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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?
sábado, 28 de abril de 2012
quarta-feira, 25 de abril de 2012
segunda-feira, 23 de abril de 2012
'A Dama de Ferro' é uma alegoria sobre o declínio do neoliberalismo
Ontem
à noite, quando saí do cinema onde assistira ao filme da diretora
britânica Phyllida Lloyd, me ocorreram três
coisas. Senti uma vontade danada de beber uísque. Pura sugestão,
é que madame Thatcher bebe o tempo inteiro do filme. Lembrei de
Getúlio Vargas e da jornalista Gilda Marinho, uma figura meio
folclórica no cenário high society
porto-alegrense dos anos 70 e 80.
Me
explico: Gilda Marinho foi atacada uma vez por um inimigo oculto e
dado a brincadeiras pesadas e maliciosas. Tal pessoa mandou publicar
nos classificados em jornal edição dominical um anúncio onde se
vendiam dezenas ou centenas de garrafas de uísque vazias. "Tratar
com Gilda Marinho, no telefone tal" - dizia o anúncio.
Confesso
que desconhecia essa propensão à sede da Baronesa Thatcher. Quantas garrafas vazias ela estaria em condições de vender, hoje? Sendo
assim, vejo que a guerra das Malvinas foi um verdadeiro duelo de
pinguços. Ninguém desconhecia na Argentina e arredores que o
general Leopoldo Galtieri, presidente-ditador na época da guerra
pelas ilhas do Atlântico Sul, era outro que abrigava uma pedra de
sal na garganta e buscava a cura através da ingestão de hectolitros
de álcool.
E
falando sobre Getúlio Vargas já podemos comentar o filme sobre a
dama de ferro. A imortal frase de Vargas, na hora da morte, "saio
da vida para entrar na história", não serve para a senhora
Thatcher. Ela ainda vive, mas a história já a abandonou, antes
mesmo de convidá-la a adentrar o seu templo de glórias e ilusões.
A
qualidade do filme de Phyllida Lloyd está justamente no fato de não
entrar muito no mérito político da ex-primeira ministra da
Grã-Bretanha. Ao mostrá-la no fim da vida, já enferma pelo
Alzheimer, açoitada por fantasmas os mais diversos, mas em especial,
Denis, o marido pimentinha, Phyllida faz um julgamento branco do
legado político da Baronesa.
David
Cameron, o atual primeiro-ministro britânico, igualmente conservador
como ela, não gostou do filme, e perguntou "por que logo agora
aparece um filme sobre Thatcher?".
Ora,
a resposta parece óbvia. Tudo aquilo que foi sólido e sagrado, tudo
o que foi construído/destruído por Thatcher agora se desmancha no
ar e é profanado. Margaret não saiu da vida e nem entrou para a
história.
Margaret
é um zumbi condenado a escutar vozes e a ter que ligar todos os
eletrodomésticos da sua vetusta residência para ter um segundo de
sossego e paz de espírito. Como já não pode mais fazer uma faxina
nacional no País, o faz no seu quarto atulhado de lembranças e
espectros zombeteiros.
A
abertura do filme é brilhante. Margaret apanha meio litro de leite
numa mercearia de esquina e não é reconhecida por ninguém. Ao
contrário, é ignorada com ênfase de má educação, um sujeito se
atravessa no balcão e não respeita a fila do caixa, um negro jovem
e muito alto roça o seu traseiro e não presta a atenção à sua
idade e sobretudo à sua antiga condição de primeira mandatária do
País.
Ela
sente que voltou a ser a moça do cotidiano (esse "nocivo espaço da atualidade", como dizia Lukács),
quando auxiliava o seu pai na quitanda da família, interior da velha
Inglaterra. Chega em casa e tem uma pilha de livros para autografar,
até que volta a assinar Margaret Roberts, seu nome de solteira. O
inconsciente é malcriado, mesmo não consultado emite seus pareceres
sobre nós mesmos, e sobretudo contra nós mesmos.
O
carrossel da história volta ao seu ponto de partida. Tudo o que fez
de sagrado, está sendo profanado. Ela já não se reconhece no mundo
por ela forjado.
