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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

quarta-feira, 31 de março de 2010

Somos, sim, partido político e daí? - confessa uma executiva da Folha


Maria Judith Brito é também presidente da Associação Nacional dos Jornais - ANJ

- A liberdade de imprensa é um bem maior que não deve ser limitado. A esse direito geral, o contraponto é sempre a questão da responsabilidade dos meios de comunicação. E, obviamente, esses meios de comunicação estão fazendo de fato a posição oposicionista deste país, já que a oposição está profundamente fragilizada. E esse papel de oposição, de investigação, sem dúvida nenhuma incomoda sobremaneira o governo [Lula].

A declaração franca e sincera partiu da executiva do grupo Folhas e presidente da ANJ (Associação Nacional dos Jornais), Maria Judith Brito (foto). A inconfidência se deu no dia 18 de março último em reunião na sede da Fecomércio, no Rio, e contou com o testemunho de jornalistas e dirigentes das entidades de imprensa, Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e TV) e Aner (Associação Nacional dos Editores de Revistas).

O que a presidente da ANJ admitiu é precisamente o que este blog DG repete desde que veio ao mundo, quatro anos atrás: a mídia brasileira é o grande partido político de oposição no Brasil, face à opacidade dos partidos tradicionais e seus líderes. Esse fato não seria tão grave, se a própria mídia admitisse a condição de partido político de oposição. Mas na prática não é o que se vê, a grande imprensa insiste em representar o (falso) papel de protagonista da isenção política e da neutralidade ideológica. Com a confissão de Judith Brito (a rigor, uma trapalhada política imperdoável, se vista sob o prisma de interesses da direita) a conversa sai do território do cinismo e começa a adentrar uma área de menos fricção e mais sinceridade, por parte dos donos e executivos da mídia brasuca.

Agora, só resta aos afiliados e associados da ANJ reproduzirem em editoriais altissonantes a admissão tardia de sua liderança maior. Acho difícil que isso aconteça, mas de qualquer forma fica o registro (indelével) para a posteridade.

As palavras de Judith Brito estão gravadas no bronze incorruptível da nossa memória. (Retórica à moda de Gaspar da Silveira Martins, líder maragato guasca.)

Foto Eliária Andrade/O Globo

Tarifas de bancos subiram 328% desde 2008, diz Idec


Lula, de fato, fez um pacto faustiano com os banqueiros. Dilma irá confirmá-lo?

As tarifas avulsas de serviços bancários subiram até 328% entre abril de 2008, quando o Banco Central (BC) instituiu novas regras para o segmento, e fevereiro deste ano. O porcentual supera amplamente a inflação do período, que foi de 9,88%. Nos pacotes de serviços, a maior variação foi de 65,8%.

Os números integram estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). O levantamento, realizado pela economista Ione Amorim, foi feito com base nas informações que as instituições publicam em seus sites na internet. Participaram da amostra os dez bancos brasileiros que têm mais de 1 milhão de clientes.

"A principal conclusão que tiramos é que as maiores variações são explicadas pelo realinhamento das tarifas com a média do setor", diz Ione. "Isso mostra que os bancos não trabalham pela menor tarifa, mas para estar junto dos outros, o que demonstra pouca concorrência."

Depois que o BC apertou as regras, ficou mais fácil para os bancos comparar as tarifas com os concorrentes. Daí o realinhamento a que se refere o Idec. Quem cobrava menos procurou se aproximar de quem cobrava mais - e não o contrário. As informações são do Estadão.

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Se o Vaticano não estivesse tão por baixo, era o caso de chamar o Benedito pra se queixar dos bancos brasileiros. Sim, porque o Estado brasileiro, através do governo Lula, não está nem aí para o abuso dos bancos. Lula fez um pacto faustiano com a banca, cedeu parte de sua soberania em troca de apoio surdo ao seu governo. Isso fica comprovado a cada balancete trimestral dos bancos.

A coisa funciona assim: Lula deixa a roubalheira bancária correr solta (injustificados 328% de aumento real nas tarifas, em pouco mais de um ano, se classifica como o quê?), em contrapartida, os banqueiros e o "mercado" não ficam financiando conspirações, golpes e desestabilizações políticas contra o lulismo de resultados no poder. Só faltou combinar com os russos, no caso o PIG, que ainda promove algum ensaio golpista, mas que não tem fôlego para três dias de manchete. A grita furiosa do PIG se deve, primeiro, à queda tendencial (mundial) da leitura em papel (o manotaço de afogado, como se diz na Campanha); segundo, à redistribuição mais equânime e horizontal promovida pelo Planalto das verbas de comunicação, antes concentrada nas grandes mídias do quadrilátero São Paulo-Rio-BH- Brasília.

Resta saber se a candidata lulista, Dilma Vana Rousseff, vai confirmar ou rejeitar o pacto Lula/Palocci com os banqueiros. As informações que temos é que Antonio Palocci - como se diz no jargão turfístico - está "batendo casco no partidor", doido de coceira para reeditar o acerto com a banca. Mas tudo está passando por um up grade proposto pelo banqueiro/intelectual orgânico Armínio Fraga. Trata-se do projeto Ômega, cujo objetivo diabólico é tornar São Paulo um centro financeiro do Hemisfério Sul, do calibre de Londres e Nova York. Para que isso comece a se realizar, seria necessário o cumprimento estrito de uma agenda de compromissos que eliminaria barreiras tarifárias, IOF, taxas, e sobretudo a anulação dos controles do Ministério da Fazenda e do Banco Central do Brasil, entre outras bandalheiras que transformariam o Brasil na República da Banca. [A julgar pela lucratividade dos nossos bancos, já somos essa República de pesadelo.]

Para abreviar: a soberania do Estado brasileiro sobre os bancos instalados no País ficaria contíguo ao grau zero.

Este é o problema posto à frente da candidata Dilma Vana. Se a proposta for apresentada ao candidato tucano José Serra (consta que ainda não o foi), certamente será aprovada com louvor.

terça-feira, 30 de março de 2010

Lula se rebaixa, por nada


Frias - o colaborador da ditadura - foi condecorado postumamente com uma medalha de nome "Jornalista Roberto Marinho"

Lula, ontem, no Planalto concedeu ao empresário Octavio Frias de Oliveira, falecido em 2007, uma homenagem póstuma, recebida por sua filha Maria Cristina (foto), herdeira do grupo midiático Folhas. A condecoração a um dos mais salientes colaboradores civis à ditadura de 1964 é denominada (olha o nome da coisa!) Ordem do Mérito das Comunicações Jornalista Roberto Marinho.

É de causar náusea.

O presidente Lula tem visível dificuldade em reprimir um certo traço de personalidade subalterna que por vezes aflora - dominante - em seu comportamento público. Serão manifestações relâmpago do tal atavismo da "servidão voluntária", do La Boétie, século 16? Não sei. Por cautela e método, seria preciso estudar o caso.

Fica parecendo que, nessas ocasiões vexatórias (para o próprio), ele pede desculpas às oligarquias por ser presidente da República.

É o que se deduz da inutilidade objetiva desses gestos politicamente rebaixados e pessoalmente constrangedores.

Foto de José Cruz, da Agência Brasil.

Armando Nogueira, que foi mais Armando do que Nogueira

O "forjador do jornalismo de televisão". Mas quê jornalismo?

A edição/manipulação do debate Collor versus Lula na eleição presidencial de 1989, veiculado pela TV Globo. Vejam como se montou o golpe midiático da eleição de Collor:




Abaixo, as explicações dos editores do JN da TV Globo sobre a célebre manipulação golpista.

Vejam que Armando Nogueira, mais Armando do que Nogueira, conforme depoimento de seus subordinados, escafedeu-se, homiziou-se em lugar incerto, para não participar da edição do JN que selou o resultado das eleições de 1989. Uma edição jornalística manipulada em favor de Fernando Collor, que acabou como todos sabemos.

Esta é a mídia que temos no Brasil e que prevalece até os nossos dias, mesmo que duas décadas tenham transcorrido. Uma mídia que o jornalista Armando Nogueira ajudou a forjar e consolidar. O mesmo Armando que muitos hoje perfumam como "poeta do texto esportivo" e "criador do jornalismo televisivo". Sim, criador do jornalismo de tevê, do jornalismo que apenas expressa a "liberdade de imprensa" dos donos das emissoras.

Mas vejam o imbróglio da edição, no qual Armando, repito, se escondeu - talvez de vergonha - para não ter de participar de um golpe contra a democracia brasileira. Observem que o editor de texto do JN na época, Octávio Tostes, confirma que a edição é uma "peça antológica de como não se deve fazer jornalismo".

Pois, esse jornalismo, esse não-jornalismo, melhor dito, ainda continua no ar na TV Globo e suas afiliadas.


Vídeo pescado do blog RS Urgente

segunda-feira, 29 de março de 2010

"Avatar" é um belo manifesto eco


Kitsch, por vezes primário, texto ruim, mas convincente e irrefutável

Sábado, finalmente, pude ver o filme "Avatar". Quem viu "Guerra ao Terror" (The Hurt Locker) deve necessariamente ver "Avatar" (e vice-versa). São como pares antagônicos, não só pelos temas que abordam, como pelo envolvimento conjugal anterior de seus diretores, Kathryn Bigelow e James Cameron.

