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terça-feira, 6 de julho de 2010

Pier Paolo Pasolini e a poesia do futebol brasileiro


Neste breve artigo (abaixo), Pier Paolo Pasolini racionaliza e poetisa o futebol. Com muita imaginação, afirma que o futebol é uma linguagem com distintas formas de se expressar. Para o grande cineasta italiano, o futebol brasileiro seria o ponto mais alto da sintaxe do drible e do gol. É preciso dizer logo que este artigo foi escrito em 1971, quando o futebol brasileiro havia chegado - a meu modesto juízo - ao ponto mais alto já alcançado. Seis meses antes deste artigo, o time de Pelé, Gérson, Rivelino e Tostão havia derrotado a Itália de Pasolini por 4 a 1, no México. Logo, o texto do autor de "Teorema" está ainda encantado pelo jogo como linguagem poética do onze canarinho. Mas e o que dizer, hoje, do nosso futebol, tão vilipendiado pelo dunguismo de (maus) resultados? Me corrijo, não é dunguismo, é teixeirismo de (maus) resultados. Buscam o responsável (o "culpado" como diz erroneamente a Globo) pelas patetadas na África do Sul. Ora, o responsável - óbvio uivante - é o senhor Ricardo Teixeira, o xerifão da CBF, o factótum do futebol como modelo de negócio rentável e que está destruindo todas as expressões e linguagens que o futebol pode conter, da prosa à poesia. Dunga foi apenas uma peça temporária e descartável, um peão tosco do teixeirismo boleiro-dinheirista, a doença que ainda vai imobilizar o nosso futebol na mediocridade, na repulsa à poesia e na feia caricatura de si próprio.

Vamos ao artigo do escritor e cineasta Pier Paolo Pasolini (foto abaixo):

A linguagem do futebol

O futebol é um sistema de signos, ou seja uma linguagem. Tem todas as características fundamentais da linguagem por excelência, o que expomos em seguida como termo de comparação, ou seja a linguagem escrita-falada. De fato, as "palavras" da linguagem do futebol se formam exatamente como as palavras da linguagem escrita-falada. Agora, como se formam estas últimas? Se formam através da "dupla articulação", ou seja através das infinitas combinações dos fonemas que são, em italiano, as vinte e uma letras do alfabeto. Os fonemas, portanto, são as "unidades mínimas" da língua escrita-falada.

Queremos nos divertir definindo a unidade mínima da língua do futebol? Vejamos: "Um homem que usa os pés para chutar a bola", essa é a unidade mínima: esse "podema" (se queremos continuar nos divertindo). As infinitas possibilidades de combinação dos "podemas" formam as "palavras futebolísticas", e o conjunto das "palavras futebolísticas" forma um discurso, regulado por autênticas normas sintáticas. Os "podemas" são vinte e dois (quase como os fonemas), as "palavras futebolísticas" são potencialmente infinitas, porque infinitas são as possibilidades de combinação do "podemas" (na prática, os passes de bola entre cada jogador); a sintaxe se expressa na "partida", que é um autêntico discurso dramático.

Os codificadores desta linguagem são os jogadores, nós, nas arquibancadas, somos os intérpretes: assim, possuímos um código comum. Quem não conhece o código do futebol não entende o significado de suas palavras (os passes) nem o sentido de seu discurso (um conjunto de passes).

Não sou nem Roland Barthes nem [o semiólogo Algirdas Julius] Greimas, mas como aficcionado, se quisesse, poderia escrever um ensaio muito mais convincente que esta menção sobre a "língua do futebol". Penso, ademais, que se poderia escrever também um bonito ensaio intitulado "Vladimir Propp aplicado ao futebol", porque, naturalmente, como toda língua, o futebol tem seu instante puramente "instrumental", rigorosa e abstratamente regulado pelo código, e o seu instante "expressivo".

Com efeito, antes eu disse que toda língua se articula em várias sublínguas, cada uma das quais possui um subcódigo. Pois bem, na língua do futebol se podem fazer também distinções deste tipo: também o futebol possui subcódigos, desde o momento em que, de puramente instrumental, para a converter-se em expressivo.

Pode haver um futebol como linguagem em prosa e um futebol como linguagem fundamentalmente poética. Para explicar-me, aponto - antecipando as conclusões - alguns exemplos: Bulgarelli joga um futebol em prosa: ele é um "prosador realista". Riva joga um futebol de poesia: ele é um "poeta realista". Corso joga um futebol de poesia, mas não é um "poeta realista": é um poeta um pouco maldito, extravagante. Rivera joga um futebol em prosa, mas é uma prosa poética, de Elzevir.

Também Mazzola é um "elzeveriano", que poderia escrever no Corriere della Sera, mas é melhor poeta que Rivera: de vez em quando ele interrompe a prosa e logo inventa dois versos fulgurantes. (N. do blogueiro, Pasolini fala de jogadores da época, é factível que se proponham mentalmente nomes atuais para cada uma das categorias propostas pelo autor.)

Esclareço que entre a prosa e a poesia não fazemos diferença de valor; a minha é uma distinção puramente técnica. Entretanto, vamos nos entender: a literatura italiana, sobretudo a mais recente, é a literatura dos Elzevir: eles são elegantes e extremamente estetizantes, no fundo são quase sempre conservadores e um pouco provincianos... enfim, democrata-cristãos. Entre todas as linguagem que se falam num país, inclusive aqueles com mais gírias, há um terreno comum desse país: sua atualidade histórica. Assim, precisamente por razões de cultura e história, o futebol de alguns povos é fundamentalmente em prosa; prosa realista ou prosa estetizante (este é o caso da Itália), enquanto que o futebol de outros povos é basicamente em poesia.