'A
Dama de Ferro' é um filme sobre o ocaso do neoliberalismo, mesmo sem
citá-lo uma única vez e ainda que modelado na linguagem da
subjetividade de uma senhora muito idosa governada por sua memória,
nem sempre amigável.
Margaret
Thatcher foi a face do neoliberalismo, agora está no declínio da
existência, cumpre um roteiro meramente biológico, porque a
história já a rechaçou e a economia não mais a reconhece.
Margaret
sente que já não é mais deste mundo e o fantasma de Denis Thatcher
(o marido, que morreu em 2003) insiste em apontar-lhe o excesso de
ambição pessoal e o excesso de uísque. Neste ponto, a diretora e a
roteirista (Abi Morgan) usam um recurso narrativo de sutil mas aguda
crueldade: os fantasmas são uma forma de autocrítica para quem -
arrogante - é incapaz de fazer autocrítica.
O
fenômeno Thatcher resultou da profunda crise de acumulação do
capital experimentada pela Grã-Bretanha nos anos 1970. O
sindicalismo foi muito organizado e logrou obter êxito na disputa
por melhores salários, condições de trabalho e demais conquistas
sociais do chamado welfare state.
Enquanto
houve excedente para ser dividido com o capital, os trabalhadores
ingleses souberam negociar de forma a se apropriar de parte do bolo
produtivo. Quando sobreveio a crise escasseou a redistribuição,
surgiram os conflitos, as greves (que não ocorriam desde 1926), a
estagflação (inflação de 26%) e rápido aumento das taxas de
desemprego (cerca de 1 milhão de pessoas, em 1975).
Passou
a haver crise de legitimidade, aumento das dificuldades fiscais,
crise na balança de pagamento e monumentais deficits orçamentários.
Trabalhistas e conservadores (partido de Thatcher) se revezavam no
poder entre 1974 e 1979, com aprofundamento crescente da crise e
recrudescimento das greves (transportes, limpeza urbana, setor saúde
e inclusive coveiros fizeram paralisações prolongadas).
É
neste contexto de profunda crise do capital pondo fim a uma
prolongada política de aliança de classes entre os trabalhadores e
a grande burguesia decadente que emerge ascensional a estrela de
Maggie Thatcher.
O
filme mostra a dificuldade sentida por ela para se impor junto ao
establishment do partido conservador, não só por ser
mulher, mas sobretudo por ser filha de um pastor metodista e pequeno
comerciante do Norte do País. Uma outsider adventícia no
seio do baronato que foi e é íntimo da Coroa inglesa.
Pois,
para não decepcionar la crema y nata da velha nobreza
inglesa, a filha do quitandeiro (como a chamavam à socapa nos
corredores do partido) fez de tudo para se impor como a mais realista
do Reino Unido.
Assumiu
o poder em maio de 1979, já mostrando a que veio. Fez provocações
diretas aos então fortíssimos sindicatos de trabalhadores e
esgarçou o frágil tecido das relações capital/trabalho ao máximo.
Conseguiu com isso, estimular muitas greves prolongadas e que
paralisaram o país, por muitos meses. A greve dos mineiros durou
quase um ano de confrontos entre o Estado e os sindicatos. Tudo o que
ela desejava, politicamente.
O
desmantelamento do Estado de bem-estar social atacou as áreas da
saúde, assistência social, educação pública, Universidades, a
burocracia estatal e o poder judiciário. O salário mínimo foi
extinto e os impostos passaram a ser regressivos (poll tax,
onde os ricos pagam menos e os trabalhadores pagam mais impostos),
como forma de estimular os investimentos privados, já que o Estado
estava se exonerando da economia.
Thatcher
comprava briga em várias frentes ao mesmo tempo e procurava se
legitimar através de um programa habitacional de venda direta das
propriedades do Estado aos seus antigos locatários.
O
discurso para conseguir o consentimento legitimador calcava nas
consignas do ultraliberalismo de Friedrich Hayek: direito de
propriedade individual (o plano habitacional garantia isso), cultura
do empreendedorismo e do individualismo, regras de controle,
responsabilidade financeira e produtividade nas instituições
públicas, estímulo aos valores conservadores da classe média
(Thatcher é o próprio triunfo da classe média), incentivo ao
consumo intensivo à custa do endividamento em massa dos assalariados
(como forma de criar um compromisso inescapável com o sistema).