"Guerra ao Terror" trata da guerra de forma esquecida e sem contexto, enxerga o soldado mas não vê o exército de ocupação imperial que vai predar o Iraque em nome, em nome, em nome do quê mesmo? Ah!, da geopolítica da ganância.

"Avatar" também trata da guerra, mas na forma de defesa do território como Natureza harmônica, de uma distópica cultura extraterrestre que não se descolou do mundo natural, que não briga com o resto da criação para fazer prevalecer valores reificados e hipertrofiados.

Pode-se dizer que "Avatar" é um filme de guerra com um olhar odara. Já foi chamado de Pocahontas-da-ficção-científica. Pode ser, não importa. O certo é que se trata de uma colagem de muitos signos, um longo trem de simbolismos puxados pela locomotiva do discurso ecológico. Usa e abusa da linguagem dos quadrinhos, da animação gráfica, das novíssimas tecnologias, de efeitos chamados especiais, de técnicas outras que fazem suporte para a velha e boa linguagem cinematográfica, que visam sobretudo causar impressões e emoções nos espectadores de qualquer idade. E consegue. Embora, o texto por vezes não seja bom. A história é banalíssima e o romance de "Avatar" é primário-açucarado. Mas, o pacote final acaba sendo satisfatório como espetáculo no contrapelo do pensamento hegemônico.

James Cameron usa o espetáculo para alertar, fazer refletir e denunciar o plano inclinado no qual resvala o mundo da mercadoria na sanha destrutiva da Natureza. Cameron mostra de forma didática que Homem-Natureza é uma coisa só, que tudo está interligado e conectado, e que corremos risco - sim - se ousarmos continuar cortando essa costura delicada de compromisso vital com o planeta que habitamos. Tem uma passagem quase poética, lembrada pela "mocinha" Na'vi, a guerreira Neytiri: "Podemos usar toda a energia que quisermos, mas um dia temos que devolvê-la à Natureza". Ponto. Não há discussão que consiga refutar esse princípio universal.

"Avatar" também pode ser lido como uma transposição futurística da invasão do Império ao Iraque e Afeganistão. Hoje, se invade na busca do domínio do petróleo, amanhã se invadirá na predação de minério raro, que vale 20 milhões de dólares o quilo, como em Pandora do filme. Cameron quer mostrar que esse ciclo burro deve ter fim, não é possível continuar fazendo as mesmas asneiras sempre, sem que nos dissolvamos na guerra de extermínio e destruição total do ambiente (seja qual for) em que vivemos.

Fui ver o filme numa sessão onde havia muitas crianças. Preconceituoso e ranzinza, achei que tinha feito um mau negócio. Ledo-ivo engano. As crianças ficaram absortas na história o tempo inteiro, estavam sideradas pelas imagens e o movimento desabalado e cativante do filme. Concluí que um filme desses vale por milhões de panfletos e militância ativa de multidões em favor de "um outro mundo possível".

A estética de "Avatar" é breguíssima. Lembra as capas dos discos-vinil da velha banda Yes, realizadas pelo artista pop Roger Dean, na linha adoçada do orgânico-cósmico, seja lá o que isso signifique de fato. Procurei sobre o cara na internet e notei que vários espectadores de "Avatar" também notaram o traço inconfundível de Dean naquelas montanhas flutuantes, nos pássaros-monstros, nas luminescências noturnas da botânica de Pandora, e no astral new age do filme. Ou seja, estética anos 70, total. Muito cafona, muito bicho-grilo, muito kitsch, mas eficaz e eficiente como manifesto eco às novíssimas gerações. Tenho certeza que "Avatar" vai marcar positivamente as crianças de forma permanente. Espero que não seja tardio. Seu subconsciente, sua imaginação já ficam inoculados com anticorpos de defesa e contra a vigarice global da mercadoria e seus agentes amestrados.

Verificando a crítica ao filme publicada na mídia brasuca, notei também que a mesma se limita a comentar sobre os aspectos negociais e mercadológicos do orçamento milionário do filme de Cameron, um orçamento na ordem de meio bilhão de dólares. Poucos comentam o filme em si, preferem falar dos aspectos "blockbuster" do empreendimento comercial-pop. Exaltam o lado "mercado" do cinema de James Cameron, mas esquecem o tema contundente e denuncista, político mesmo, do filme "Avatar". Como dizia aquele canadense: "o meio é a mensagem". Ou seja, se a "mensagem" não é boa (para os vendilhões da Natureza), vamos comentar apenas o "meio", o filme e seus muitos business derivativos.

Na saída do cinema, ouvi um adolescente sebentinho, voz anasalada, cabelo na palma da mão, comentar (mordaz) com os amigos: "Será que aquele general sequelado andou tomando o santo daime, pra detonar com os Na'vi?"

Coisas da vida.

Ouça o velho Yes, orgânico-cósmico, como se dizia. A banda foi formada em 1968, e Cameron recupera um pouco essa estética new age:

Yes - I've Seen All Good People
Found at skreemr.com


Relações suspeitíssimas entre TV Globo e José Serra

Família Marinho grilava terra pública na cidade de São Paulo

É como sempre repetimos aqui: relações promíscuas de século 19 em pleno século 21.

Mas veja o vídeo de pouco mais de 12 minutos.

Imperdível!



Professores da Uergs estão em greve


Governadora Yeda, semana passada, concedeu reajuste de 66% para o Reitor e Pró-Reitores

Em assembleia geral realizada na noite desta sexta-feira, 26, na sede estadual do Sinpro/RS, os professores da Uergs decidiram entrar em greve a partir de hoje, segunda-feira 29/3.

As principais reivindicações dos professores são:

1) Contratação dos 21 docentes cujos concursos já foram homologados pelo CONSUN desde janeiro.
2) Autorização para a reposição de 116 docentes que deixaram a Universidade.
3) Reajuste de 9,92% + 15% de gratificação para todos os docentes até a aprovação do plano de carreira.
4) Cumprimento integral do termo de compromisso assinado com o CEEd (Conselho de Educação).

A Universidade possui 3.300 alunos e apenas 90 professores para atendê-los em condições estruturais precárias. Conforme relatos da categoria durante a assembleia existem unidades, como Tapes, que há mais de uma semana sequer existe abastecimento de água. A principal queixa dos docentes é a falta de professores que está inviabilizando a Instituição.

Na próxima segunda-feira 29 de março os alunos das unidades da UERGS de Porto Alegre e Novo Hamburgo terão aula na Praça da Matriz a partir das 10 horas, como parte da mobilização dos professores. As outras unidades da UERGS no interior do estado também estarão mobilizadas.

Na próxima quarta-feira, 31 de março, será realizada nova assembleia no auditório do Sinpro/RS (Av. João Pessoa, 919), às 18 horas, para avaliar a mobilização e decidir sobre a continuidade da greve.

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A rigor, a Uergs está em vias de fechar as portas. O descaso do Governo do Estado nos últimos anos - gestão Rigotto e Yeda - levou a Universidade a uma situação de inviabilidade técnica, impedindo que a mesma cumpra seu objetivo, que é o de ofertar educação superior gratuita, fomentando o desenvolvimento regional e a inclusão social.

A ponta mais visível desta crise é a falta de professores nas unidades. A previsão para funcionamento adequado da Instituição seria de no mínimo 300 docentes.

As condições de funcionamento das unidades são extremamente precárias. Falta de laboratórios, água, luz, manutenção, acesso à Internet, bibliotecas e segurança reflete a ausência de investimentos e a incapacidade de gestão da atual Reitoria.

A precariedade de infra-estrutura e condições de trabalho levou o Conselho Estadual de Educação (Ceed/RS) a não reconhecer os diplomas emitidos pela Uergs até que a Universidade se comprometesse a sanar as irregularidades apresentadas. O Termo de Compromisso assinado pela Reitoria, Secretaria de Ciência e Tecnologia e Ceed/RS está sendo descumprido menos de dois meses após sua assinatura, o que coloca em risco, novamente, o reconhecimento dos cursos e consequentemente a emissão de diplomas.


domingo, 28 de março de 2010

Viu como não precisa fazer trote idiota?



172 alunos de Comunicação da Universidade de Québec à Montreal (UQAM), do Canadá, fizeram este vídeo no primeiro dia de aula em setembro último. Levaram 2 horas e 15 minutos para gravar o vídeo com a música do grupo hip-hop Black Eyed Peas.

Simples, divertido, sem a estupidez dos trotes que conhecemos. E integrador. Na Universidade de Montreal, campus de Quebéc, há uma semana dedicada à integração dos alunos ao chamado "espírito universitário", com brincadeiras, jogos, exibição de vídeos, peças teatrais, e registros dos alunos (como esse).

Ah!, e ninguém reclamou do tamanho da saia das meninas...

