Entrevista com Stedile
Há cerca de 30 anos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) começou a se organizar nacionalmente com um propósito: promover a reforma agrária no Brasil. Os anos passaram, o movimento se consolidou, milhares de militantes foram assentados, e o foco de atenção do MST se ampliou.
Em entrevista exclusiva à Agência Brasil, João Pedro Stedile, um dos líderes nacionais do movimento, afirmou que é hora de os sem-terra lutarem por um agricultura mais fraterna e sustentável. Segundo ele, os militantes devem agora buscar diferentes alianças, principalmente com a população da cidade, para alcançar dois novos objetivos: a redução do uso de agrotóxicos nas lavouras e o fim do domínio de empresas multinacionais sobre a agricultura nacional.
“O MST percebeu que não basta você ser contra o latifúndio e a favor da distribuição de terra. Você tem que lutar também pela mudança do modelo agrícola.”
Stedile disse que, atualmente, três ou quatro empresas de atuação global dominam o mercado nacional de sementes, insumos e fertilizantes. “Isso subordinou a agricultura brasileira. Elas controlam o mercado mundial, controlam os preço e impõem o que querem à nossa agricultura.”
Ele disse também que poucas companhias incentivam os produtores rurais brasileiros a ser os que mais consomem agrotóxicos no mundo. São 720 milhões de litros por ano. “É impossível que isso tenha futuro. Os venenos destroem a fertilidade do solo, contaminam a água, ou então ficam nos alimentos que vão para o nosso estômago.”
Acompanhe abaixo os principais trechos da entrevista:
O MST espera conseguir o apoio de outros setores da sociedade com essa nova política de atuação contra os agrotóxicos e multinacionais?
Nós temos certeza de que a imensa maioria da sociedade brasileira também defende este programa. Já, agora, em movimentos pontuais, nós atuamos com o Greenpeace, com o movimento ambientalista e com os setores de defesa do consumidor. O próprio Idec [Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor] tem nos apoiado na questão dos agrotóxicos.
Essa nova política pode ajudar a mudar a imagem negativa do MST com alguns segmentos?
A ampla maioria da sociedade brasileira nos apoia. Se o MST não tivesse apoio já teria sido destruído. Agora, queremos dar um passo a mais. Temos que nos aliar ao povo da cidade. Veja a situação dos agrotóxicos: quem come os produtos cheios de venenos? O povo pobre da cidade. Então, quando nós vamos resolver isso? Quando as massas da cidade tomarem consciência desse problema e resolverem se mobilizar.
A mudança de foco de atenção significa a redução das ocupações de terra?
A ocupação faz parte da história da humanidade. Sempre que um território é apropriado apenas por uns poucos e nesse mesmo território convivem milhares de pessoas sem acesso à terra, é evidente que haverá ocupação. A política do MST é de organizar os pobres para que lutem por seus direitos. Em alguns lugares, serão passeatas. Em outros, ocupações.
Essa nova política é consenso no MST? Não seria uma proposta de parte do movimento que já foi assentada e, por isso, não milita mais pela terra?
Consenso é a pior palavra. O consenso é burro. Em qualquer movimento social, há opiniões diferentes. Mas essa política que eu expressei aqui é da ampla maioria. Evidentemente, por causa da natureza da nossa luta, em cada região há um grupo que prioriza um aspecto. Se um sujeito está acampado, ele tem que lutar para conquistar terra o quanto antes. Se ele já está assentado há vinte anos e está enfrentando o problema do agrotóxico, é claro que o agrotóxico é o centro da luta dele.
O MST pretende apresentar essas propostas aos candidatos à Presidência?
Nós estamos pensando em apresentar essas propostas para todos os candidatos, não só a presidente como a governos estaduais. Daqui até maio, eu acredito que esse processo de discussão das sugestões já vai estar concluído e, quando começar a campanha, vamos contribuir.
Já existem sugestões?
Sim. Nós achamos que temos de transformar a Conab [Companhia Nacional de Abastecimento] numa grande empresa estatal. Ela deve garantir a compra de produtos dos camponeses e abastecer mercados populares com produtos de qualidade. Nós também temos que controlar o ingresso de multinacionais no Brasil. Estes dias eu li no jornal que uma empresa chinesa quer comprar 100 mil hectares de terra aqui. Isso é um absurdo. Não pode acontecer.
2 comentários:
O desconhecimento da ciência das redes e a insistência em apenas querer uma mudança macro a partir da dicotomia da luta de classes custa muito caro ao MST.
Defendo há muito tempo que é preciso saber usar redes sociais, ensinar favelados e estudantes a plantar e estimular hortas comunitárias. É isso o que cria massa crítica urbana e que faz com que a classe média se contamine menos pelo PIG.
O modelo é o de resistência e não o de luta. É o de desconstruir o poder sem jamais almejar tomá-lo. Negri e Hardt e Steven Johnson hoje ensinam muito mais do que Marx.
Marx será sempre válido. Porém, a aplicabilidade do seu modelo só será bem sucedida em regiões de penetração baixíssima da mídia de massa e de conectibilidade zero.
[]'s,
Hélio
Enquanto as mega corporações da química nos empanturram de veneno - que vai, dali a alguns anos, cobrar um preço caro a nossa saúde -, nós as empanturramos de lucros.
Agricultura moderna é isso.
E ouve-se pouquíssimas vozes, além da do MST, a denunciar tal modelo de agricultura. Das autoridades, em sua grande maioria pensando apenas no retorno em termos de "money" para suas campanhas eleitorais e projetos políticos pessoais, pouco ou nada podemos esperar em termos de medidas para mudar tal estado de coisas.
Do povo em geral, parece que também há pouco que possamos esperar. A maioria das pessoas está inerte pela avassaladora propaganda e acreditando que mundo o maravilhoso prometido pelo "livre mercado" vai ser encontrado logo ali; basta dobrar a esquina mais próxima. Acreditam que, ao ensimesmarem-se mais e mais, limitando seu mundo aos arredores de seus umbigos, vão atingir o prometido paraíso.
Causa justa a que nos apresenta o Stédile, que vai demandar um trabalho imenso. Mas é uma luta que vale a pena ser travada.
Vida longa ao MST!
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