A
partir deste ponto, o centro da vida é o mercado. A mercadificação
de tudo significa direitos de propriedade sobre processos, coisas e
relações sociais (Harvey), supondo que tudo sob o céu é passível
de ser atribuído um preço - em dinheiro - e portanto negociável
nos termos de um contrato legal.
É
o surgimento do chamado homem unidimensional, de que falava Marcuse
ainda em 1964. O mercado (e as mercadorias) é um guia próprio para
todas as ações humanas, ou seja, o mercado é uma ética.
A
meu ver o mais grave dos legados da era Thatcher (1979-1990) é a
tentativa de abolição da esfera política.
A
queda de braço com o movimento sindical visava a eliminação física
dos trabalhadores, como atores sociais reconhecidos. Ela decidiu
importar carvão mineral para não negociar a agenda dos mineiros
ingleses.
Preferiu
comprometer mais e mais as finanças já combalidas do Estado a
recuar um milímetro no seu intento de esmagar a capacidade política
e orgânica dos sindicatos.
A
anulação e a subsunção da esfera política às desigualdades do
mercado é a suprema maldade do ultraliberalismo thatcherista. É o
seu legado mais forte e permanente. Se a política diz respeito à
coexistência e associação de homens diferentes, como nos ensina
Hannah Arendt, já se vê que a sua derrocada representa um
retrocesso civilizatório.
Aniquilar
o fazer político é o mesmo que erradicar a pluralidade humana,
estreitar a capacidade que adquirimos culturalmente de buscar
objetivos que contemplem o diferente e o desigual, numa síntese
dinâmica, provisória e em vias de permanente aperfeiçoamento.
Matar a política é o mesmo que condenar o homem a renunciar a sua
liberdade, é mantê-lo escravo das suas próprias contingências,
batendo cabeça num eterno cotidiano opressivo e redutor.
O
neoliberalismo é uma fórmula perversa de apagar a política em
favor da ditadura dos mercados.
Os
governos que sucederam a primeira-ministra Thatcher conseguiram
abolir algumas medidas antissociais da ex-quitandeira, como: o
salário mínimo (Tony Blair, trabalhista) e o imposto regressivo
(John Major, conservador), mas a desqualificação da esfera política
está sendo de difícil reversão, até porque isso se alastrou pelo
mundo todo, com a crescente importância da economia sobre a
política.
Nem
a duplicação da taxa de pobreza na Grã-Bretanha, durante os 11
anos de Maggie no poder, pode ter repercussões tão deletérias como
o ataque à política.
Talvez
por esse motivo o filme de Phyllida Lloyd
tenha igualmente um olhar tão distante da política propriamente
dita, embora não seja um filme apolítico. Não o é. Mas, não
falar não significa não ser.
'A
Dama de Ferro' é um filme fortemente político, exageradamente
politizado. Uma alegoria se notabiliza precisamente por não falar
diretamente sobre a sua identidade. Uma alegoria é sempre um
disfarce, uma representação do objeto ao qual se refere.
A
diretora Phyllida e a roteirista Abi quiseram falar do
neoliberalismo, justamente no momento do seu lento e inexorável
crepúsculo, e o fizeram falando e narrando sobre Thatcher - hoje
Baronesa Thatcher de Kesteven (viram, ela também virou la crema y
nata da sociedade british!) - no ocaso de sua vida
biológica. Simples e direto como pôr um ovo em pé.
Não
é à toa que a direita britânica, a começar pelo
primeiro-ministro Cameron, não gostou do filme.
Claro,
foram cínicos, alegaram que a ex-primeira-ministra foi retratada na
sua demência senil, que isso é cruel, etc. Mas jamais admitiram que
falar de Thatcher é falar da senilidade do próprio sistemão que
ela criou.
Por
esse singelo motivo eu reputo o filme 'A Dama de Ferro' de genial. E,
depois, mulheres fazendo cinema, sempre resulta em algo inteligente e
instigante.