Um resto de zero


Sem abrigo

O meu lar está tão distante como Alfa de Centauro
se bem que fique do outro lado da cidade
que percorro de lés a lés, dia após dia.
Às vezes passo perto e olho a medo
através das minhas lentes de vergonha
e sigo ao largo, apressadamente,
não me vão confundir com quem já fui
ou achar-me parecido com quem sou.
Aprendi que um homem é uma espiga.
Um dia,
uma carta chega como uma foice
e o mundo desmorona-se.
Um dia,
um homem que antes era um barco ancorado
acha-se de súbito no meio da tempestade,
vê quebrarem-se todas as amarras
e a terra firme perder-se na distância.
Um homem tenta em vão caminhar sobre a água
moldar qualquer coisa com a água
fazer nascer qualquer coisa da água
mas... tudo se escoa entre os seus dedos
menos o tempo que escoar-se deveria
mas que ao invés se vai acumulando
como húmus onde cresce o esquecimento.
E todos me esqueceram...
E eu esqueci-os a todos...
A minha memória foi-se esvaziando
como uma árvore que não é regada –
as minhas raízes estiolaram,
os meus braços ficaram pendentes
como ramos secos, sem dar frutos
e o vento que me arrancou os sonhos como folhas
arrasta-me aos baldões de esquina em esquina.
Hoje vivo numa fábula moderna,
transformado pela vara de condão
de um mago da finança
num caracol que arrasta lentamente
a casa de cartão roubado ao lixo
pelo país da indiferença;
sou uma roda inútil na grande engrenagem,
uma sílaba supérflua na palavra progresso,
um nome feito em número, arredondado,
até ser só um resto de zero.

Fernando Correia Pina, poeta português contemporâneo

Fotografia de Robert Doisneau

Só cobra

sábado, 27 de março de 2010

Crise grega


Eurotrapalhada, bagunça nas nações ocidentais, desordem mundial?

Todos estão discutindo o que a revista Fortune chama de "turbilhão grego" e apontando o dedo para alguém. De quem é a culpa? O governo grego é acusado de fazer trapaça e de deixar os gregos viverem para além das suas posses. A União Europeia é acusada de ter criado uma estrutura impossível para o euro.

Ou a culpa é do Goldman Sachs? O banco é acusado de ter permitido que o governo grego falsificasse as contas quando procurava aderir ao sistema monetário do euro. É acusado hoje de se envolver em "credit-default swaps" que tornaram a situação do governo grego ainda mais vulnerável, mas que fizeram aumentar os lucros do banco. O chefe de estratégia de crédito do UniCredit em Munique diz que isto é como "comprar seguros da casa do vizinho - cria-se um incentivo para incendiá-la." A chanceler Angela Merkel da Alemanha considera escandalosas as ações do Goldman Sachs de 2002 e Christine Lagarde, a ministra das Finanças francesa, clama agora por uma maior regulação dos credit-default swaps.

Niall Ferguson diz que "há uma crise grega a caminho da América." Chama-lhe "uma crise fiscal do mundo ocidental". Ferguson está falando sobre os malefícios da dívida pública e do conceito de um "almoço grátis keynesiano", que no final é um "entrave ao crescimento". Paul Krugman diz que é uma "Eurotrapalhada" porque a Europa não devia ter adotado a moeda única antes de ter união política. Mas agora não se pode deixar o euro quebrar, porque desencadearia um colapso financeiro mundial.

Entretanto, parece que toda a gente está a pressionar o governo grego para reduzir o deficit orçamentário de mais de 12% do PNB para 4% em quatro anos. Consegue fazer isto? Deveria fazê-lo?

O governo grego diz que fará alguma coisa. Este "alguma coisa" foi suficiente para desencadear greves maciças de agricultores, do pessoal dos hospitais, dos controladores de tráfego aéreo, dos funcionários das alfândegas e de todos a quem estão a pedir que reduzam os rendimentos no meio de uma crise econômica e do desemprego crescente.

Deveria a Alemanha fazer alguma coisa? Os alemães não querem, por dois motivos principais. O primeiro é a perspectiva de pedidos de ajuda de outros Estados em dificuldades econômicas (Espanha, Itália, Portugal, Irlanda) pelo mesmo motivo. O segundo é a pressão interna dos seus cidadãos que vêem qualquer ajuda à Grécia como dinheiro subtraído deles, quando também estão sentindo um aperto econômico.

Por outro lado, se a Grécia (e outros países) apertam os seus cidadãos para pagar a dívida, isso significa reduzir o poder de compra para as importações - em primeiro lugar da Alemanha. E isto significa, em contrapartida, uma baixa da economia alemã. Josef Joffe, editor da Die Zeit, resmunga: "A Europa tornou-se um grande estado de bem-estar social para toda a gente, para os estados assim como para os indivíduos."

Entretanto, o euro está em queda e o dólar é mais uma vez, de momento, um "refúgio seguro". Ferguson adverte-nos que "a dívida do governo dos EUA é um refúgio seguro da mesma forma que Pearl Harbour era um refúgio seguro em 1941."

Quando um analista do Financial Times sugeriu que a Alemanha ia, afinal, resgatar a Grécia, um leitor alemão comentou: "Então, o que dizem é: dêem-lhes o nosso dinheiro para gastar na nossa loja." Mas não é isto que os chineses fazem quando compram títulos do Tesouro dos EUA?

O que estas múltiplas análises cruzadas de vantagem e desvantagem de curto prazo não entendem é que o problema é mundial e estrutural. Os bancos existem para ganhar dinheiro. Os jogos em que o Goldman Sachs esteve envolvido (assim como outros bancos) não ocorreram só na Grécia, mas em muitos, muitos países - mesmo na Alemanha, França e no Reino Unido, e até nos Estados Unidos.

Isto porque os governos querem sobreviver. Para isso, precisam gastar dinheiro suficiente para impedir um "turbilhão" e o levante civil. E se não mobilizam impostos suficientes para isso (porque não querem aumentar mais os impostos e porque uma economia mais fraca significa menos arrecadação global de impostos), precisam "massagear" as suas contas pedindo emprestado. E empréstimos disfarçados (dos bancos, por exemplo) são melhores que empréstimos abertos, porque permitem aos governos evitar críticas, até que um dia o segredo é revelado, e há uma "corrida aos bancos".

Os problemas da Grécia são realmente os problemas da Alemanha. Os problemas da Alemanha são realmente os problemas dos Estados Unidos. E os problemas dos Estados Unidos são realmente os problemas do mundo. Analisar quem fez o quê nos últimos dez anos é de longe menos útil do que discutir o que pode ser feito - se é que algo se pode fazer - nos próximos dez anos. O que está a ocorrer é um "game of chiken" [em que dois condutores aceleram um em direção ao outro e perde o primeiro a desviar-se] mundial. Todos parecem estar à espera para ver quem vacila primeiro. Alguém vai cometer um erro. Então vai acontecer aquilo que Barry Eichengreen chamou de "a mãe de todas as crises financeiras". Até a China vai ser afetada por esta.

Artigo de Immanuel Wallerstein, sociólogo estadunidense. Pescado do portal Esquerda.net

sexta-feira, 26 de março de 2010

O homem sem qualidades no mundo da mercadoria


Dinheiro é expressão social

No capitalismo, o trabalho produz mercadorias e produz o próprio homem. As mercadorias são valores de uso que servem para trocar no mercado. A mercadoria tem um valor de troca que a iguala a todas as outras mercadorias. Essa equalização das mercadorias é dada pelo trabalho que cada uma contém em quantidades diferentes.

Portanto, o valor de uma mercadoria é diretamente proporcional à quantidade de trabalho abstrato nela materializado e inversamente proporcional à produtividade do trabalho concreto que a produz. Sendo que o trabalho abstrato é o trabalho social despojado de suas distinções qualitativas (indiferente à forma, ao conteúdo e à individualidade do trabalhador), só importando as quantidades de força de trabalho gasta na produção de um bem. Já o trabalho concreto é o trabalho qualificado específico de cada trabalhador (pedreiro, carpinteiro, serralheiro, etc.).

Assim, o ato singular de trabalho – ele mesmo uma mercadoria – compreende trabalho concreto e trabalho abstrato; sendo o trabalho concreto um valor de uso, uma qualificação do trabalhador; e o trabalho abstrato um valor de troca, uma quantificação do tempo empregado pelo trabalhador no processo de trabalho.

Marx nota que o trabalho concreto específico é reduzido – no mercado - a trabalho abstrato universal. E essa redução é também uma degradação do trabalho; ele é subtraído das suas qualidades para ser reconhecido (e daí remunerado, parcialmente) como quantidade, em medida de tempo.

O mercado, assim, não reconhece a qualidade da força de trabalho (apesar de esgotá-la), e sim a sua quantidade parcial. A transferência/incorporação de valor do trabalho à mercadoria é alienação de qualidade e de quantidade de valor, agora materializado num objeto. Objeto esse que será estranho ao trabalhador (esgotado de qualidades), sobre o qual ele não terá a mais mínima identidade; e que se voltará contra ele sob a forma de capital, para novamente subtraí-lo e condená-lo à alienação material e ideológica. Material, porque nega remunerá-lo segundo a grandeza efetiva da riqueza criada; e ideológica, porque lhe cega o conhecimento de que ele próprio é o sujeito do processo de criação de riqueza e geração de poder, fazendo-o crer que é tão-somente um objeto, tal qual a mercadoria que produz.

