talibans, com o conhecido apoio da CIA. Até ao ano 2000, quando o mulah Omar, a fim de obter apoio internacional para o seu regime, decidiu proibir a produção de ópio, que em 2001 caiu para níveis próximos de zero!

Uma produção que no Afeganistão “libertado e controlado pelos militares e serviços secretos dos EUA se reaviva a ritmo intenso desde 2002 (quando os talibans ainda não haviam regressado) pulverizando todos os recordes históricos e transformando em poucos anos este país da Ásia meridional no principal produtor de heroína do mundo (93% da produção mundial). Uma situação que as forças armadas dos EUA presentes no Afeganistão se têm negado sistematicamente a enfrentar, afirmando que este “não é o seu trabalho” e deixando-o em mãos do governo marionete de Kabul. Segundo um número cada vez maior e mais heterogênio de especialistas e pessoas bem informadas, a CIA haveria sub-contratado a produção e processamento da heroína ao narco-Estado encabeçado por Karzai, protegendo pela sua parte as rotas de evacuação por via terrestre (Paquistão, Irã e Tadjiquistão) e gerindo diretamente os despachos por via aérea para o exterior.

Uma nova Air América? [Linha aérea norte-americana estabelecida em 1946, propriedade da Agência Central de Informações (CIA) e gerida pela sua Divisão de Operações Especiais, responsável pelas atividades secretas da Companhia, desde 1950 até 1976.] Segundo uma investigação realizada pelo canal de televisão russo Vesti, a heroína afegã sai do Afeganistão a bordo de aviões de transporte militar dos Estados Unidos diretamente das bases de Ganci no Kirguistão, e de Inchirlik na Turquia. E segundo escreveu no The Gardian o jornalista afegão Nushin Arbabzadah, amiúde escondida em caixões de militares norte-americanos, cheios de droga em vez de cadáveres. “Creio que é possível que isto suceda, embora não o possa provar”, comentou diplomaticamente o embaixador russo em Kabul, Zamir Kabulov.

O jornalista russo Arkadi Gubnov, do jornal Vremya Novostei, fez pública uma informação proporcionada por uma fonte dos serviços secretos afegãos, e escreveu: “cerca de 85% de toda a droga produzida no Afeganistão é transportada para o exterior pela aviação norte-americana”. No verão passado, o general russo Mahmut Gareev, ex-comandante das tropas soviéticas no Afeganistão, declarou ao canal Rússia Today: “Os estadonidenses não fazem nada contra a produção de droga no Afeganistão porque ela lhes proporciona, pelo menos, 50 bilhões de dólares por ano. Não é mistério nenhum que os estadonidenses transportam a droga nas suas aeronaves militares para o estrangeiro”.

O jornalista norte-americano Dave Gibson, do NewsMax, citou uma fonte anônima dos serviços de informações dos EUA afirmando que “a CIA sempre esteve envolvida no tráfico mundial de drogas, e no Afeganistão simplesmente levam a cabo o seu negócio favorito, como fizeram durante a guerra do Vietnam”.

O economista russo Mikhail Khazin disse numa entrevista que “os estadonidenses trabalham no duro para manter o tráfico de estupefacientes no Afeganistão através das garantias de segurança qua a CIA dá aos traficantes de drogas locais".

"Os Estados Unidos não se opõem ao narcotráfico afegão para não pôr em causa a estabilidade de um governo apoiado pelos principais traficantes de droga no país, começando pelo irmão de Karzai” - escreve o famoso jornalista norte-americano Eric Margolis no The Huffington Post.

“O que sucedeu no passado na Indochina e na América Central indica que a CIA poderia estar implicada no tráfico de drogas afegãs numa medida maior do que a que já sabemos. Em ambos os casos, os aviões da CIA transportavam drogas para o estrangeiro em nome dos seus aliados locais, e o mesmo pode estar ocorrendo no Afeganistão. Quando a história desta guerra estiver escrita, a sórdida participação de Washington no tráfico de droga afegã será um dos capítulos mais vergonhosos.