Ah!, Meryl Streep está soberba como a Baronesa demente. Na saída do cinema ouvi alguém perguntar: "E a Meryl Streep, onde aparece no filme?" É o melhor elogio que uma atriz pode receber, melhor que o Oscar 2012.
Ah!, Meryl Streep está soberba como a Baronesa demente. Na saída do cinema ouvi alguém perguntar: "E a Meryl Streep, onde aparece no filme?" É o melhor elogio que uma atriz pode receber, melhor que o Oscar 2012.
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Cristina K. dá uma no prego outro na ferradura
Para ninguém achar que a presidenta
Cristina K é a nec plus ultra da esquerda latinoamericana (depois da correta expropriação da petroleira YPF-Repsol),
quero sugerir a leitura de um livro - El Mal - do respeitado jornalista
argentino, Miguel Bonasso.
Recomendo porque eu já o li. É de
arrepiar.
Trata-se de uma denúncia contra o entreguismo disfarçado
do casal K. Bonasso é um ex-peronista de esquerda, privou da amizade
de Néstor e de Cristina K. e depois rompeu com eles, antes da morte
de Néstor. Foi deputado na Argentina, quando teve oportunidade de
conhecer a política de mineração do ouro e da prata dos governos
Néstor e Cristina. É uma história de escândalos, corrupção, envolvimento no caso Irã/Contras, máfia internacional da mineração, família Bush, contrabando e
comércio internacional de armas, políticos-ratazanas e muito-muito dinheiro
azeitando essa máquina de malfeitos.
Conceito do jornalista Miguel Bonasso sobre o casal Kirchner: "O gatopardismo [mudar para tudo continuar igual], a venda do mesmo cachorro com diferentes coleiras é uma constante no Modelo K".
Conceito do jornalista Miguel Bonasso sobre o casal Kirchner: "O gatopardismo [mudar para tudo continuar igual], a venda do mesmo cachorro com diferentes coleiras é uma constante no Modelo K".
quarta-feira, 18 de abril de 2012
terça-feira, 17 de abril de 2012
O pós-lulismo exige uma outra esquerda
Os limites do
lulismo
Há alguns anos, o cientista
político André Singer cunhou o termo "lulismo" para dar
conta do modelo político-econômico implementado no Brasil desde o
início do século 21.
Baseado em uma dinâmica de
aumento do poder aquisitivo das camadas mais baixas da população
por meio do aumento real do salário mínimo, de programas de
transferência de renda e de facilidades de crédito para consumo, o
lulismo conseguiu criar o fenômeno da "nova classe média".
No plano político, esse
aumento do poder aquisitivo da base da pirâmide social foi realizado
apoiando-se na constituição de grandes alianças ideologicamente
heteróclitas, sob a promessa de que todos ganhariam com os
dividendos eleitorais da ascensão social de parcelas expressivas da
população.
O resultado foi uma política
de baixa capacidade de reforma estrutural e de perpetuação dos
impasses políticos do presidencialismo de coalizão brasileiro.
No entanto é bem possível
que estejamos no momento de compreensão dos limites do modelo
gestado no governo anterior. O aumento exponencial do endividamento
das famílias demonstra como elas, atualmente, não têm renda
suficiente para dar conta das novas exigências que a ascensão
social coloca na mesa.
É fato que o país precisa
de uma nova repactuação salarial. As remunerações são, em média,
radicalmente baixas e corroídas por gastos que poderiam ser bancados
pelo Estado. Por isso, é possível dizer que a próxima etapa do
desenvolvimento nacional passe pela recuperação dos salários.
A melhor maneira de fazer
isso é por meio de uma certa ação do Estado. Uma família que
recebe R$ 3.500 mensais gasta praticamente um terço de sua renda só
com educação privada e planos de saúde. Normalmente, tais serviços
são de baixa qualidade. Caso fossem fornecidos pelo Estado, tais
famílias teriam um ganho de renda que isenção alguma de imposto
seria capaz de proporcionar.
Entretanto a universalização
de uma escola pública de qualidade e de um serviço de saúde que
realmente funcione não pode ser feita sob a dinâmica do lulismo,
pois ela exige investimentos estatais só possíveis pela taxação
pesada sobre fortunas, lucros bancários e renda da classe alta. Ou
seja, isso exige um aumento de impostos sobre aqueles que vivem de
maneira nababesca e que têm lucros milionários no sistema
financeiro.