O mercado é definido, então, como uma instituição social, histórica que supre a sociedade de valores de uso determinada (governada) pela lei do valor, que submete a liberdade individual às quantificações sem-qualidades de sua própria reprodução fetichizada. As qualidades (valor de uso) do trabalhador (agora) sem qualidades estão diluídas para sempre em reproduções seriais de valores de troca que o representam de forma transfigurada no mercado de quantidades "sisificamente" repetidas.

A transcendência máxima do máximo de mercadorias é realizar-se (qualificar-se) freneticamente como dinheiro – a mercadoria modelo/forma da última vida social ou, como diz Marx, a "expressão social do mundo das mercadorias".

Todas as demais mercadorias querem "imitar" a capacidade de valorização do dinheiro, que é "a vida do que está morto (força de trabalho alienada na mercadoria, e esta transformada em moeda) se movendo em si mesma" – na genial síntese de Hegel.

Clique na fotografia para ampliá-la.

Ouça Caetano Veloso, numa letra primorosa:

CAETANO VELOSO - NO DIA EM QUE EU VIM-ME EMBORA.
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Agronegócio consegue outra grande conquista sob o lulismo


Governo Lula não exigiu nenhuma contrapartida da bancada ruralista

Dentro de 30 dias, os agricultores e pecuaristas que produzem para exportação podem deixar de pagar tributos federais sobre insumos como ração e adubo. A Receita Federal e a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior assinaram ontem (25) portaria conjunta que regulamenta o drawback integrado. A informação é da Agência Brasil.

O drawback é um regime que suspende o pagamento de tributos federais sobre os insumos usados nas mercadorias produzidas exclusivamente para a exportação. Esse regime existe desde a década de 60, mas só era aplicado sobre os insumos importados. Em 2008, o governo estendeu o regime aos insumos nacionais, criando o drawback verde-amarelo.

No final de 2008, uma medida provisória havia estendido o drawback aos produtos agropecuários, criando o drawback integrado. A lei foi aprovada pelo Congresso Nacional, mas a aplicação do regime dependia da portaria conjunta. A portaria havia sido editada pela Secretaria de Comércio Exterior no ano passado, mas ainda faltava a assinatura do secretário da Receita Federal, Otacílio Cartaxo.

Com a portaria, os produtores nacionais poderão adquirir insumos nacionais ou importados, de forma combinada ou não, com suspensão de tributos. No drawback verde-amarelo, o benefício só valia para as matérias-primas nacionais se a mercadoria contivesse pelo menos um item importado.

Os tributos que terão o pagamento suspenso são os seguintes: Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados, PIS/Pasep e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Segundo a nova portaria, o prazo para a suspensão será de até um ano, podendo ser prorrogável por igual período.

No caso de matérias-primas importadas serem usadas na produção de bem de capital de longo ciclo de fabricação, como máquinas e equipamentos, a suspensão poderá ser estendida para até cinco anos. As empresas industriais fornecedoras do produtor-exportador também serão incluídas no drawback integrado.

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Mais uma grande conquista do agronegócio, em pleno lulismo de resultados. Enquanto isso, a Proposta de Emenda Constitucional 438/2001, que prevê confisco de terras cujos proprietários usem trabalho braçal em condições degradantes similar à escravidão está escondido em algum desvão obscuro do Congresso Nacional.

Então não era para o governo Lula exigir contrapartida da bancada ruralista no Congresso? Vocês, representantes do agronegócio de exportação, levam os benefícios do drawback integrado mas votam em 30 dias a PEC do trabalho escravo. Mas nada disso foi feito, sequer negociado.

Lula vai encerrar o seu segundo governo com um saldo positivo de grandes realizações, mas mancha a sua biografia face ao flagrante descaso para com essas medidas de eliminação do trabalho escravo no Brasil.

quinta-feira, 25 de março de 2010

A social-democracia opta pelo neoliberalismo


Por que o PT não foi, não é e jamais será social-democrata - parte 3 (final)

O mal denominado socialismo democrático, da Segunda Internacional, não querendo romper com a ordem do mercado, adapta-se a ele, reformando-o por dentro; com isso supunham estar em trânsito para o socialismo. O reformismo pode não levar ao socialismo, mas certamente conduz a uma boa discussão.

Adam Przeworski sustenta que "as reformas levariam ao socialismo se e somente se fossem (1) irreversíveis, (2) cumulativas em seus efeitos, (3) conducentes a novas reformas e (4) orientadas para o socialismo".

Ora, diz esse professor da Universidade de Chicago, as reformas são reversíveis. O neoliberalismo desfez muitas conquistas importantes do movimento social, nos últimos anos, tanto no Brasil, mas, principalmente, na Europa. As reformas, de outra parte, não são necessariamente cumulativas. Um sem-número de novos problemas são demandados diariamente pela produção-reprodução do capital. Problemas que sequer eram cogitados no início do século 20, hoje fazem parte de um pesadelo social, resultante do "papel civilizador do capital" como: o comprometimento ambiental; a autonomia do dinheiro e a heteronomia dos indivíduos; a violência horizontalizada; as máfias localizadas que competem com o Estado e atuam na lógica do valor; a esfera da subjetividade e os cacos de fascismo capilarizado nas relações interpessoais, familiares, profissionais, religiosas, étnicas, cuja usina geradora é a alienação do trabalho e a "valorização do valor" (Marx). "O sistema do direito, o campo judiciário são canais permanentes de relações de dominação e técnicas de sujeição polimorfas", conforme aponta Foucault. Menos do que uma legitimidade a ser estabelecida, o direito (a lei) é um procedimento de sujeição. A questão central do direito, a soberania do Estado e a obediência dos indivíduos, deve ser traduzida como dominação, heteronomia e sujeição.

Outra questão: nem todas as reformas são conducentes a novas reformas. Em várias situações, observa Przeworski, reformas que satisfazem demandas imediatas dos trabalhadores prejudicam possibilidades futuras.

Ele lembra Rosa de Luxemburgo: "No grau em que os sindicatos têm condição de intervir no setor técnico da produção, são capazes somente de opor-se à inovação técnica. [...] Nesse aspecto, agem em uma direção reacionária".

Hoje, pelo menos na Europa, o inimigo oculto da diminuição da jornada de trabalho são os sindicatos dos trabalhadores plenamente empregados. Oculto, por que não o dizem de frente, mas colocam empecilhos e pautam outras demandas que acabam inviabilizando a adoção da medida.

Finalmente, objeta o professor polonês, "mesmo que as reformas fossem irreversíveis, cumulativas e mobilizadoras, aonde elas conduziriam?" Certamente também não conduziriam ao socialismo. Reformas, no limite, conduzem a mais reformas, não ao socialismo. A questão do pleno emprego é uma demanda, hoje, de difícil atendimento. Mesmo que conquistada, tem como conseqüencia o retardamento das possibilidades de liberação do trabalho do jugo da alienação. Como o trabalho vivo está cada vez mais escasso, o movimento trabalhista e seus equivalentes partidários propugnam pela quixotesca medida de socializar o tempo de trabalho entre vários indivíduos, como forma de atender a mais trabalhadores. Isso aumenta a concorrência entre os trabalhadores jogando para o espaço a antiga solidariedade de classe e o "internacionalismo proletário", já que o indivíduo da China compete com o trabalhador de Igrejinha (RS).

O reformismo é o caminho inevitável dos socialistas em geral, mesmo os revolucionários pós-leninistas com franjas de poder; entretanto, tem que ser entendido nas suas limitações, como uma esfera que só tenha movimento de rotação (em volta do próprio eixo), onde está ausente o movimento de translação ao "céu socialista". E esse movimento de translação, de trânsito, é o busílis; como diz um personagem do Rubem Fonseca.

A adoção de reformas no exercício do poder executivo ocorre no marco da contingência política consubstanciada numa ação consciente face a relações desiguais de força. Contudo, no plano teórico não se pode borrar o horizonte das nossas determinações, e nem inventar sucedâneos com pedaços desconexos da realidade. O resultado, quase sempre, é um frankenstein-teórico de vida tão longa quanto as "células" que o compõem.

O sucedâneo da intuitiva metáfora de Adam Smith sobre a "mão invisível" do mercado, que tudo ajustará à sua lógica prosaica de melancias em carroça; seria a "mão visível" do mercado que, por um controle panóptico de técnicas infalíveis, teria o condão de instaurar o socialismo sem a abolição do mercado. O socialismo-com-mercado, então, seria uma questão de mais visibilidade ou menos visibilidade: o rebaixamento da teoria social a uma mera lei da ótica. No PT temos vários exemplos de filiação a esse bizarro socialismo-panóptico-de-mercado.

Se para os socialistas sinceros, ainda que infecundos, do maio de 68, o socialismo é a imaginação no poder; para o social-positivismo prevalece o postulado que rebaixa a imaginação à simples observação e controle gerencial do mercado. Reservando à imaginação tarefas tão criativas quanto ver televisão e consumir.