Narco-dólares para salvar os bancos em crise? Antonio Maria Costa, diretor geral dos escritórios das Nações Unidas contra a Droga e o Crime (ONUDD), numa entrevista ao semanário austríaco Profil declarou:

“O narcotráfico é a única indústria em crescimento. Os lucros são reinvestidos só parcialmente em atividades ilegais, o resto do dinheiro é colocado na economia legal mediante operações de branqueamento. Não sabemos quanto, porém o volume é impressionante. Isto significa a entrada de capital de investimento. Há indícios de que estes Fundos também acabaram no setor financeiro, que está debaixo de evidente pressão desde a segunda metade do ano passado (devido à crise financeira mundial). O dinheiro do tráfico de drogas é atualmente o único capital líquido disponível para investimento. Na segunda metade de 2008, a liquidez era o principal problema do sistema bancário, daí que este capital efetivo se tenha convertido num fator importante. Parece que os empréstimos bancários têm sido financiados com dinheiro que provém do narcotráfico e de outras atividades ilegais. É, obviamente, difícil de provar, porém há indícios de que alguns bancos se salvaram por estes meios”.

Artigo de Enrico Piovesana

Pescado aqui: "Enrico Piovesana – Peace Repórter – “Cosa si nasconde dietro la guerra in Afghanistan?



sábado, 17 de outubro de 2009

Serra lança banda larga tabajara em São Paulo


Serviço do governador tucano seria desaprovado pela União Internacional de Telecomunicações

O pacote de banda larga "popular" anunciado anteontem pelo governador de São Paulo, José Serra, não passaria pelo critério de banda larga definido pela UIT (União Internacional de Telecomunicações), órgão ligado às Nações Unidas. A informação é da Folha, de hoje (insuspeita, por se tratar de um jornal serrista).

A instituição considera banda larga a velocidade de transmissão de dados superior a 256 Kbps (kilobits por segundo). Pelo decreto do governador, a oferta de banda larga para a baixa renda admite velocidade mínima de 200 Kbps.

A Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) não tem uma norma definindo a velocidade mínima da banda larga. A agência considera usuários de banda larga todos aqueles com acesso acima de 64 Kbps, velocidade das conexões discadas.

No entanto, a Anatel envia para a UIT informações destacadas sobre o total de usuários acima de 256 Kbps para as estatísticas internacionais.

Em nota, o governo do Estado afirma que "o Brasil não tem regulamentação que indique qual a velocidade mínima para uma conexão ser classificada como banda larga" e que a definição da UIT é polêmica.

Mulheres Camponesas completam 20 anos de organização no RS


Encontro está acontecendo em Palmeira das Missões

O Movimento de Mulheres Camponesas realiza, neste final de semana em Palmeira das Missões (RS), um encontro para marcar seus vinte anos de luta organizada. Hoje, terão painéis que debatem a realidade no campo, a agricultura camponesa e a participação das mulheres. Às 17h, será lançado o livro "Mulheres: Resistência e Luta em Defesa da Vida".

Amanhã, domingo, terá uma feira de produtos coloniais das dez horas da manhã às trêss da tarde. A entrada na feira é franca. As atividades acontecem no Parque Municipal de Exposições de Palmeira das Missões. A informação é da Agência Chasque.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A mídia não informou tudo sobre o Nobel de Economia deste ano


Professora premiada quebra paradigmas consagrados pelo pensamento neoliberal das últimas três décadas

O chamado Prêmio Nobel de Economia de 2009 mereceu destaque parcial porque foi destinado a uma mulher, mas a mídia brasileira e mesmo a internacional não ressaltaram com a devida ênfase o objeto dos estudos da premiada, a professora Elinor Ostrom (foto), da Universidade de Indiana (EUA).

O Prêmio Nobel de Economia, criado em 1969, foi concedido pela primeira vez a uma mulher. Elinor Ostrom, de 76 anos, doutora em ciência política e pesquisadora em gestão de recursos por comunidades. Ela dividiu o prêmio com Oliver Williamson, de 77 anos, professor da Universidade da Califórnia e doutor em economia. Ele estuda tomadas de decisão em empresas.

No ano da crise estrutural do capitalismo financeiro, o comitê de Estocolmo deixou de lado trabalhos focados em macroeconomia e em modelos abstratos.