Algo dessa natureza exige,
por sua vez, uma mobilização política que está fora do quadro de
consensos do lulismo. Porém a força política que poderia pressionar
essa nova dinâmica ainda não existe no Brasil. Ela pede uma
esquerda que não tenha medo de dizer seu nome.
Artigo do professor Vladimir
Safatle, da Filosofia da USP. Publicado hoje na Folha.
sexta-feira, 13 de abril de 2012
Dilma começa a enfrentar o sistema financeiro
Mirando no alvo correto
Minutos depois de ser empossado, em 27 março de 2006, no Ministério da Fazenda, Guido Mantega ligou para o secretário-executivo da Pasta, Murilo Portugal. Queria conversar sobre o posto que assumiria. "Não tenho o que conversar porque estou demissionário", disse-lhe Portugal que, até aquele momento, havia sido o segundo deAntonio Palocci no ministério. A informação é do jornal Valor Econômico, edição de hoje.
Minutos depois de ser empossado, em 27 março de 2006, no Ministério da Fazenda, Guido Mantega ligou para o secretário-executivo da Pasta, Murilo Portugal. Queria conversar sobre o posto que assumiria. "Não tenho o que conversar porque estou demissionário", disse-lhe Portugal que, até aquele momento, havia sido o segundo deAntonio Palocci no ministério. A informação é do jornal Valor Econômico, edição de hoje.
Ao
desligar, Mantega relatou
o telefonema sem esconder a contrariedade, compartilhada pelos
colegas de governo que estavam ao seu lado. Entre eles, a então
ministra-chefe da Casa Civil, Dilma
Rousseff.
Mantega continua no mesmo lugar e Portugal virou presidente do sindicato dos bancos. A trombada pública aconteceu ontem, quando Mantega subiu o tom para reagir às condições do sistema financeiro para a redução do spread, mas a rota de colisão começou a ser traçada cinco anos atrás, quando Dilma Rousseff ajudaria a remontar a equipe econômica do governo Luiz Inácio Lula da Silva depois da saída de Palocci.
A crise de 2008 imbicaria novamente a curva de juros para cima, reduzindo a marcha da colisão no segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.
Com a posse de Dilma, porém, a rota estava traçada e foi publicamente exposta pela presidente da República: a política monetária é a vantagem comparativa do Brasil num mundo que já derrubou os juros e ainda não tirou o pé da lama.
A curva descendente do Copom, a redução dos juros cobrados pelos bancos públicos e a subida de tom do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com a Febraban são apenas a confirmação do norte perseguido por Dilma Rousseffdesde que começou a ter ingerência para além dos megawatts.
O que só agora começa a ganhar contornos claros é que a presidente, frequentemente criticada por inabilidade, monta uma ampla aliança política para isolar o sistema financeiro na guerra do spread.
Essa aliança passa pela recuperação do poder dos Estados com a troca do indexador de suas dívidas e o afrouxamento das condições em que incentivos tributários estaduais podem vir a ser concedidos. É a reversão de um processo iniciado duas décadas atrás com a implantação do Real.
Para conter a explosão de demandas - e de sua face monetária, a inflação - trazida pela Constituição de 1988, a estabilidade da economia neutralizou a política.
O país vinha do trauma do impeachment, que abortou o mandato de Fernando Collor, o único governador de Estado eleito para a Presidência da República desde a redemocratização.
Foi aquela crise política que abriu caminho para um plano de estabilidade monetária que esvaziou a federação. Teve como pressupostos o Fundo de Estabilização Financeira (FEF), que daria origem à DRU e canalizaria recursos de Estados e municípios para o Tesouro nacional, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o acordo da dívida e a privatização dos bancos estaduais.
Com os cofres esvaziados, dívidas a pagar, limites rígidos para contrair novas e proibidos de usar recursos fiscais para atrair empresas, os Estados foram desprovidos de poder político na mesma velocidade em que cresceu sua dependência da União.