A contradição social-democrata ilustrada pela profissão de fé "marxista" em um socialismo baseado na luta parlamentar e num processo "natural" de superação do capitalismo não dava base de sustentação à gestão do Estado. Era preciso sustentar teoricamente o edifício de areia kautskiano. A primeira vitória nacional efetiva, pelo voto, dos social-democratas foi na Suécia, em 1920. Confrontaram-se, então, com a realidade, e foram socorrer-se de Keynes para imprimir alguma pecualiaridade diversa da política clássica do liberalismo.

"O keynesianismo forneceu o alicerce para o compromisso de classes, dando aos partidos políticos representantes do operariado uma justificativa para exercer cargos políticos em sociedades capitalistas", modelo do qual eles não queriam se afastar.

Agora havia uma razão para estarem no poder. A eliminação do "hiato do pleno emprego", assegurando que não haveria desemprego de homens e máquinas. Como? Aumentando o consumo. Com isso, refaz-se um círculo de legitimidade entre o pensamento distributivista social-democrata e a racionalidade keynesiana. Há uma convergência complementar de interesses entre o anseio "particularista" de consumo das classes assalariadas e o interesse "universal" da produção de mercadorias.

O casamento do keynesianismo com a social democracia foi exitoso até o final da década de 60. O declínio keynesiano corresponde à crise do capitalismo democrático, como assegura Przeworski. A ideologia neoliberal passa, então, a hegemonizar o conjunto das políticas econômicas do final do século 20, quando a social democracia não hesita em adotá-lo como base material de sustentação de uma fórmula de gestão que já não ruboriza-se em corresponder à integralidade dos interesses fetichizados da mercadoria. Onde, Tony Blair, do partido trabalhista inglês, e ex-primeiro-ministro da Inglaterra, pontifica como síntese acabada de um processo que transforma o indivíduo em estranho a si próprio, em favor de um personagem que suspeita dominar, mas que é por ele arrastado e subjugado.

A opção idealista, moralista e "naturalista" pela economia de mercado exauriu os remanescentes conteúdos "socialistas" da ideologia social-democrata. Tal como a taxidermia "empalha" animais para representá-los vivos à nossa memória; assim também a ideologia social-democrata representa um socialismo empalhado e nostálgico de um passado que nunca se faz futuro. E paralisa-se num eterno presente de divinização do mercado. Tributário dos próprios temores, se pereniza comovedoramente na ordem que só ousou contestar com frases respeitosas, sem verbo e sem predicado. Os ideais audaciosos estão arquivados na gaveta da resignação.

O neoliberalismo é a maquiagem refeita de uma velha ideologia que já foi tolerante com a democracia consentida pelo capital. A crise estrutural do sistema acentua-lhe a face autoritária e mal disfarça o sentido repúdio que sempre votou à democracia da forma liberal. "Os proprietários do capital rejeitam abertamente um compromisso que implica influência pública sobre o investimento e a distribuição de renda. Pela primeira vez em muitas décadas, a Direita possui um projeto histórico próprio: libertar a acumulação de todas as cadeias impostas pela democracia. Porque a burguesia não conseguiu completar a sua revolução." - finaliza Przeworski.

Copa de futebol deixará um rastro de elefantes brancos no Brasil


Hoje, o controle de gastos com a Copa é quase nulo

O Brasil enfrentará desafios estruturais para a realização da Copa do Mundo de 2014. De acordo com o geógrafo da Universidade Federal Fluminense (UFF), Christopher Gaffney, o país caminha para a construção de elefantes brancos e demonstra falta de planejamento e de transparência nos gastos públicos. As informações constam de estudo apresentado hoje (23), durante o Fórum Social Urbano (FSU). A informação é da Agência Brasil.

Segundo a pesquisa, não há controle nos gastos com a construção ou a recuperação de estádios das 12 cidades que receberão as competições. Ainda de acordo com o pesquisador, como o governo não conseguiu apoio da iniciativa privada para construção das arenas, que devem ter capacidade para 50 mil pessoas, fará aportes por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que destina R$ 4,8 bilhões para Copa do Mundo, sendo R$ 400 mil para cada município.

Gaffney disse também que a aplicação de dinheiro não conta com mecanismos de acompanhamento social e os orçamentos para reforma de três arenas foram extrapolados em menos de nove meses. Como exemplo, a pesquisa cita o Maracanã, no Rio, cujo orçamento inicial passou de R$ 500 milhões para R$ 600 milhões de 2009 para 2010, o Estádio do Morumbi, em São Paulo, que passou de R$ 136 milhões para R$ 240 milhões e do Estádio da Fonte Nova, em Salvador, de R$ 400 milhões para R$ 591 milhões.

O estudo questiona ainda o retorno dos investimentos governamentais na Copa, que também incluem infraestrutura urbana, transporte e benefícios fiscais. Gaffney estima que apenas para o retorno dos gastos com os estádios a ocupação das arenas deverá ser quadruplicada em relação a atual, embora os torcedores devam pagar mais pelos ingressos. Os preços passarão de R$ 20 e R$ 30 para R$ 45 e R$ 60.

“Vai ter que arranjar torcedor disposto a pagar o dobro. Isso porque têm cidades do Norte e Nordeste que não tem tradição futebolística para lotar os estádios, como foi dito aqui e isso vai ser difícil depois da Copa. Ou seja, esses estádios devem acabar se tornando uma coisa que a gente conhece bem: os elefantes brancos”, afirmou o geógrafo, em referência a obras sem função social, com elevado custo de manutenção.

A pesquisa da UFF também chama atenção para o deslocamento dos torcedores no país durante a competição e alerta para o desafio da implementação de melhorias no transporte. “Não há uma estrutura ferroviária ligando o país e o próprio presidente da CBF reconheceu que o problema para a Copa são os aeroportos”, afirmou. Segundo o geógrafo, os R$ 6 bilhões anunciados pelo governo federal para os aeroportos são insuficientes.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Um fenômeno exclusivamente europeu


Por que o PT não foi, não é e jamais será social-democrata - parte 2 de 3

É preciso entender a social democracia como um fenômeno puramente europeu. Os partidos social-democratas são frutos de uma conjuntura histórica singular, flores de uma geopolítica particular. Resultam de um processo de consolidação da ordem capitalista industrial, egresso da vencida aristocracia. Somente a Europa ocidental pode apresentar essa estufa social, com semelhantes resultados.

O operariado cresce enraiza-se e faz-se classe com uma sensível consciência de si: não se reconhece na decadente aristocracia, não se reconhece na ascendente burguesia patronal. Identifica-se, sim, nos movimentos sindicais e nos nascentes partidos socialistas e anarquistas. Como refere Marx, de classe em si, torna-se classe para si, embora com os desvios institucionais que veremos.

Como o anarquismo rejeita a via parlamentar, não há alternativa senão identificar-se com as instituições que estão conseguindo repartir o excedente e logrando melhores condições de trabalho. As conquistas econômicas do movimento sindical trazem dividendos eleitorais para os partidos social-democratas e vão solidificando uma cultura operária integrada e pacificada com a ordem burguesa.

Temos, portanto, elementos de natureza econômica, política e ideológica que modelam uma classe social com nitidez e contorno. Sabe-se onde tudo começa e não se desconhece onde tudo se limita. Uma diferença marcante entre os que permaneceram marxistas e os revisionistas é que, se para aqueles não há limites, para os renegados o limite máximo é a democracia liberal burguesa, do qual jamais ousarão ultrapassar as fronteiras da terra proibida.

Contudo, há um território político-institucional social-democrata, que o senso de oportunidade dos seus teóricos soube ocupar; não para servir à revolução, mas para satisfazer as necessidades imediatas da classe operária. É de enfatizar que a integração operária ao sistema é uma construção política da praxis social-democrática. O trabalhador – como classe – foi integrado, como efeito da política de compromisso de classe da Segunda Internacional. A dinâmica da formação de classes é um moto-perpétuo de lutas sociais. As classes sociais são continuamente organizadas, desorganizadas e reorganizadas (Przeworski, 1989). Destes três advérbios, a social-democracia soube ser responsável pelo primeiro e o terceiro. Daí o seu êxito.

Os fundamentos para o projeto social-democrata, seriam: a) uma poderosa organização sindical de trabalhadores; b) uma burguesia forte e autônoma em relação ao Estado, com capacidade crescente de investimentos. Uma acumulação burguesa e uma repartição proletária. Essa repartição se faz pela via sindical, na negociação salarial; e pela via eleitoral, através do controle do Estado, com políticas redistributivas de bem-estar social e cultural.