Os vencedores desenvolveram pesquisas de campo que procuram compreender como as pessoas cooperam entre si fora dos mercados convencionais. Um dos fatores em comum entre os trabalhos é a questão da regulação.

Para o comitê do prêmio Nobel de Economia, que a rigor é instituído pelo Banco Central da Suécia (poucos sabem dessa importante condição), embora a teoria econômica tenha iluminado de forma abrangente as virtudes e as limitações dos mercados, tradicionalmente prestou menos atenção aos arranjos institucionais de iniciativa das comunidades interessadas.

O trabalho de Ostrom tem implicações em políticas ambientais e questões relacionadas ao aquecimento global. Seu trabalho derruba a tese de que, quando as comunidades administram recursos ou bens finitos, acabarão por destruí-los, e que o melhor seria uma regulação centralizada ou a privatização.

Com base em exemplos de gestão de áreas de floresta, suprimento de água e pastagens para animais no meio rural, Ostrom comprovou que a gestão comunitária pode ter resultados melhores do que o previsto pelo pensamento hegemônico.

Em entrevistas, a professora premiada comentou seu trabalho: "Desde que nós descobrimos que algumas vezes os burocratas não têm as informações corretas, enquanto cidadãos e usuários dos recursos têm, nós esperamos que isso ajude a encorajar um senso de capacidade e de poder" das comunidades organizadas.

Na prática, o trabalho de Ostrom indica que políticas públicas, principalmente ambientais, têm mais resultados quando são baseadas na colaboração entre as partes, e não na simples imposição de regras ou o cumprimento de critérios privatistas de gestão - conforme ficou consagrado nos últimos trinta anos de hegemonia cultural do neoliberalismo.

Em um trabalho de 2006, afirma que, quando os usuários estão engajados nas decisões referentes a regras que afetam a maneira como usam os recursos, a probabilidade de seguirem o que foi definido e monitorarem os outros é bem maior do que quando uma autoridade simplesmente impõe normas.

Os leilões do pré-sal devem terminar


Governo Lula precisa ser coerente com o próprio marco regulatório que propôs

As divergências entre as propostas defendidas pelo Instituto Brasileiro de Petróleo Gás e Biocombustíveis (IBP) e pela Associação dos Engenheiros da Petrobras deram o tom da audiência pública na comissão especial criada para discutir o projeto de criação da Petro-sal que ficará encarregada da gestão dos contratos de partilha na exploração de petróleo da camada pré-sal. A informação é da Agência Brasil.

Enquanto o IBP defende a flexibilização do controle do governo sobre as questões que, segundo o presidente do instituto, João Carlos de Luca, podem chegar ao dia a dia da produção, o presidente da Associação de Engenheiros da Petrobras, Fernando Leite Siqueira, chegou a apresentar a proposta de fim dos leilões. Segundo Siqueira, a Petrobras tem condições e deve explorar sozinha o petróleo do pré-sal como forma de garantir que o “povo brasileiro seja o verdadeiro dono da riqueza”.

“Não há nenhuma razão para se continuar com os leilões. A Petrobras não tem complicação financeira alguma, não tem gargalo tecnológico. Os projetos que o governo enviou ao Congresso Nacional representam um avanço”, disse Siqueira que se posicionou contrário à criação da estatal com o único objetivo de realizar e gerenciar os leilões.

O presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras disse que "os projetos representam avanços na medida em que preveem mudança do contrato de concessão para partilha, que colocam a Petrobras como a única operadora de todos os blocos". Na avaliação de Siqueira outro avanço dos projetos é a criação do fundo social, que "além de ser uma poupança para o futuro ajudará a resolver muitos problemas internos atuais do Brasil". Ele só não considera necessário criar uma estatal para cuidar dos leilões. "Acho que não deveria nem ocorrer esses leilões”, disse.
Siqueira classificou como uma "falácia" a argumentação defendida pelo IBP (uma espécie de braço sindical das big oil mundiais) de que outras empresas exploradoras de petróleo poderiam contribuir para o aperfeiçoamento tecnológico do processo de produção. Ele destacou o “pioneirismo da Petrobras na exploração de petróleo em águas profundas e o desenvolvimento atual de tecnologias para vencer as baixíssimas temperatura nas camadas mais profundas das áreas de explorações. “A vantagem é que a Petrobras tem e é ela que sabe como usar essas tecnologias. Não há gargalo tenológico que a Petrobras não possa vencer e que as outras empresas podem. Isso é falácia”, destacou.

