A morte comanda o cangaço
Não sejamos paranóicos. Mas não temos direito de ser tontos.
Quando em política se multiplicam coincidências, devemos sempre estar atentos. Enfim, o que se passa em nossas fronteiras da chamada Calha Norte?
Desde o bombardeio e invasão do Equador pelas tropas do narco-presidente colombiano, Álvaro Uribe, há um mês, seguido de uma inesperada visita da chefa do Departamento de Estado de Washington, senhorita Condoleezza Rice, fatos aparentemente isolados têm colocado as nossas fronteiras da região conhecida como Calha Norte, nas manchetes de jornais.
Depois das pressões de Miss Condie, em torno da "flexibilização das fronteiras nacionais", sempre que se tratasse da necessidade de perseguir "terroristas", a instabilidade ronda a região.
O primeiro caso foi a crise aberta pelos "arrozeiros" em parceria com o general Augusto Heleno Pereira, comandante militar da Amazônia, contra a demarcação da Terra Indígena Raposa-Serra do Sol (RR).
Em seguida, a revista "IstoÉ" publica longa matéria sobre suposta guerrilha em Rondônia.
Por fim, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, anuncia – contrariando toda a política externa do Governo a que deveria servir, anuncia que, se as Farc pisarem em solo brasileiro, serão recebidas a bala.
Depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva homologou a Reserva Raposa-Serra do Sol (2005), os "arrozeiros já atacaram quatro comunidades indígenas, incendiaram 34 casas, espancaram e balearam índios, arrebentaram postos de saúde. Somente agora, no entanto, a crise ganharia um novo protagonista: o comandante da região, general Heleno, um militar da linha dura do regime pós-64, que ganhou notoriedade por seu envolvimento no escândalo do hoje ex-juiz Nicolau dos Santos Neto. Além disto, em 2004, pouco depois de assumir seu posto de chefe da Força de Estabilização do Haiti (Minustah), atribuiu a violência naquele país às críticas do então candidato democrata à Presidência dos EUA, John Kerry, contra a deposição do presidente Jean-Bertrand Aristide pelo consórcio Washington-Paris. A declaração gerou um incidente diplomático. No ano seguinte (2005), o general foi acusado, em documento lançado pelo Centro de Justiça Global da Universidade de Harvard, de dar cobertura à campanha de terror da Polícia Nacional do Haiti, e de violação (pela própria Minustah) de direitos humanos.
Agora, com suas declarações, o general violou triplamente a Constituição: primeiro, por que esta define que os oficiais da ativa devem obediência a seus superiores na cadeia de comando, em cujo topo está o presidente da República; segundo, por que a Constituição consagrou (artigo 231) o direito dos índios às terras que tradicionalmente ocupem; finalmente, por que é papel das Forças Armadas zelar pela aplicação da Carta. Assim, ele – e não os índios ou a Reserva – colocou em risco a Segurança Nacional. Mais que isto, clubes militares se manifestaram, abaixo-assinados circularam, o DEM cerrou fileiras.
Acontece que as terras demarcadas e outrora propriedade dos arrozeiros é uma área entre duas cadeias de montanhas, única passagem, naquele estado, de acesso à Venezuela.
A suposta guerrilha em Rondônia, denunciada pela revista "IstoÉ" há duas semanas, é outro mistério. De acordo com a "IstoÉ" de Daniel Dantas (Banco Opportunity), a Liga dos Camponeses Pobres (LCP), estaria implantando uma guerrilha naquele Estado. A revista descreve supostos acampamentos, homens e mulheres usando passa-montanhas, descreve ações que teriam sido levadas a cabo na região, supostos contatos com as Farc, etc.
Algo difícil de acreditar. Implantar e ativar uma guerrilha hoje, no Brasil, soaria tão suspeito quanto o atentado do 11 de setembro de 2001 contra as Torres Gêmeas, ou o Incêndio do Reichstag na Alemanha dos anos 1930.
Um documento lançado pela LCP, dias depois que a revista começou a circular, denunciou um massacre a um dos assentamentos de camponeses organizados pela Liga, com dezenas de mortos e outro tanto de desaparecidos.
Em documento entregue ao desembargador José Gercino Filho, da Ouvidoria Agrária Nacional, e ao deputado Anselmo de Jesus, o sacerdote e advogado Afonso Maria das Chagas, também membro da coordenação da Comissão Pastoral da Terra de Rondônia (CPT-RO) desqualifica a reportagem pela sua falta de clareza, sensacionalismo e por "passar a impressão de agir com poderes de polícia". Refere-se ainda a um fato constatado na região onde "um grupo de 'funcionários' efetuou uma reintegração judicial (sic) à força, para não dizer à bala, sem que nada os afetasse".
De acordo com o documento, "Tornou-se pública a nota encaminhada pela Secretaria de Segurança (...) informando que, em momento algum, por parte do Estado, foi dito sobre a existência de guerrilha na região de Campo Novo, Buritos, Jacinópolis".
O texto diz ainda que o tipo de informação veiculada pela revista só pode ter como objetivo lançar uma cortina de fumaça sobre os problemas do Estado, e criminalizar os movimentos camponeses. Ainda que grave, gostaríamos de acreditar que o objetivo da publicação do senhor Dantas seja apenas esse.
Rondônia – encravada entre o Amazonas e o Mato Grosso, tem uma vasta fronteira com a Bolívia.
Editorial do jornal Brasil de Fato, edição 270, de 29 de abril de 2008.