Portanto, são condições de acumulação econômica combinadas com condições estáveis de política institucional, seja no Estado, sejam nos sindicatos. Onde o instituto da representação não é atravessado, transfigurado em aventuras populistas temerárias. O modelo da social democracia está baseada em instituições representativas fortes e legítimas, onde as mediações são operadas por uma luta de classe institucionalmente filtrada pelo movimento sindical e o processo trivalente partidário-eleitoral-parlamentar. Esses filtros institucionais são anteparos do Estado burguês. Tem a finalidade de condensar e resfriar a lava quente das demandas, insatisfações e revoltas do movimento social em bruto. Ao Estado não chega a revolta bruta; mas a demanda líquida, classificada, filtrada, taxada, passível de negociação. Nesse processo ocorre a alienação ou a supressão de direitos. O filtro das instituições, mesmo as instituições de origem operária, como os sindicatos e partidos, alienam (surrupiam!) a natureza e a qualidade original das lutas do genuíno movimento social. Exaurem as lutas do seu conteúdo original para vertê-las em representações transfiguradas de sentido. Essa alienação de direitos assegura a legitimidade do sistema em autorreproduzir-se garantindo a manutenção da ordem, do progresso, da igualdade e da liberdade. Ainda que representações fracionárias de ordem (que não é para todos), de progresso (que não é para todos), de igualdade (que trata igualmente os desiguais), e da liberdade (em abstrato). A síntese dessa equação racionalizante é a democracia parlamentar, uma representação de si própria; um fragmento ilustrativo de participação popular alienada. Um caco sistêmico-ideológico.

A democracia para ser tolerada precisa ser mitigada, fracionada, representada. A democracia vira um instrumento racionalizante, onde o resultado é nem o reino da liberdade, nem o reino da razão.

O modelo populista (um nebuloso constructo categorial Uspiano, mas vamos pegar o atalho), que é o que está mais próximo de nós, tentou um desenvolvimento nacionalista autônomo e redistributivo baseado no movimento trabalhista, de resto malogrado, porque a burguesia já estava siderada pelo imperialismo e escarneceu do compromisso de classes; é uma representação abstrata, onde não existem mediações por que os líderes operam direto com o povo, indeterminadamente, povo. Na social democracia existe a categoria classe. No populismo subsiste a categoria genérica povo. A social democracia prosperou em uma formação social de pré-abundancia. O populismo é uma contingência política de formações sociais pré-desenvolvidas, onde o trabalhador é desorganizado por que pouco numeroso, e pouco numeroso por que é débil o desenvolvimento das forças produtivas.

Como se vê, o modelo social-democrata exige uma complexa rede de injunções favoráveis que a história não oferece na feira livre, como se fora peixe fresco.

A social democracia lembra o que se chama opção faustiana: o de um sobrinho jovem e operoso, de nome Fausto, que se ofereceu para trabalhar nas indústrias do tio burguês, esperando que o testamento deste lhe reconheça algum dia a prudência e a cordura. Só que para o testamento ser aberto o tio precisa antes morrer, e este ainda está vigoroso e saudável, enfrenta periódicas crises, mas recompõem-se novamente. E como o sobrinho não anda nada bem, pode sucumbir antes!

Kautski teve uma produção teórica muito grande até morrer em 1938, então com 84 anos. Um ano antes, em 1937, ainda publica "Os socialistas e a guerra", em Amsterdan, onde se refugiara do nazismo. Privou com Marx, com Engels, com Lênin, com Rosa. Não aprendeu nada com eles. Trilhou um caminho próprio, o inverso do caminho daqueles com quem se relacionou.

Em 1887, publica um trabalho cujo título era "As doutrinas econômicas de Karl Marx". A propósito deste livro, Paul Mattick relata que antes de publicá-lo, Kautski havia conversado com Engels sobre a teoria do valor. Esta, para Kautski, subsistiria numa economia socialista, com a condição de que o valor fosse conscientemente restabelecido e não fixo pelo jogo das leis cegas do mercado, como no capitalismo. Engels contrapôs ser o valor uma categoria estritamente histórica e que, aparecido com o capitalismo, com ele viria a desaparecer. Kautski aceitou o parecer neste trabalho, onde o valor é considerado uma categoria histórica. Entretanto, em 1922, ao publicar "A revolução proletária e o seu programa", lá estão reintroduzidos, no seu esquema de sociedade socialista, as noções de valor, mercado, dinheiro e a produção mercantil.

No esquema kautskiano, de 1922, temos duas hipóteses, mutuamente excludentes: 1) ou temos a eternização das categorias valor, mercado e dinheiro e as derivações multitudinárias da alienação; 2) ou temos o socialismo sem mercado, sem valor, sem sobretrabalho. A fusão das duas hipóteses é inviável, ou melhor, viabilizou a degenerescência stalinista na URSS: "socialismo" com alienação do trabalho e do Ser.

Leia amanhã, aqui, a parte final deste breve artigo. Ontem, foi publicado a primeira parte, ver abaixo.

Imbatíveis: Big Mamma e Buddy Guy



Em 1965.

Yedismo de fracassos arma maracutaia de arromba


Interesses privados por trás do silêncio da RBS

Deu no blog Jornalismo B:

Hoje não vou falar sobre nada que eu tenha lido, ouvido ou visto nos jornais por aí. Vou falar sobre o que eu não vejo, não ouço, não leio. Não lembrava de ter visto na Zero Hora, por exemplo, mas, para não ser injusta, fui ao canal de busca do site. Mas minhas impressões se confirmaram: a informação mais recente que encontrei sobre a possível alienação ou permuta do terreno da Fundação de Atendimento Sócio-Educativo (Fase), que pertence ao estado do Rio Grande do Sul, é datada do dia 11 de março. E tem míseros dois parágrafos. Antes dessa, uma notinha de iguais dois parágrafos do dia 23 de fevereiro, louvando a iniciativa do governo Yeda.

O projeto de lei 388, que autoriza a alienação ou permuta de um terreno de 74 hectares localizado na avenida Padre Cacique, quase em frente ao estádio Beira-Rio – ou seja, extremamente bem localizado, principalmente se considerarmos a iminência de uma Copa do Mundo -, com um vasto patrimônio ambiental e histórico, seria votado hoje [23/3], caso tivesse havido quórum, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do RS.

Além do patrimônio riquíssimo que o governo quer entregar para a iniciativa privada, o terreno tem também pelo menos 10 mil pessoas que moram ali e não estão sendo ouvidas. A ideia é trocar o terreno por outros menores, com o suposto objetivo de descentralizar a Fase, mas não há planejamento para isso, e a imprensa se cala. Mais informações sobre o caso nos [blogs] Somos Andando e RS Urgente, e no [diário] Jornal do Comércio.

É possível que o governo entregue a última área que ainda conserva vegetação típica de Porto Alegre para construtoras, mas a mídia não diz. Sei que a Band cobriu alguma coisa na rádio. Sei que o Marcelo Noah está se esforçando na Ipanema para fazer alguma divulgação. Fora isso, silêncio (peço perdão se faltou citar alguém, mas não dou conta de rastrear toda a cobertura da imprensa, sei apenas que foram pouquíssimos os que noticiaram).

A explicação óbvia seria por si só bem plausível diante do que estamos acostumados a ver na imprensa: interessa mais valorizar a iniciativa privada nos meios de comunicação. Não interessa o que pode ser bom para a população. Ainda mais se quem tiver proposto o projeto for um governo amigo. É sempre bom preservar esse tipo de amizade. Amizades poderosas.

Mas a coisa vai mais longe: os Sirotsky, a quem pertence o maior, quase único, grupo de comunicação do Rio Grande do Sul, a RBS (conhecido por alguns como PRBS, por conta de suas características de partido político nas atitudes que toma), são também donos de uma empresa chamada Maiojama (uma mistura breguíssima dos nomes MAurício; IOne, mulher de Maurício; JAyme; e MArlene, mulher de Jayme). A Maiojama é uma construtora, ou melhor, como diz em seu site, “atua no planejamento e desenvolvimento de edificações residenciais, comerciais, flats e shopping centers”.

Agora peço um esforço mínimo de dedução lógica dos leitores: o governo do estado quer entregar um terreno por um valor muito abaixo do de mercado; o terreno é gigante, muito bem localizado, num dos pontos atualmente mais disputados de Porto Alegre; seria perfeito, do ponto de vista empresarial, para construir um grande complexo, que poderia envolver dúzias de torres de apartamentos, comércio, shopping, mil coisas; quem faria isso seria uma construtora; os Sirotsky têm uma construtora; os Sirotsky têm um grupo de comunicação; o grupo de comunicação se cala diante de um empreendimento que pode prejudicar a população. Logo, há um grande interesse por trás que orienta o silêncio absolutamente antiético da empresa de comunicação.

A ética jornalística manda colocar o cidadão em primeiro lugar e não se deixar corromper. Os interesses privados não podem transpor os coletivos. Ou seja, a RBS adota uma postura nitidamente, escancaradamente, maldosamente antiética.

* Peço aos blogueiros que ajudem a divulgar o roubo que está sendo tramado ao patrimônio público. Diante do silêncio da grande imprensa, nós temos a obrigação de nos unir e lutar pelos interesses da cidade.

Artigo da jornalista Cris Rodrigues.

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Depois dessa, se você ainda tem estômago (recorra ao sal de frutas), leia também "A largada na temporada de bandalheiras 2010, no RS".

