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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

quinta-feira, 20 de março de 2008


O conflito tibetano é uma briga de brancos

Antes de comentar sobre os conflitos no Tibet, quero deixar claro que não compartilho em nada do que faz ou prega o regime chinês (continental). Acho aquilo uma deformação pseudo-socialista com enclaves territoriais de neoliberalismo selvagem, mão-de-obra que roça a escravidão, tal como a fase de acumulação primitiva experimentada pela Europa nos séculos 18 e 19, jornadas desumanas de mais de dez horas, descanso semanal reduzido, recrutamento quase militarizado, trabalho feminino intensivo, etc.

Também é preciso registrar que o PIG está à beira de um ataque de nervos com a presente situação de conflito aberto entre Tibet e China. Por quê? - perguntará o Pedro Bó fundamental. Ora, porque o PIG ama a China do reformismo neoliberal (que, repito, acontece em apenas alguns territórios de algumas províncias chinesas). Essa atitude, aparentemente paradoxal, cumpre o objetivo de mostrar-se tolerante e plural com regimes que não sejam exatamente liberais-burgueses clássicos, como é o caso da China continental. Essa tolerância do PIG já tem algumas tintas de espírito republicano. Talvez, no século 22 ou 31 o PIG seja inteiramente republicano. A ver.

Isto posto, é bom informar que na velha China existem três grandes famílias étnico-linguísticas e pelo menos 14 etnias diferentes, a saber, as Sino Tibetanas, Han (chineses), Hui (chineses muçulmanos), Tibetanos, Kadai (incluindo os Tai e Zhuang), Miao-yao; Austro asiáticas, Môn e Khmers, Coreanos, Tajiques indo-europeus; Altaicas: Mongóis, Tunguzes, Uigures, Cazaques e Quirquizes. Existem problemas com lutas independentistas em pelo menos três regiões autônomas. Em todas as regiões existem Assembléias Deliberativas com participação das populações locais nas decisões - uma espécie de OP chinês.

É intrigante, pois, que somente o Tibet – uma província ainda feudal e com governo teocrático – tenha se sublevado, nas antevésperas de um evento mundial como as Olímpíadas de Pequim.

Segundo o portal Resistir.info, em julho de 2007, a embaixada norte-americana na Índia patrocinou um encontro inusitado entre o líder temporal e religioso do Tibet, Dalai Lama, agentes da CIA e a sub-secretária de Estado dos EUA, a neocon Paula Dobriansky. Nesta reunião, foi decidido que nos primeiros meses de 2008 haveria uma grande marcha de exilados tibetanos numa grande cidade global, e protestos populares em território tibetano – o que efetivamente está ocorrendo no momento. Não é preciso dizer que toda essa estratégia tem um custo econômico, e este custo é coberto pelo polpudo orçamento da CIA.

Os EUA, investidos do espírito imperial, querem minar a China que desponta como uma das grandes potências mundiais – tanto militar quanto tecnologicamente – nos meados do século 21, e para tanto não hesitam em fomentar conflitos abertos nas contradições políticas e étnico-religiosas chinesas.

Um parêntese necessário: vocês sabem o que significa Dalai Lama? Significa “Oceano de Sabedoria”. Aliás, o único sujeito na face da Terra, além do papa católico, que é titulado com o atributo de Sua Santidade, é o Dalai Lama do Tibet.

Quem suspeita que haja um mínimo de espontaneidade nas manifestações “populares” de Lhasa, capital do Tibet, está completamento ingênuo na história, sem desmerecer a repressão chinesa na província, que ocorre desde 1950, quando a revolução maoísta começou na Ásia.

Mas, e como era o Tibet, antes de 1950, um paraíso liberal-religioso onde o Oceano de Sabedoria banhava docemente todas as criaturas vivas?

Nada disso. Vejam:

"As leis confirmavam essa estrutura desigual, dividindo a população em três estratos e nove graus, com direitos e deveres distintos. Não havia, portanto, igualdade jurídica, nem mesmo para as mulheres do estrato dominante. Se um nobre matava um servo ou um escravo, pagava uma indenização. Mas, para servos e escravos que agredissem um nobre ou furtassem um bem, os códigos previam penas cruéis, como espancamentos brutais, mutilação de mãos ou pés, extração dos olhos. Até entre os monges, a disciplina era mantida à custa de chicotes e surras, como relata o Dalai Lama em sua autobiografia. Além de uma prisão pública e precária em Lhasa, havia guardas, tribunais e cárceres privados nos mosteiros e nas grandes propriedades.

Os monges da camada superior e os nobres mais influentes monopolizavam os direitos políticos. O Dalai Lama encabeçava o governo desde meados do século 18. Os demais cargos eram repartidos entre lamas e nobres leigos. A Seita Amarela, do Dalai Lama, era privilegiada em relação às demais seitas e o budismo tibetano, em relação às demais religiões.

O Tibet antigo não tinha nada de idílico, portanto. É espantoso que se invoquem os "direitos humanos" para defender esse regime opressivo e cruel, em que a maioria da população, formada por servos e escravos, não gozava de liberdade pessoal, nem dispunha de qualquer direito político."

Trechos do artigo "Confira os mitos e os fatos concretos sobre o Tibete", do veterano jornalista Duarte Pereira, conforme dica do blog Na Periferia do Império.

Vamos olhar agora com outros olhos as notícias e imagens do conflito do Tibet, que o PIG despeja na nossa casa todas as noites. Aquilo lá não tem mocinho, só tem bandido. Pura briga de branco, como se dizia na senzala brasileira.