A subversão dessa ordem não está em jogo e tampouco se corre o risco de as finanças estaduais voltarem a ser a casa da mãe joana. Até porque o governo federal não parece estar interessado em abrir mão da concentração de recursos políticos e fiscais gerada pelo esvaziamento dos Estados.
O que está em curso, com a discussão da troca do indexador das dívidas estaduais e municipais e o afrouxamento das condições em que incentivos tributários podem ser concedidos pelos Estados, é a recuperação dos governadores como atores políticos capazes de engrossar o setor produtivo no cabo de guerra com o sistema financeiro.
Reabilitados no seu poder de conceder incentivos e investir na infraestrutura de seus Estados, os governadores podem voltar a ser interlocutores das federações industriais e sindicatos que ao longo dos últimos anos têm batido um bumbo surdo na toada do desenvolvimento.
A aliança é reforçada também pela posse em julho do primeiro presidente bancário da história da CUT. Em entrevista a Raphael Di Cunto, publicada hoje no Valor, Wagner Freitas diz que a investida contra o spread bancário será a principal bandeira da entidade sob sua presidência.
Até o senador Aécio Neves (PSDB-MG), principal liderança do partido que operou a lógica da federação subordinada, hoje diz que a União virou rentista dos Estados e reclama de juros superiores àqueles pagos pelas empresas aoBNDES.
Pelo teor das propostas feitas pelo sindicato dos bancos, está claro que esta é uma guerra que requer aliados até da oposição. Entre as condições para que o spread seja reduzido há muitas que dependem do Congresso e outras tantas que enfrentariam infinitas batalhas judiciais, como a exigência de que a previdência complementar dos correntistas entre como garantia do crédito.
Muitas dessas garantias são de difícil execução e os bancos sinalizam que, sem elas, não há redução de spread à vista.
Enquanto isso, como os juros efetivamente já estão caindo, não é difícil para o governo convencer a opinião pública de que a diferença entre o custo de captação e o de empréstimo vai para um bolso que não é o do correntista.
Vitor Belous, leitor do blog Casa das Caldeiras (www.valoronline.com.br), é um exemplo do campo fértil para o discurso do governo. O leitor comenta a alegação de inadimplência para a formação do spread: "As instituições emprestam mais do que a renda mensal do cliente comporta, ultrapassando 30% do comprometimento mensal do tomador. Os bancos pregam em seus informes publicitários o uso consciente do crédito, mas a realidade dentro das agências é outra, bater metas".
Dilma, com os aliados que tem, é bem-sucedida na imagem de que combate a corrupção. É de se supor que também seja capaz de angariar apoio da opinião pública ao isolar quem pinta de vermelho as contas correntes. Na pior das hipóteses, já conseguiu que a banca, agora, se disponha a conversar.
terça-feira, 10 de abril de 2012
Comissão da Verdade e os rituais da verdade
A
noite escura
Deve
ser um problema com o nome: "Comissão da Verdade". E
também de número: sete pessoas.
Não creio que haja sete caras no
mundo que tenham o mesmo conceito de e sobre a verdade.
Sempre
prevaleceu a verdade de cada um, o assim é se lhe parece, de
Pirandelo. Daí a dificuldade de dona Dilma nomear os membros que
examinarão atos e fatos criminosos do período ditatorial.
Cada
um de nós tem engasgado na garganta um detalhe daquele tempo. Alguns
são sabidos, há documentos, fotos, textos e depoimentos bastante
divulgados. Muita coisa, porém, continua em sigilo e é natural que
a sociedade cobre do governo a verdade dessa "noche oscura"
da vida nacional.
Pessoalmente,
gostaria de comprovar um episódio que até hoje não sei se é
verdadeiro, mas revelador da repressão naquele tempo. Certa noite,
um oficial da Aeronáutica e dois soldados saíram da Base Aérea do
Galeão numa kombi para apanhar oito inimigos do regime. Todos na
zona sul da cidade. Já quase madrugada, o oficial decidiu voltar ao
Galeão com os oito subversivos que constavam na lista que recebera
de seus superiores.
Na
altura da praça Mauá, ele resolveu contar os presos dentro da kombi
e viu que só conseguira apanhar sete. Não podia se apresentar ao
comando sem os oito detidos. Naquela hora e lugar, não havia ninguém
nas ruas, mas ouviu o barulho de uma banca de jornais abrindo na
esquina da rua São Bento para receber os primeiros exemplares.