E o deputado estadual petista Fabiano Pereira, hein? Já tem posição sobre esse assunto cabeludo e pegajoso?

terça-feira, 23 de março de 2010

O marxismo renegado


Por que o PT não foi, não é e jamais será social-democrata - parte 1 de 3

Já vimos que o marxismo foi alienado (expropriado) do seu conteúdo original, por obra do stalinismo. Agora veremos o marxismo ser renegado, por obra da social-democracia.

A denominação social democracia origina-se de organizações partidárias de meados do século 19 que propugnavam pelo socialismo. Na época, o socialismo era doutrina e política dos movimentos organizados e dos partidos que buscavam o poder pela revolução, como na Rússia, ou a maioria no parlamento como na Inglaterra e na Alemanha, ou pelo controle dos sindicatos como na Espanha e nos EUA.

A partir de 1910 o movimento social-democrata começa a dividir-se, embora estivesse organizado internacionalmente sob o nome de Segunda Internacional, pelo menos desde 1875. A Primeira Internacional perdeu o seu significado quando, por iniciativa de Marx, transferiu-se para Nova York, para evitar a acirrada luta interna promovida principalmente pelas alas anarquistas que se digladiavam mutuamente. A divisão do movimento confirma-se em tres grandes tendências: os revisionistas, aliados confessos do imperialismo alemão; a esquerda, formada por Rosa de Luxemburg, Franz Mehring, Karl Liebknecht e Anton Pannekoek; e o centro, formado por Kautski e Bernstein.

A primeira guerra mundial que inicia em 1914 vai resolver esse impasse. A esquerda é presa, a direita corre para o lado do Kaiser, e Kautski declara (sursum corda! - com o coração na boca, como se diz) o cancelamento provisório da luta social, já que, segundo ele, o Partido e a Internacional eram instrumentos essencialmente para períodos de paz, e não para tempos de guerra.

Rosa escreve da prisão, furiosa: "Esta é uma atitude de eunuco! Agora que Kautski o completou, poderá se ler no Manifesto Comunista: 'Proletários de todos os países, uni-vos em tempo de paz, matai-vos em tempo de guerra'".

Rosa irava-se não só com Kautski (foto), mas com os 110 parlamentares do partido social-democrata no Reichstag alemão, em um total de 397 cadeiras (27% de votos); que em 4 de agosto de 1914 votaram a favor dos créditos de guerra. Medida essa que liberou a possibilidade da Alemanha fazer a primeira guerra mundial. Esse fato dividiu para sempre o movimento socialista; demarcando a opção pela linha parlamentar (que Lênin debocha como social-patriotas), e a linha revolucionária.

Bernstein e Kautski seguem sendo os intelectuais orgânicos do revisionismo, nesta altura fortalecidos pela crescente adesão popular através do sufrágio, do movimento sindical e da luta parlamentar. É a gênese do moderno sistema partidário da democracia liberal, com tinturas desmaiadas de socialismo.

Bernstein, após a sua revisão do marxismo, afirma que o socialismo não encontra mais base material nas contradições do capitalismo e da luta de classe; o seu fundamento deverá ser buscado nos princípios imutáveis da moral, do direito e da justiça. Briga com a moça fogosa revolução, para casar-se com a provecta e rabugenta senhora moral. Esse conúbio insólito foi prolífico, gerou muitos filhos e netos, uma família numerosa que alcançou até os nossos dias.

Kautski prefere perder-se na tautologia a achar-se no satanizado caminho revolucionário: "o partido socialista é um partido revolucionário; ele não é um partido que faz revoluções. Sabemos que nossos fins só podem ser realizados por uma revolução, mas sabemos também que não está em nosso poder fazer a revolução, como não está em poder de nossos adversários impedí-la. Conseqüentemente, não sonhamos nunca em provocar ou preparar uma revolução".

Já em 1891, Kautski, redator do programa de Erfurt do Partido Social Democrata alemão, descobria "o socialismo como uma finalidade resultante de uma necessidade natural". Quase uma necessidade fisiológica! - diríamos nós. É a forma socialismo-como-dor-de-barriga de fazer política. Essa opção pelo reformismo que parcela das lideranças "socialistas" escolheu não se deve a diletantismos subjetivos. Tem uma objetividade bem definida apontada pelo crescimento da acumulação na base econômica da sociedade européia, do final do século 19.

É um oportunismo com bases fincadas na conjuntura econômica, seja do capital, seja do próprio movimento sindical (ainda trade-unionista). A prosperidade posterior desse modelo explica-se parcialmente pelo fantasma bolchevique que assombrava a burguesia européia, depois de 1917. A pauta das concessões burguesas certamente ficou mais pródiga face à ameaça bolchevique, especialmente, após a Segunda Guerra, com o pesadelo atômico e a Guerra Fria. A cooptação sistêmica da representação operária foi um capítulo surdo da Guerra Fria e tarefa estratégica de geopolítica da direita mundial.

A formulação social-democrata não é uma abstração de intelectuais pequeno-burgueses temerosos da revolução. Ou de meros traidores da classe operária, podem até sê-lo, mas ficar nisso é tornar opaco o entendimento que devemos ter desse processo.

Assim como o bolchevismo fez a revolução e criou uma base social para o fenômeno stalinista; também o reformismo criou a sua base social, com a colaboração de classes, sem fazer a revolução.

A colaboração de classes consistiu em trazer o operário sindicalizado à integração no sistema capitalista, ainda concorrencial. Como recompensa, foram cedidas franjas do poder de Estado à uma crescente casta burocrática social-democrata. Enquanto houve excedente econômico a ser repartido, tudo funcionou.

Continua amanhã...

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A pedido, estamos republicando esse artigo de três capítulos breves, de nossa autoria. Originalmente foi publicado em dezembro de 2007, aqui no DG. Foi escrito como contribuição a um debate-relâmpago havido no PT à época, sobre o hipotético caráter social-democrata do partido lulista. Hoje, março de 2010, pode-se afirmar, sem erro, que o PT é um partido sem nenhum caráter, uma mera legenda cartorial que opera exclusivamente por demanda eleitoral e/ou conveniências políticas de conjuntura.

Horizonte utópico? Nenhum.

O máximo de futuro que se avista das janelas petistas é o da próxima eleição. Emulando a epígrafe deste blog DG, eu diria que o PT é um partido que não tem vista para o mar do século 21.

Ouça essa maravilha de blues:

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Não é impossível imaginar que a Dilma ganhe a eleição já no primeiro turno


Deu no Estadão de hoje:

O crescimento nas pesquisas eleitorais da pré-candidata do PT à Presidência, ministra Dilma Rousseff, ante a estagnação de seu provável adversário, o governador de São Paulo José Serra (PSDB) tem impressionado os diretores dos quatro principais institutos de pesquisa do País. Márcia Cavallari, do Ibope, João Francisco Meira, do Vox Populi, Mauro Paulino, do Datafolha e Ricardo Guedes, do Sensus, estiveram reunidos em São Paulo na tarde desta segunda-feira, 22, para debater o cenário eleitoral, em evento da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisas. O professor Marcus Figueiredo, do Iuperj também esteve no debate, mediado pela jornalista Cristiana Lôbo.

Meira deu o palpite mais ousado da tarde: "não é impossível imaginar que a Dilma ganhe a eleição já no primeiro turno", afirmou. Segundo ele, quando há candidatos carismáticos, a disputa se concentra mais entre as personalidades desses candidatos. Mas, para ele, nem Dilma nem Serra são carismáticos. ‘Carisma não é o nome dessa eleição’, afirmou.

Ele listou alguns fatores que, na sua avaliação, devem decidir a disputa eleitoral. O primeiro seria a economia: se estiver ruim, a tendência é de mudança - mas a economia é o principal trunfo do governo Lula. Em segundo, o aspecto ideológico - nesse caso, diz ele, 56% das pessoas se definem como sendo de esquerda e 30% como eleitores do PT.

Além disso, ele lembra o tempo de TV como decisivo - e a construção das alianças deve garantir um tempo maior à candidata governista. Por último ele cita algum acidente, debate ou fato inesperado que possa alterar a opinião dos eleitores.

Sua avaliação é parecida com a de Ricardo Guedes, do Sensus. Segundo ele, "Dilma tem produto para mostrar, a economia. O Serra não tem. Hoje a tendência é muito mais pró-Dilma".

Já Márcia Cavallari, do Ibope, e Mauro Paulino, do Datafolha, adotaram um pouco mais de cautela em suas exposições, embora tenham admitido cenário favorável à Dilma. Os dois usaram a mesma expressão para definir o caso: "pesquisa é diagnóstico, não prognóstico".

"O comportamento do eleitor não é matemático. A campanha ainda tem muita coisa para acontecer. O que a gente sabe é que o eleitor se sente muito confortável de ter votado no Lula e agora fazer essa avaliação de que acertou. Ele pensa: 'Acertei, e o País está tendo avanços'. O eleitor considera que os avanços foram muito mais profundos no governo Lula. A comparação com o governo FHC é prejudicial para o Serra", afirmou a diretora do Ibope.