Em futebol há momentos que são exclusivamente poéticos: são os momentos do gol. Cada gol é sempre uma invenção, é sempre uma perturbação do código: todo gol é inelutabilidade, fulguração, espanto e irreversibilidade.

Precisamente como a palavra poética. O melhor goleador de um campeonato é sempre o melhor poeta do ano.

Neste momento é Savoldi. O futebol que expressa mais gols é o futebol mais poético. Também o drible é por si poético (ainda que não se compare com o gol). De fato, o sonho de todo jogador (compartilhado por todo espectador) é arrancar do centro do campo, driblar a todos e marcar o gol. Se, dentro dos limites, se pode imaginar uma coisa sublime, é precisamente esta. Mas isso nunca acontece. É um sonho que vi realizado somente em I due maghi del pallone (Os dois mágicos da bola), o filme de Franco Franchi que, mesmo num nível grosseiro, conseguiu ser perfeitamente onírico.

Quem são os melhores dribladores do mundo e os melhores goleadores? Os brasileiros. Portanto, seu futebol é um futebol de poesia: de fato, todo ele está baseado no drible e no gol. A troca de passe e a triangulação é um futebol de prosa: com efeito, está baseado na sintaxe, ou seja, no jogo coletivo e organizado: quer dizer, na execução racional do código. Seu único momento poético é o contra-ataque, com a adição do gol (que, como vimos, não pode ser mais poético). Definitivamente, o momento poético do futebol parece ser (como sempre) o momento individualista (drible e gol; o passe inspirado).

O futebol em prosa é o do chamado sistema (o futebol europeu). Seu esquema é o seguinte: o gol, neste esquema, está atrelado à definição, possível a um "poeta realista" como Riva, mas deve derivar de uma organização de jogo coletivo, baseado numa série de passes geométricos executados segundo as regras do código (se trata de uma perfeição um pouco estetizante e não realista, como nos centroavantes ingleses ou alemães).

O futebol poético é o futebol latinoamericano. Seu esquema é o seguinte: esquema que para ser consumado deve requerer uma capacidade monstruosa de driblar (algo que na Europa é repudiado em nome da "prosa coletiva") e o gol pode ser inventado por qualquer um desde qualquer posição. Se o drible e o gol são os momentos individualistas-poéticos do futebol, é por isso que o futebol brasileiro é um futebol de poesia. Sem fazer diferença de valor, mas em sentido puramente técnico, no México a prosa estetizante italiana foi vencida pela poesia brasileira.

Artigo do cineasta Pier Paolo Pasolini, publicado no jornal Il Giorno, em 03 de janeiro de 1971. No ano anterior, na final da 9ª Copa Mundial de Futebol, no México, o Brasil havia vencido a Itália por 4 a 1. Esse texto foi incluído na obra Saggi sulla letteratura a sull'arte (Ensaios sobre literatura e arte), publicado em 1999 pela editora italiana Mondadori.


Tradução deste blogueiro (desde o espanhol, uma vez que o artigo foi republicado dias atrás no diário portenho Página 12).

2 comentários:

Anônimo disse...

O Sr. felipão deveria ser incluido. É também "um peão tosco do teixeirismo boleiro-dinheirista". Acredito que o pior que poderia ter acontecido ao futebol brasileiro foi a derrota na copa de 1982. A partir dali os adeptos do futebol tosco e de "resultados" ganhou força, o futebol arte foi duramente contestado como se fosse o responsável por aquela fatalidade na Espanha. Era uma seleção maravilhosa,repleta de craques, a melhor depois de 1970 até hoje, inclusive que as de 1994(horrivel)e a mediana de 2002. Foi derrotada como a Holanda em 1974 e Hungria em 1954.Coisas do futebol,da vida. Apartir dali foi valorizado o futebol "guerreiro", "copeiro",o futebol de verdade foi posto de lado como um acessorio.Contribui também para a lenta decadencia do futebol arte, o verdadeiro futebol brasileiro (e gaúcho também) a debandada de jogadores para exterior principalmente apartir dos anos 80. Hoje a maioria dos bons jogadores brasileiros e sulamericanos joga no exterior, os argentinos e uruguios sentem esse efeito mais ainda devido a maior dificuldadxe de reposição. Poderiamos dizer que a abertura do mercado mumdial ou a globalização está matando o verdadeiro futebol. É a mercantilização destruindo a arte.

Anônimo disse...

O Sr. felipão deveria ser incluido. É também "um peão tosco do teixeirismo boleiro-dinheirista". Acredito que o pior que poderia ter acontecido ao futebol brasileiro foi a derrota na copa de 1982. A partir dali os adeptos do futebol tosco e de "resultados" ganhou força, o futebol arte foi duramente contestado como se fosse o responsável por aquela fatalidade na Espanha. Era uma seleção maravilhosa,repleta de craques, a melhor depois de 1970 até hoje, inclusive que as de 1994(horrivel)e a mediana de 2002. Foi derrotada como a Holanda em 1974 e Hungria em 1954.Coisas do futebol,da vida. Apartir dali foi valorizado o futebol "guerreiro", "copeiro",o futebol de verdade foi posto de lado como um acessorio.Contribui também para a lenta decadencia do futebol arte, o verdadeiro futebol brasileiro (e gaúcho também) a debandada de jogadores para exterior principalmente apartir dos anos 80. Hoje a maioria dos bons jogadores brasileiros e sulamericanos joga no exterior, os argentinos e uruguios sentem esse efeito mais ainda devido a maior dificuldadxe de reposição. Poderiamos dizer que a abertura do mercado mumdial ou a globalização está matando o verdadeiro futebol. É a mercantilização destruindo a arte.

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