O não-Estado do Rio de JaneiroQuando toma uma van para ir ao curso de pós-graduação, o advogado nem estranha mais a parada no cruzamento da Avenida Campo Grande, principal artéria do bairro, com a Rua Vitor Alves. Depois de entregar dinheiro a um homem que veste um colete preto, o motorista segue seu caminho. Também é familiar a presença de um policial, a aproximadamente 10 metros, alheio à cobrança corriqueira do “pedágio”.
“Só posso pensar que ele divide a grana com o policial. Se o motorista não paga, sofre as conseqüências. Já vi colocarem fogo nas kombis e em vans durante a noite”, disse o advogado, em entrevista à
Agência Brasil. Temendo represálias, ele pediu para não ser identificado.
O principal lucro das milícias, e também do tráfico atualmente, é com o transporte alternativo. De acordo com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Autônomos em Transporte Alternativo do Rio de Janeiro, Guilherme Biserra, para circular nas áreas dominadas pelo tráfico e pelas milícias, cada veículo precisa pagar R$ 50 por dia.
“Uma cooperativa com cerca de mil carros, que é a média, vai ter que desembolsar por mês R$ 1,2 milhão. Com isso, o cooperado acaba andando todo irregular, deixa de pagar licenciamento do carro, deixa de fazer manutenção, e fica doido atrás de passageiros para tirar o prejuízo. É uma extorsão”, reclama Biserra.
Além do “pedágio”, Biserra denuncia a tomada de algumas cooperativas pelos chefes das milícias. “As cooperativas se transformam em
cooperfraudes. Têm CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), registro, mas, na verdade, os cooperados acabam trabalhando para uma pessoa, um dono, ligado à milícia ou ao tráfico. São na verdade grupos que se constituem em cooperativas de fachada para extorquir dinheiro dos trabalhadores. O interesse dessas cooperativas é cobrar taxas diárias para poder rodar”, denuncia.
As “cooperfraudes” e as denúncias de cobrança de pedágio foram citadas em um relatório entregue ao ministro da Justiça, Tarso Genro, no ano passado, mas, segundo Biserra, o governo federal não tomou qualquer providência. “Os trabalhadores em transporte alternativo esperam uma ação da Polícia Federal para combater essa prática. Não dá para contar com a Polícia Militar, porque muitos dos seus integrantes fazem parte desse esquema, coordenam esse esquema”, disse.
Conforme estimativa do setor, os lucros do tráfico e das milícias com a cobrança do pedágio podem chegar a R$ 150 milhões por mês, mais que o obtido com a venda ilegal de entorpecentes. “Com certeza, o transporte alternativo é o que mais rende lucro para os grupos organizados”, destaca o deputado Marcelo Freixo, presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, que funciona na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.
“Milícia é grupo armado, formado e liderado por agentes públicos, prioritariamente integrantes ou ex-integrantes da Polícia Militar, com domínio de território, com grande lucratividade em atividades econômicas extorsivas. A extorsão se dá tanto de forma direta, como no caso da cobrança por segurança, até extorsão por meio do controle do gás, dos aluguéis, da água, do transporte alternativo (vans), mototáxi, controle da
netcat, também conhecida como
gatonet (TV a cabo pirata)”, explicou o deputado.
Em alguns áreas da chamada Grande Campo Grande, e da região de Jacarepaguá, a CPI já constatou grilagem de terras feita pelos milicianos. “Eles tomam as terras e acabam alugando para servir de depósito para lojas de material de construção”, relatou um comerciante de Bangu.
No caso das milícias, o pesquisador
Ignácio Cano identificou na composição, policiais, agentes penitenciários, bombeiros ou outros agentes armados do estado, quase sempre em posições de comando. “Há também civis, moradores das comunidades, que colaboram com os milicianos em algumas ocasiões, e pessoas recrutadas entre narcotraficantes derrotados”, constatou.
No caso da venda de gás, por exemplo, há informações do setor que apontam lucro mensal de cerca de R$ 16 milhões. Segundo estimativas do Sindicato dos Revendedores de Gás GLP do Estado do Rio de Janeiro, existem 15 mil pontos de venda ilegais na cidade, muitos em áreas dominadas por milícias.
Em depoimento na CPI das Milícias, o representante do sindicato ressaltou que existem apenas 1.580 pontos regulares de revenda de gás na cidade do Rio de Janeiro. Ele citou que uma das empresas irregulares, localizada em Rio das Pedras, bairro considerado berço das milícias na capital, venderia 3 mil botijões de gás por dia em Jacarepaguá. O faturamento diário, apenas dessa empresa, pode chegar a R$ 25 mil.
Com TV a cabo os lucros podem podem chegar a R$ 120 milhões. As mensalidades cobradas, que variam de acordo com a região, vão de R$ 20 a R$ 35, com acesso a todos os canais.
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Apenas uma singela observação: e a todas essas o governador Cabral ainda insiste com a realização das Olimpíadas de 2016 na cidade do Rio de Janeiro. Afirma que para a cidade ficar “competitiva” para sediar os jogos basta apenas privatizar o aeroporto Tom Jobim. Certamente está sendo porta-voz de interesses ocultos e tão republicanos quanto os próprios milicianos que controlam extensos territórios da cidade e de grande parte da Baixada Fluminense.