O presidente da associação defendeu uma posição mais nacionalista em relação ao pré-sal e procurou demonstrar a a grandiosidade da descoberta perante a atual situação do comércio mundial de petróleo. “Estamos na eminência de um choque de demanda. Somando as produções de todos os países, nós estamos chegando ao pico dessa produção e depois disso temos uma queda muito forte. Se a demanda mundial ficar estabilizada, significa que, mesmo assim, a luta pelo petróleo vai recrudescer muito. Com a descoberta do pré-sal o Brasil ficou em uma situação muito privilegiada. Abrir mão do controle disso é um erro de estratégia incomensurável”, afirmou Siqueira.

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Informe-se que a ANP (Agência Nacional do Petróleo) tem posições que convergem com o IBP e que coincidem com os interesses das grandes operadoras mundiais de energia, as big oil.

Um inimigo na trincheira.

CNA fez uma pesquisa tabajara


MST classificou de ridículos os números do Ibope sobre os assentamentos

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) criticou a pesquisa divulgada ontem pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) que afirmava que cerca 72% dos assentamentos do país não produzem o suficiente para gerar renda e que 37% dos assentados brasileiros vivem mensalmente com no máximo um salário mínimo. A informação é da Agência Brasil.

Para o MST, a pesquisa - que foi encomendada pela CNA ao Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) - não pode ter relevância porque analisou apenas nove assentamentos.

“Uma pesquisa feita em apenas nove assentamentos é tão tabajara e ridícula que não tem relevância alguma. Estranhamos que o Ibope se preste a esse tipo de trabalho, apenas para atender a vontade dos latifundiários. Confiamos no censo agropecuário, que demonstra que a concentração de terras no país cresceu nos últimos 10 anos”, afirmou João Paulo Rodrigues, coordenador nacional do MST, por meio de nota.

Como assim "agredindo a Zilá"?


O chargista Marco Aurélio (péssimo traço e humor zero, a meu juízo), de Zero Hora, precisa explicar a gracinha acima. Ele está garantindo categoricamente que o deputado Raul Pont (PT) agrediu uma colega deputada do PSDB.

Um humor leviano desses não é cômico, mas patético.

Fac-símile parcial da página 3 de Zero Hora, edição de hoje, 15/out/2009.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Agronegócio usa Ibope para fazer disputa com o IBGE


Comportamento do lulismo tem sido lamentável

No último 30 de setembro, portanto há 14 dias, o IBGE divulgava o Censo Agropecuário 2006. Ontem, a CNA (Confederação Nacional da Agricultura), entidade patronal que organiza latifundiários e agronegociantes brasileiros, divulgou uma enquete onde foram ouvidas cerca de mil pessoas (eles dizem que são "famílias") pelo Ibope, para saber o que essas pessoas pensam sobre os assentamentos da reforma agrária.

Se configura aí, uma clara e indesmentível disputa entre o Ibope e o IBGE. Aquele, a soldo do latifúndio, este, um órgão estatal, reconhecido historicamente, idôneo, com um corpo profissional capacitado e experiente. Entretanto, a mídia oligárquica desde ontem tem feito divulgação cerrada dos números apresentados pelo Ibope, para tentar desconstituir e rebaixar as ações da reforma agrária nos assentamentos pelo Brasil afora. Nem é preciso chamar a atenção para o caráter ideológico e desqualificado da ação provocada pela CNA, dirigida pela algariada senadora Kátia Abreu (Dem-TO).

A política espetaculosa do CNA é legítima, o inadmissível é a mídia querer cotejar as duas instituições - IBGE e Ibope - em condições de igualdade e fazendo crer que ambos estão habilitados para a extração e análise de dados do mundo rural brasileiro. A qualificação do IBGE é indiscutível, já a do Ibope não se pode dizer o mesmo. O método de trabalho do IBGE é o recenseamento universal e científico dos dados recolhidos do campo de estudos. O método do Ibope é a enquete, com amostra reduzida, uma base de dados desconhecida e fundada em critérios adequados ao resultado que o cliente deseja divulgar, de preferência, da maneira mais espetaculosa possível. A tradição do Ibope é a pesquisa em segmentos de consumo de bens não duráveis e processos eleitorais - onde arrecada visibilidade e posição no trivial mercado de sondagens de consumo.