Foto: encontro recente entre o Oceano de Sabedoria tibetano e o Oceano de Estupidez norte-americano.


16 comentários:

Carlos Eduardo da Maia disse...

Feil, você poderia ter colocado - para ilustrar este post - a charge do grande e magnífico Angeli que saiu hoje na Folha (ela está ali no (argh) depósito. Quem diz que a questão tibetana é uma briga de brancos é quem tem saudades do tempo do livrinho vermelho de Mao e do Stalinismo.

Cristóvão Feil disse...

Para quem não viu, a charge do Angeli mostra uns monges budistas acuados por estarem ameaçados por tanques chineses apontando-lhes os canhões.

Poderia, sim, Maia, mas aí eu estaria chancelando a versão unilateral de que os monges tibetanos são vítimas indefesas do regime chinês. E não são! Não são, mesmo!

O Tibet e seus monges - inclusive o Oceano de Sabedoria - estão sendo instrumentos da política terrorista do Império. Minar e enfraquecer a China - virtual potência competidora com os EUA - é tarefa estratégica dos neocons e falcões da Casa Branca, hoje. Com McCain e os democratas não sei, mas, hoje, é sim, senhor!

Assim, o Angeli, hoje, pisou na bola. Viu só a metade do problema.

Salve!

Carlos Eduardo da Maia disse...

Feil, reconheço esse contexto de guerra fria entre China e EUA - que são excelentes e bons parceiros comerciais, mas cutucar o ponto fraco dos outros sempre fez parte da boa ( e da péssima) política. Tirando esse contexto de guerra "morna", a população do Tibet quer sim independência do centralismo autoritário chinês. É o povo unido que jamais será vencido que pede liberdade. Não vamos cair no maniqueísmo de achar que apenas porque os EUA apoiam a ação do povo tibete (que não é branco) este povo não tem razão, porque ele tem. E muita. Ave.

Anônimo disse...

Claro, onde o PIG mete a pata, tenha certeza que não é por amor à verdade, mas por puro interesse geopolítico e econômico. Claro, também, a mão suja norte-americana apoiando e incentivando as manifestações.

armando

Anônimo disse...

Por que os EUA não apoiam o separatismo do Florida, por exemplo? Existem grupos hispanicos tentando isso desde os anos 60.

armando

Anônimo disse...

Ou a separação de Porto Rico.

Anônimo disse...

Ou a separação do Estado da teologia do dinheiro? Os EUA não são um Estado secular. São teocráticos, quem manda é o deus money, Sua Santidade Oceano de Riqueza, Money primeiro e único.
É o único país do mundo onde deus é citado no papel-moeda explicitamente.

gustavo

Carlos Eduardo da Maia disse...

Nem o povo da Flórida, composta pela salutar diversidade étnica e nem o povo de POrto Rico (que é um Estado de boa qualidade de vida) querem se separar dos EUA. E por que a China invadiu o Tibete? Não será, também, pelo deus money?

Anônimo disse...

Grande parte do território norte-americano é comprado. Com a ajuda de deus!
Deus Money!

leocádio

Anônimo disse...

Creio que os yanques estão com um bom defensor aqui no blog, mas defender não significa encobrir as verdades, quais sejam: existem movimentos em busca de autonomia e independência de estados dos EUA, assim como existem na Espanha, outra tradicional aliada dos EUA. Quanto ao Tibet, históricamente é território chinês, apenas que separado por interesses dos colonizadores, mormente os ingleses. História não serve apenas para interesses menores, como atacar os que lutaram contra a ditadura, mas para se estudar e não repetir os "ensinamentos" propagados pelos Estudos Sociais norte-americanos.

armando

Anônimo disse...

Beleza, Armando.

Anônimo disse...

Creio que isso ficou muito "Manuela". Então, belo argumento, Armando, e desde o começo.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Armando, movimentos de autonomia e independência existem em todos os lugares. Resta saber se eles são expressivos ou não. Talvez 0,000001% da população da Flórida deseja ver a incorporação de seu território a ilha da oligarquia Castro para que o Estado tenha efetivo controle de tudo e de todos. TAlvez. Já no Tibet é outra história, foi um país independente até a ditadura do livro vermelho de Mao. E tem gente que tem saudade desse livro...

Anônimo disse...

Não amola, Maia. O Tibet não é um país no sentido clássico. É um território até relativamente grande com uma teocracia no poder desde tempos imemoriais, que formavam castas opressivas contra os de outras religiões e etnias. Até que Mao chegou ao poder e terminou com a nobreza religiosa e o mandonismo baseado na etnicidade, no sangue nobre. É isso que ocorreu. É o mesmo que aqui no Brasil o bispo Macedo da Universal querer reivindicar um território para ele. Claro, daqui a 500 anos, certo? Macedo não tem a tradição religiosa dos Lamas, estou caricaturizando. Mas é intolerável que no século 21 exista um território que seja teocrático e que faça da religião um instrumento de opressão e dominação. Foi o que aconteceu no Tibet. Os chineses arrasaram com a dinastia opressiva dos Lamas. O Feil coloca bem. Os EUA querem instrumentalizar o budismo tibetano, que não é bem o budismo de outras geografias, para garantirem o poder do Império por omnia seculorum. Informo que também não engulo a burocracia chinesa, como o Feil frisou.

Callado

Anônimo disse...

Essa é boa. Movimentos de independência expressivos ou não? Quem decide? Dalai na Lama e Maia na CIA, dos Sanduíches. Tua persistência chega a ser genial, Maia, coisa de louco.

Anônimo disse...

Maia...já pro Depósito de castigo !
Vai estudar História...

abraço Sueli

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