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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O apaixonado de Santo André


A mídia, a polícia e o jardineiro sonhador

A loucura, a falta de senso e a perturbação da psique – que no fundo são a mesma coisa – precisam de dois suportes para se manifestarem.

Um, físico, o corpo de indivíduos. Outro, abstrato, o imaginário mental destes mesmos indivíduos.

Existem loucos de todos os gêneros, qualidades e propensões. Eu mesmo, conheço um louquinho que tem mania de ser executivo de grandes empresas. Este rapaz, quando o conheci, era “diretor” da TAM. Ele atalhava o meu caminho com dados do balancete financeiro da companhia aérea, relatava as dificuldades para alavancar recursos internacionais passíveis de serem investidos na companhia, com problemas de aeroportos e mesmo ameaças climáticas desfavoráveis a vôos tranqüilos.

Uma ocasião ele cortou o meu caminho, grave:

- Estamos com todos os aviões nos pátios. Nenhuma aeronave nossa está voando.

Já alarmado, perguntei o motivo:

- Esse furacão na costa leste dos Estados Unidos abala a aviação civil do mundo todo. É impossível voar.

Meses depois, encontro-o com outras preocupações. Desta vez, ele era diretor de produção da construtora Toniolo Busnello, especialista em rodovias de alta velocidade, pontes, túneis e outras obras de arte do ramo.

- Hoje, demitimos 150 arigós de obra – me disse. O senhor vê se pode isso, doutor? Com essa crise e o pessoal querendo fazer greve!

Lembrei desse rapaz, afinal, um modesto jardineiro de condomínio, mas com uma imaginação capaz de colocar juntos, Gabriel García Márquez e o barão de Münchhausen em complexo de inferioridade, a propósito do amante latino Lindemberg das tantas, o que tomou-se de amor e fúria por duas meninas em Santo André.

A loucura de Lindemberg é mais pedestre, embora com reações agudas e muito perigosas. Ele ama o amor possessivo. Uma hipertrofia do amor romântico, que foi inventado lá pelo final do século 18 e até hoje é um bem cultural (decadente) explorado pela literatura, cinema, dramaturgia teatral e televisiva, e pelo discurso de canções populares, jovens enamorados, e apaixonados em geral. Os maus poetas também cantam o amor romântico.

Já as vítimas de Lindemberg foram presas de sua possessividade e de dois outros algozes associados: a mídia e a polícia de São Paulo.

A mídia, que pratica o jornalismo também hipertrofiado, conseguiu agigantar socialmente o drama pessoal de um jovem transtornado até o ponto do caminho sem volta. O despreparo da polícia ficou mais do que evidente, ao tratar o caso como se fora a rebelião em um presídio de alta segurança, quando apenas estava diante de um clássico do amor não-correspondido, já cantado por Carlos Drummond de Andrade:

João amava Teresa que amava Raimundo, que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili, que não amava ninguém. João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento, Raimundo morreu de desastre, Maria ficou pra tia, Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes, que não tinha entrado na história.

A todas essas, pensei em falar com o meu amigo jardineiro, quem sabe ele larga mão de ser executivo empresarial e vai ser "psicólogo" da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Certamente esse bom jardineiro, fiel a seus sonhos concretizados na areia de sua imaginação fertilíssima, não teria agido de forma tão imprudente e desastrada quanto a polícia do governador José Serra.

7 comentários:

Anônimo disse...

a dita mídia só está fazendo o que sempre fez: espremendo o causo até a última gota de sangue em nome do deus lucro (ou ibope, se preferirem).

Anônimo disse...

Pois é. Agora a mídia da unanimidade lamenta a perda da vida da jovem. Mas, a mesma mídia, teatralizou e transformou a tragédia periférica num "big brother" para a classe média ter assunto, já que do contrário teriam que falar dos maridos da Marta. Tempos e hábitos bicudos.

Enquanto isso, o (des)governador autoritário continua dando tiros em direção ao PT, na sua sanha louca (como o seu jardineiro)em direção ao Planalto. Apenas que o seu jardineiro é inofensivo.

armando

Carlos Eduardo da Maia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos Eduardo da Maia disse...

Esse não é apenas um fenômeno brasileiro. A mídia adora esse tipo de fato. A incompetência da polícia de José Serra foi imensa. O José Padilha comentou na Folha de hoje que qualquer polícia mais moderna já saberia um monte de detalhes do apartamento. Isso mostra despreparo e falta de estrutura do poder de polícia. O destino da Eloá já estava traçado. O Lindemberg estava esperando apenas uma tentativa de invasão do apartamento para atirar em Eloá. Isso está muito claro nos diálogos recentemente divulgados. O Brail de Eloá, Lindemberg e Nayara precisa fazer uma revolução no seu serviço público para tirar dos políticos a sua gestão.

Anônimo disse...

O fato mais importante da semana passada foi a brutalidade das polícias dos estados tucanos.
O meu amigo instrutor de porrada da BM, um direitista que lutava kick-box antes do esporte levá-lo da faixa preta às tarjas pretas, exulta.

Anônimo disse...

Sobre a mídia no caso, leiam a entrevista no blog do Bob Fernandes de hoje.
http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3270057-EI6578,00-Pimentel+midia+foi+criminosa+e+irresponsavel.html

A midia irresponsável e criminosa!

Anônimo disse...

O fato mais importante da semana foi a pancadaria entre as polícias de Serra.
É o desprestígio de quem investiga e prende e o prestígio de quem bate.
Agora sabemos que nas oito ocasiões que os snipers poderiam ter abatido Lindemberg, nas oito ocasiões o comando disse negou autorização.
Essa moça pagou com a vida o circo da plebe e a oportunidade de Serra passar desapercebido.

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