A todas essas, o governo do presidente Lula se comporta de forma lamentável diante das atuais tensões no campo. Prometeu a assinatura do decreto federal que atualiza os novos índices de produtividade na agropecuária e ainda não cumpriu, não se sabe o motivo. Semana passada, quando da desocupação judicial por parte de um contingente de sem-terra numa terra grilada pela transnacional de sucos Cutrale, vários ministros e o próprio Lula tiveram um comportamento reprovável, sob qualquer aspecto. Foram apressados em condenar os sem-terra, preferiam acreditar na farsa armada pela polícia paulista em combinação com os grileiros da Cutrale.

A submissão do governo federal à hegemonia do capital financeiro aliado ao agronegócio será uma marca indelével do lulismo de resultados. O capital político conquistado com a sua extraordinária popularidade de nada tem servido para modificar a estrutura de classes no Brasil - reconhecidamente a mais desigual do mundo. Por enquanto, só tem adornado o ego do próprio presidente Lula, fugaz compensação pessoal que a História jamais contabilizou.

As relações carnais entre o varejo e os bancos


Bancos ganham por todos os lados

Os bancos estão despejando bilhões de reais para reforçar parcerias com as redes de varejo, de olho no esperado aumento das vendas de fim de ano. O apetite se reflete em melhores condições de crédito ao consumo. A Casas Bahia está com pagamentos em 17 vezes sem juros no cartão, enquanto Ponto Frio e Extra chegam a 15 vezes. Por trás dessa guerra de prazos estão os dois maiores bancos privados do país, Bradesco e Itaú Unibanco, que sustentam os empréstimos dessas redes. "Temos alguns bilhões disponíveis para a área de cartões de redes de varejo", diz Wagner Aguado, do Bradesco, parceiro da Casas Bahia. Só no acordo com o Wal-Mart, o Itaú Unibanco colocou mais R$ 6 bilhões. A informação está no jornal Valor, de hoje.

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A humilde dona de casa Maria das Dores vai comprar um fogão novo em 17 dolorosas vezes no cartão. A loja garante que não tem acréscimo. E não tem. A partir da compra, não tem acréscimo nem juros, de fato. O acerto do grande varejista (Bahia, Ponto Frio, Magazine Luiza, Big, Carrefour, etc.) já está feito de antemão com o banco, a mercadoria chega à loja com a contabilidade repartida em três: a parte do fabricante, a parte do varejista e a parte do banco.

Maria das Dores vai remunerar cada um deles em 17 longos meses. O banco - o parasita do triângulo acima - ganha a sua parte com risco praticamente zero, não investiu na produção, não investiu no varejo e transforma o consumidor em cativo involuntário de seu business deletério.

Quem vai administrar a rede nacional de banda larga?


Plano de inclusão digital atingirá 4.245 municípios

Os estudos para a rede, que terá conexão considerada rápida - 1 megabyte (1 Mbps) -, estão em estágio avançado. A informação é do jornal Valor, de ontem.

O plano nacional de inclusão digital poderá ser executado em 14 meses para implantar 31,448 mil quilômetros de fibras óticas. O último grande projeto de obras do governo Luiz Inácio Lula da Silva vai interligar 4.245 municípios (76% do território nacional) e beneficiar com o acesso à banda larga 162 milhões de pessoas (87% do total). A apresentação da proposta definitiva está prevista para 9 de novembro.

O projeto está orçado em R$ 1,1 bilhão, segundo o secretário de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento, Rogério Santanna. Os estudos para a rede, que terá conexão considerada rápida - 1 megabyte (1 Mbps) -, estão em estágio avançado. Hoje, 90% das conexões de internet no país têm velocidade inferior a 1 Mbps.

Apesar de ser o país mais rico da América Latina, o Brasil tem baixo índice de disseminação da banca larga - ela atinge 5,2 habitantes em cada 100. Os índices são maiores no Chile (8,5%), Argentina (7,8%) e Uruguai (6,5%).