De acordo com Márcia, um terço está com Serra, um terço está com Dilma e um terço que vai decidir a eleição. Reservadamente, porém, ela destacou que não só a Dilma está crescendo, como há tendência de queda de Serra, ainda que dentro da margem de erro.

Já Paulino lembrou que na pesquisa Datafolha de dezembro de 2009, 15% dos eleitores não sabiam que a Dilma era a candidata do Lula, mas queriam votar na candidata do Lula. "E o que nós observamos em fevereiro, é que ainda há margem de crescimento para Dilma", afirmou.

Segundo ele, a dúvida é saber se Dilma vai transmitir ao eleitorado que tem a mesma capacidade de administração que o Lula tem."O eleitor vai poder comparar Serra com Dilma, Dilma com Lula".

Paulino ainda defendeu que os institutos divulguem sempre sua base de dados, sua metodologia. "A pesquisa não faz prognóstico, mostra o que acontece naquele dia. Na pesquisa de véspera, [Paulo] Maluf ainda estava na frente da [Luíza] Erundina [na eleição para a prefeitura de São Paulo, em 1988, vencida por Erundina]. Deixar de iludir quem consome pesquisa: a gente faz diagnóstico", afirmou.

Já o professor Marcus Figueiredo, do Instituto Universitário do Rio de Janeiro (Iuperj), também presente ao debate, previu um repeteco de 2002, caso o deputado federal Ciro Gomes (PSB) continue na disputa, com o cearense brigando com Serra. Para Figueiredo, "Serra e Dilma são igualmente antipáticos e igualmente feios. Ideologicamente estão muito próximos. O projeto deverá ser exatamente o mesmo".

Meira foi questionado também pelo fato de o Vox Populi ter apontado, em 2006, vitória de Paulo Souto (então PFL) no primeiro turno, contra o petista Jaques Wagner, que acabou vencendo as eleições em segundo turno. "Às vezes você erra. Só que você nunca ouve um médico dizendo qual a margem de erro de uma operação de apendicite. O pessoal respondia que queria Paulo Souto, mas já estava pensando em mudar de ideia. Mas eu não estava perguntando para ele se ele queria mudar de ideia", justificou.

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As observações do diretor do instituto Vox Populi - precipitadas ou não - reforçam uma tendência que deve ser seguida pelo candidato ao governo do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, qual seja, a de colar na candidata lulista Dilma Vana Rousseff.

Tarso e Dilma devem ser Cosme e Damião, Pedro e Paulo, Pelé e Coutinho, Romeu e Julieta, a corda e a caçamba. A televisão deve ser o canal de expressão dessa convergência de propósitos políticos e eleitorais no estado, já que a presença de Dilma no Sul não poderá ser permanente, por razões óbvias.

Outro elemento forte para os marqueteiros petistas pensarem (e formularem estratégias de comunicação em torno disso, ao invés de "venderem-produtos-de-mercado"): 56% das pessoas se definem como de esquerda, e 30% como eleitores do PT. Ora, isso não é pouca coisa, estamos diante de um patrimônio impalpável riquíssimo e que pode render muitos frutos - eleitorais e políticos. Basta saber extrair do dado bruto, da pedra bruta, a gema mais equilibrada e bonita.

Hegemonia do capital financeiro pode se reforçar ainda mais no Brasil


É o que garante Carlos Lessa

O respeitado economista e doutor em Ciências Humanas, Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES, concedeu entrevista ao portal IHU On-Line da Unisinos. Abaixo alguns trechos dos esclarecedores e lúcidos comentários de Lessa (foto):


Investimento público

Desenvolvimento se obtém quando se consegue combinar duas dimensões: a ampliação do mercado interno, principalmente por elevação do poder de compra das famílias, melhoria do padrão de vida da população; e quando as empresas públicas, privadas, nacionais e estrangeiras investem, ampliando a capacidade produtiva. É isso que empurra o país para frente. Só que, no Brasil, isso está mutilado porque a capacidade pública de investir está próxima a zero. O PAC é uma tentativa de restabelecer os investimentos de longo prazo, mas até agora os resultados foram certamente positivos, porém muito pouco significativos em relação ao que o país necessita.

Cervejaria AmBev

O Estado não deveria fazer nenhuma linha de apoio para isso [incentivo estatal para criação de empresas gigantes no Brasil], porque o grande apoio que ele tem é dispor do mercado brasileiro sob suas rédeas. Esses grupos tiveram um enorme apoio do Estado brasileiro para crescerem. Eu era presidente do BNDES quando a AmBev decidiu se fundir com os belgas. Fiquei muito zangado e fui verificar quantas operações o banco havia feito com o Grupo AmBev desde que ele foi fundado: dual mil operações com crédito favorecido. E a empresa sequer nos comunicou que iria fundir com os belgas. Imediatamente parei a linha de financiamento, mas, quando fui demitido, restabeleceram essas políticas de incentivo.

Um país que fez a Petrobras e construiu Brasília pode fazer coisas muito mais espantosas. O problema é que a alma brasileira está pequena. Nós podemos pensar grande porque somos grandes e temos um passado de grandes coisas feitas. A única coisa que nunca fizemos nesse país foi justiça social.

Brasileiros com conta bancária no exterior

Os argentinos avaliaram em 90 bilhões de dólares o capital argentino que estava no exterior. O Brasil deve ter um valor parecido com o da Argentina, ou muito mais. Mas se for 90 bilhões, isso já é uma porcentagem colossal do dinheiro que está por trás das operações de financiamento de dívida pública, que está em aplicação na bolsa de valores. O Brasil tem muito capital e multinacionais que vivem em Miami. Acho muito engraçado o número de brasileiros que têm apartamento em Miami. É algo assustador. Mas é mais fácil ter conta no Caribe do que apartamento no exterior.

Os financiamentos do BNDES

É difícil avaliar uma organização como o BNDES num país que não tem plano de desenvolvimento e nem tem política econômica maior. Um país que vive apenas a partir do que o Banco Central decide em torno de juros e dólar, e que os donos do pedaço privado do Brasil são, na verdade, os bancos e o mercado de capitais, é um país que navega a curto prazo. O BNDES por definição é um banco de curto prazo. Mas quem diz ao BNDES qual é o longo prazo para o Brasil? Esse é o problema.

Em alguns aspectos, o banco está “comendo mosca”. O BNDES não deveria estar financiando de maneira tão espetacular a exportação de automóveis porque essas empresas que estão sendo apoiadas pelo banco exportariam de qualquer jeito. Poderiam pegar dinheiro no exterior. Na verdade, eu não tenho muita certeza se eles não estão fazendo uma brincadeira perversa: O BNDES empresta, mas os lucros deles são reciclados para dentro do país, aplicando em operações financeiras dentro do Brasil. Suspeito que muitos fazem isso, o que não é bom.

Plano Ômega e sucessão presidencial

Então, essa história do Plano Ômega [*] é terrível, sintomaticamente, isso aparece num cenário em que está se aproximando a sucessão presidencial. Estou absolutamente convencido de que isso vai ser colocado nas discussões dos dois candidatos principais, e o candidato que apoiar o projeto terá o apoio do sistema bancário. Isso é coordenado pelo ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, e, por trás dos panos, penso que o Dr. Meirelles gosta da ideia. Não posso afirmar, mas se conheço bem a cabeça dele, não tem nada contra porque ele gosta mesmo é de ver os bancos privados crescendo e o Brasil parado. Agora mesmo ele está querendo parar o Brasil e novamente os bancos continuarão crescendo porque os juros reais voltarão a subir. Esse é um jogo ligado à sucessão presidencial.

Plano Ômega reforça as piores tendências

Se essa turma que articula o plano Ômega tiver sucesso em vendê-lo, não muda rumo nenhum; reforça as piores tendências atuais. O Brasil caminha para ser uma Singapura colossal. Hong Kong da América do Sul. Vão dizer que Hong Kong tem um padrão de vida alto. Sim, tem. Mas também tem as maiores favelas da Ásia.Hong Kong é terrível. Uma grande porcentagem da população vive em barcos ancorados permanentemente na baía. É uma miséria terrível, mas tem Hong Kong e os banqueiros de Hong Kong.

Para ler a íntegra da entrevista de Lessa, clique aqui.

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[*] Plano Ômega é o que está sendo chamado a perigosa articulação entre BM&F/Bovespa, a Anbima e a Febraban no sentido de transformar São Paulo no centro financeiro da América Latina. O gerente deste plano diabólico seria o banqueiro Armínio Fraga. O projeto é transformar São Paulo no hub regional para que receba direto os investimentos estrangeiros em títulos privados e sobretudo públicos que hoje passam antes por Londres ou Nova York. Para tanto é preciso modificar a legislação cambial, dar conversibilidade ao real, acabar com o IOF de 2% sobre os investimentos estrangeiros e aperfeiçoar a regulação e a fiscalização. Como se sabe, nada disso se concretiza sem a anuência do Governo Federal, especialmente do Banco Central e o Ministério da Fazenda.

Resumo da ópera: mais poder e força à hegemonia do capital financeiro no Brasil, em detrimento de um projeto de desenvolvimento sustentável, com distribuição de renda e oportunidades para todos.

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