Encostou a kombi e mandou que o dono da banca, um italiano de 45
anos, recém-chegado ao Brasil, entrasse no carro.
Pouco
depois, entregava no Galeão os oito subversivos, que foram jogados
no mar, perto de Itaipu. Carimbaram em cima da lista que lhe haviam
dado: "Recebido".
Artigo
do escritor Carlos Heitor Cony. Publicado hoje na Folha.
Por um movimento de desprezo público aos torturadores e serviçais da ditadura
Honrar
o país
Aqueles
que hoje desafiam a mudez do esquecimento e dizem, em voz alta, onde
moram os que entraram pelos escaninhos da ditadura brasileira para
torturar, estuprar, assassinar, sequestrar e ocultar cadáveres
honram o país.
Quando
a ditadura extorquiu uma anistia votada em um Congresso submisso e
prenhe de senadores biônicos, ela logo afirmou que se tratava do
resultado de um "amplo debate nacional".
Tentava, com isto,
esconder que o resultado da votação da Lei da Anistia fora só 206
votos favoráveis (todos da Arena) e 201 contrários (do MDB). Ou
seja, os números demonstravam uma peculiar concepção de "debate"
no qual o vencedor não negocia, mas simplesmente impõe.
Depois
desse engodo, os torturadores acreditaram poder dormir em paz, sem o
risco de acordar com os gritos indignados da execração pública e
da vergonha. Eles criaram um "vocabulário da desmobilização",
que sempre era pronunciado quando exigências de justiça voltavam a
se fazer ouvir.
"Revanchismo",
"luta contra a ameaça comunista", "guerra contra
terroristas" foram palavras repetidas por 30 anos na esperança
de que a geração pós-ditadura matasse mais uma vez aqueles que
morreram lutando contra o totalitarismo. Matasse com as mãos pesadas
do esquecimento.
Mas
eis que estes que nasceram depois do fim da ditadura agora vão às
ruas para nomear os que tentaram esconder seus crimes na sombra
tranquila do anonimato.
Ao
recusar o pacto de silêncio e dizer onde moram e trabalham os
antigos agentes da ditadura, eles deixam um recado claro. Trata-se de
dizer que tais indivíduos podem até escapar do Poder Judiciário, o
que não é muito difícil em um país que mostrou, na semana
passada, como até quem abusa sexualmente de crianças de 12 anos não
é punido. No entanto eles não escaparão do desprezo público.
Esses
jovens que apontam o dedo para os agentes da ditadura, dizendo seus
nomes nas ruas, honram o país por mostrar de onde vem a verdadeira
justiça. Ela não vem de um Executivo tíbio, de um Judiciário
cínico e de um Legislativo com cheiro de mercado persa. Ela vem dos
que dizem que nada nos fará perdoar aqueles que nem sequer tiveram a
dignidade de pedir perdão.
Se
o futuro que nos vendem é este em que torturadores andam
tranquilamente nas ruas e generais cospem impunemente na história ao
chamar seus crimes de "revolução", então tenhamos a
coragem de dizer que esse futuro não é para nós.
Este
país não é o nosso país, mas apenas uma monstruosidade que logo
receberá o desprezo do resto do mundo. Neste momento, quem honra o
verdadeiro Brasil é essa minoria que diz não ao esquecimento. Essa
minoria numérica é nossa maioria moral.
Artigo do professor Vladimir Safatle, da Filosofia da USP. Publicado hoje na Folha.
domingo, 8 de abril de 2012
Feito inédito do PT de Porto Alegre
Maravilha! Alvíssaras!
Os últimos resultados
das pesquisas de opinião em Porto Alegre indicam um fato inédito
vivido pelo PT de Porto Alegre, ou seja, a sua completa autoanulação
como legenda eleitoral e sobretudo como intelectual orgânico da
esquerda sul-rio-grandense.
O partido que já tinha
atrofiado a sua capacidade de intervenção política agora chega ao
ponto mais degradado da sua jornada de rebaixamento orgânico:
apresenta-se completamente despreparado até para disputar as
eleições municipais de 2012. Se antes já havia se exonerado da política, agora está incapacitado até para disputar o trivial: eleições.