O presidente Lula terá de decidir qual entidade administrará a rede nacional de banda larga. Há quatro possibilidades em análise. A primeira é usar a antiga holding do Sistema Telebrás, que foi mantida após a privatização das empresas de telefonia em 1998. Outra opção é criar uma nova empresa. Uma terceira é usar estatais do setor de tecnologia da informação, como Serpro e Dataprev, para incorporar as novas atividades. A quarta seria encampar a Eletronet, empresa do grupo AES que está em processo de falência e na qual a LightPar, braço de participações acionárias da Eletrobrás, detém 49% do capital.

Para evitar atrasos, o governo pretende colocar em execução o plano sem contar com os 12 mil quilômetros de fibras óticas da Eletronet.

Dessas alternativas, a que mais tem ganhado força no governo é ressuscitar a Telebrás. "Para usá-la, basta uma portaria do Ministério das Comunicações, porque a Lei Geral de Telecomunicações já atribui ao ministro o poder de dar uma nova função à estatal", disse Santanna. A Telebrás é uma empresa de capital aberto com ação cotada em bolsa e R$ 283 milhões em caixa. O governo detém 91% das ações. Se ela voltar a operar, acredita Santanna, poderá promover uma oferta inicial de ações para captar recursos e destiná-los a futuros investimentos.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Lumpesinato no poder


Santiago

Satie muito punk



Originalmente escrito para piano
, aqui interpretado pelo violão de John Williams. Eric Satie foi considerado um compositor menor, acabou sendo um dos precursores do minimalismo. Inventou o que chamava de música-mobília (punha a tocar na sala das residências enquanto as pessoas conversavam, se alguém parasse para escutar, ele ficava furioso e mandava seguir a conversa).
Muito amigo de Picasso e Jean Cocteau.

Foi um sujeito meio maluco, detestava sol, tinha um guarda-roupa com doze ternos absolutamente iguais, e cultivava gosto por comida branca: arroz, ovo, coco, peixe, nabo, palmito, queijo, etc. Nunca se casou e levava uma vida boêmia. No verão de 1925, depois de tomar um porrão homérico, não resistiu e morreu aos 59 anos. Deixou muitos textos e desenhos.

Fordismo às avessas



O mundo velho sem porteira e sem bridão

Desconstrutivismo e as tecnologias de sobrevivência no Paquistão. Vídeo de 7 minutos e meio.

Vandalismo é usar 713 milhões de litros de veneno nos alimentos que consumimos


15 mil tubarões são donos de quase 100 milhões de hectares no Brasil

Trecho de uma entrevista do economista João Pedro Stedile, um dos líderes nacionais do MST, ao jornal Folha de S. Paulo, edição de ontem:

FOLHA - O presidente Lula chamou a ação de "vandalismo". O MST ainda o enxerga como aliado?

STEDILE - Nós também condenamos o vandalismo. Usar 713 milhões de litros de venenos agrícolas por ano, que degradam o meio ambiente, também é vandalismo. Nesse caso, o presidente está mal informado, pois as famílias acampadas nos disseram que não roubaram, não depredaram nada. Depois da saída deles e antes da entrada da imprensa, o ambiente foi preparado para produzir imagens de impacto. Propomos que uma comissão independente investigue a verdade.

FOLHA - É correto hoje dizer que a conjuntura nacional, principalmente de estabilidade econômica e de assistência oficial aos pobres do país, é desfavorável ao MST?

STEDILE - Os dados do censo [agropecuário] revelam que menos de 15 mil latifundiários são donos de mais de 98 milhões de hectares. A renda média dos assalariados do campo é menor que um salário mínimo. Diante disso, reafirmamos que é fundamental democratizar a propriedade da terra, como manda a Constituição, e mudar o modelo agrícola, para priorizar a produção de alimentos sadios para o mercado interno. Quem acha que a reforma agrária não é necessária está completamente alheio aos problemas e aos interesses do povo.