Enquanto isso, Porto
Alegre vive a farra desbragada da mais selvagem especulação
imobiliária (tendo o capital financeiro - sempre ele - por trás) sob o olhar libertino e dadivoso do Paço Municipal.
sábado, 7 de abril de 2012
Do marxismo ao pós-marxismo
O sociólogo sueco Göran Therborn vem ao Brasil para o lançamento do livro Do marxismo ao pós-marxismo?
Serão três dias de eventos nas capitais de São Paulo, Rio Grande do Sul e Pará: no dia 11/04 (quarta-feira, às 19h) é a vez da Câmara Municipal de Porto Alegre.
Planejado como um mapa e uma bússola, Do marxismo ao pós-marxismo?, de Göran Therborn, é uma tentativa de entender as mudanças sociais e intelectuais radicais entre o século 20 e o século 21. Não tem a pretensão de ser uma história das ideias, mas apresenta propósitos bem claros: situar os espaços de pensamento e as práticas de esquerda; identificar o legado do marxismo do século 20 como teoria crítica e analisar o pensamento radical mais recente.
quinta-feira, 5 de abril de 2012
O marxismo e a deficiência mental (da direita)
Inquisição e
extermínio
Paul Preston, o mais
conhecido historiador britânico da Espanha moderna, revela a plena
extensão do que define como "holocausto espanhol" do
século 20 em seu novo livro, sobre a horrenda repressão e a
violência perpetradas pelo general Francisco Franco. O livro também
ajuda a explicar a oposição continuada que existe na Espanha quanto
ao reconhecimento dessa história sombria.
Mais de 200 mil pessoas
foram mortas na Guerra Civil Espanhola, e outras tantas morreram
longe das frentes de batalha. Preston mostra como as vítimas foram
estigmatizadas. Ele também detalha a violência do lado republicano:
os assassinatos extrajudiciais, as execuções após julgamentos
sumários, a destruição causada pelas colunas anarquistas e o papel
de agentes soviéticos no massacre de trotskistas.
Mas é a violência
sistemática das forças de Franco que causa maior choque. Preston
descreve como 12 mil crianças foram roubadas de suas mães e as
experiências médicas conduzidas pelo comandante do serviço
psiquiátrico franquista, que buscava uma causa patológica para as
ideias esquerdistas, um "gene vermelho" que vincularia o
marxismo a uma deficiência mental, como parte de um racismo eugênico
para "depurar nossa raça".
Recentemente, os juízes da
Suprema Corte espanhola decidiram demitir o juiz Baltazar Garzón de
seu posto, em um caso envolvendo gravações de conversas entre
advogados de defesa e seus clientes em um processo de corrupção.
Líderes locais do partido do premiê espanhol haviam sido acusados
de conceder contratos em troca de propinas. A Suprema Corte decidiu
que Garzón havia excedido em seus poderes.
Garzón é o juiz que
solicitou a detenção do general chileno Augusto Pinochet em Londres
por supostos crimes contra os direitos humanos. Ele também havia
iniciado uma investigação sobre a morte de 114 mil pessoas durante
a Guerra Civil Espanhola. A Suprema Corte decidiu, quanto a este
processo, sustentar os termos da lei de anistia espanhola de 1977,
afirmando que ela foi crucial na transição pacífica espanhola da
ditadura à democracia, em 1975.
Há a informação de que
cerca de 300 mil bebês espanhóis foram roubados de suas mães e
vendidos para a adoção, com a conivência da Igreja Católica,
entre 1939 e 1989. As mães foram informadas de que seus bebês
morreram. A lei de anistia, uma vez mais, impede a investigação de
crimes ocorridos na era Franco, mas promotores estão investigando
900 desses casos em todo o país.
A justificativa de freiras e
médicos que perpetraram esses crimes era a de que as mães não eram
competentes para cuidar de seus filhos, e que as crianças ficariam
melhores sob a guarda de pais "devotos".
Artigo
do professor Kenneth
R.
Maxwell,
historiador britânico, publicado hoje na Folha.
segunda-feira, 2 de abril de 2012
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