Casa Branca declara guerra à direitista rede Fox News



Mídia é considerada organização partidarizada, apêndice dos Republicanos

Deu no The Nation, edição dominical:

Chefe de comunicações de Obama diz que já não podem confiar em jornalistas para moderar debates públicos. A batalha entre a Casa Branca e a rede Fox News [que pertence ao multimilionário direitista Rupert Murdoch] alcançou um novo pico no domingo, quando Anita Dunn, Diretora de Comunicações de Obama, numa cadeia nacional, declarou que a rede Fox News é organização partidarizada, que funciona como apêndice do Partido Republicano.

"A rede Fox News opera, praticamente, ou como o setor de pesquisas ou como o setor de comunicações do Partido Republicano" – disse Dunn à CNN. E acrescentou: "não precisamos fingir que [a Fox] seria empresa comercial de comunicações do mesmo tipo que a CNN." Dunn também aproveitou as páginas do The New York Times, a cujos repórteres declarou em entrevista do domingo, que "a rede Fox está em guerra contra Barack Obama e a Casa Branca, [e] não precisamos fingir que o modo como essa organização trabalha seria o modo que dá legitimidade ao trabalho jornalístico."

Na fala mais importante, pela CNN, Dunn afirmou que o presidente Obama agora considera a rede Fox como opositor partidário, mais do que como organização jornalística.

"Quando o presidente fala à Fox, já sabe que não falará à imprensa, propriamente dita" – ela explicou. – "O presidente já sabe que estará como num debate com o partido da oposição".

É grande avanço em relação ao modo como o "establishment" Democrata encara a rede Fox. E demorou para acontecer.[Os grifos são do DG.]

De fato, os Democratas de alto e baixos escalões sempre viram a rede Fox News como força obviamente hostil. Mas os Democratas eleitos resistiram muito, sem decidir se aceitavam ou se combatiam aquela rede.

A verdade é que o "establishment" Democrata chegou a aceitar a ideia de dar à rede Fox o privilégio de hospedar e moderar um debate durante as primárias presidenciais – mas o movimento considerado "de autolimitação" foi abortado, depois que uma coalizão de blogueiros e ativistas progressistas objetou. [Olha os blogs de esquerda influindo no núcleo Democrata!]

Com o desenrolar da campanha, o pessoal de Obama foi subindo o tom dos comentários e várias vezes a rede Fox enfrentou dura barreira de arame farpado eletrificada pelos discursos de delegados e, às vezes, do próprio candidato. (Como esquecer Robert Gibbs, quando virou a mesa, em debate com Sean Hannity, da Fox, em outubro passado?)

Quando acabou a campanha, a equipe de Obama discutiu muito sobre como reagir à rede Fox, de dentro da Casa Branca. Foi preciso surfar (e algumas vezes esconder das câmeras) uma onda de obamistas ressentidos com a Fox. E o padrão sempre foi que o presidente é mantido acima das brigas 'midiáticas'.

A nova atitude de Dunn é parte de nova estratégia, mais ampla, recentemente 'telegrafada' na revista Time, para chamar mentiras de "mentiras" e tratar a rede Fox como espaço para debates muito duros com a oposição – como partido de oposição, portanto, não como discussão jornalística. [...]

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A briga é boa. No Brasil, seria o equivalente ao Franklin Martins declarar (em nome de Lula) guerra ao grupo Abril/Veja (da famiglia Civita), que embora não tenha rede de tevê da potência da Fox, pauta politicamente em uníssono quase todos os grandes órgãos da mídia brasileira, rádio, televisão, jornais das capitais e pequenas publicações periódicas do interior e periferias.

Mas isso, por aqui, jamais irá ocorrer, pelo menos enquanto Lula estiver no Planalto. Como agora sou "assinante" involuntário de Veja, posso notar que o Governo Federal insiste em colocar anúncios pagos nas revistas do grupo Abril/Civita, mesmo sofrendo críticas rebaixadas, injustas e sob um viés oligarco-fascista dos mesmos. A rigor não são críticas, são campanhas sistemáticas, renovadas semanalmente de forma repetida e militante.

A tiragem de Veja é de cerca de 1,2 milhão de exemplares, em queda. Já foi de 1,5 milhão. Menos mal, é certo que 188.800.000 de brasileiros não a lêem.


Fac-símiles parciais do The Nation e do The Huffington Post, sobre o mesmo tema. Essas duas publicações podem ser consideradas de esquerda liberal.

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