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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

terça-feira, 30 de junho de 2009

Se os humanos perturbarem o equilíbrio da Terra, serão pisoteados e jogados fora


O humanismo é uma religião esquecida

Os recentes relatórios científicos informando sobre mudanças climáticas praticamente irreversíveis ou de remota reversão, impõem ao homem abstrato a necessidade de entender onde foi, afinal, que errou.

Evidentemente o vilão número um do aquecimento global é o homo oeconomicus gestado nas usinas de carvão do princípio da Revolução Industrial e, claro, suas subsequentes derivações tecnológicas que teimam cada vez mais em consumir combustíveis fósseis combinado com um modelo perdulário e predatório de produção e consumo – seja no setor primário, seja na indústria de transformação.

Na sua obra Cinco ensaios sobre a psicanálise, Freud detectou aquilo que chamou de feridas narcísicas do homem da modernidade. A primeira ferida foi causada por Copérnico ao provar que o homem e seu pequeno planeta não eram o centro do Universo. A segunda ferida foi causada por Darwin ao mostrar que o homem é tão-somente um elo na evolução das espécies vivas, e não uma criatura especial de Deus para dominar a Natureza. A terceira ferida foi obra do próprio Freud ao mostrar que “o Eu não somente não é senhor na sua própria casa, mas também está reduzido a contentar-se com informações raras e fragmentadas daquilo que se passa fora da consciência, no restante da vida psíquica”.

Em suma, diz Freud, arrasador, somos periféricos, ligeiramente pós-primatas e temos uma consciência opaca, quase sonâmbula.

O homem que formulou constructos de religiões e filosofias para adornar a própria condição, sem as quais a vida seria mais penosa, aos poucos dá-se conta que não passa de mais um dos tantos animais da vasta fauna terrena. Não foi Platão e Descartes que apontaram a consciência como o elemento distintivo entre os humanos e os outros animais?

Pois hoje quem estiver com os olhos e a estreita janela da consciência abertos para aceitar que nós humanos não devemos ter tanta importância assim, está de fato contribuindo para a salvação do Planeta e o início prático da biofilia - o amor endereçado a todas as coisas vivas.

Esses densos temas estão discutidos por John Gray na obra Cachorros de Palha - Reflexões sobre humanos e outros animais (Ed. Record). Como se vê, o britânico Gray abala as convicções mais arraigadas de todos nós, atirando com pontaria em ícones humanistas, tanto à direita, quanto à esquerda. Ora extraindo inspiração da poesia, onde vale-se até de Fernando Pessoa, ora da literatura de Conrad, ora da filosofia de Hume, de Schopenhauer, de Kant, e de Nietzsche, ele consegue fazer-nos pensar que, de fato, a sombra escura do homem é bem maior do que o seu real tamanho natural.

O livro é um trabalho inspirado e muito bem escrito sobre antropologia filosófica, mas passa longe dos jargões e da linguagem hermética dos iniciados. Sobre John Gray se pode dizer que talvez seja um Schopenhauer sem a ranhetice deste, sem aquela misoginia agressiva, e que nunca empurrou a empregada do alto da escada, como o filósofo alemão.

Da biologia molecular, Gray trabalha com o que afirma Jacques Monod, segundo o qual a vida é uma casualidade que evoluiu pela seleção natural de mutações randômicas (aleatórias, contingentes). E que, portanto, nem a filosofia, nem as religiões (cuja moralidade entre o certo e o errado está informada por Deus, e que este afinal vai garantir-nos um sentido para a vida), e muito menos o progresso tecnológico podem afastar-nos da jogada de sorte de sermos o resultado (bem ou mal) sucedido de uma loteria cósmica.

O grande alvo de Gray é o humanismo pretensioso dos Iluministas, segundo o qual pode-se perfeitamente substituir a religião tradicional pela fé secular na humanidade. Gray lembra que para a hipótese Gaia, a vida humana não tem mais sentido do que a vida dos fungos.

Gaia, aliás, está na raiz do título Cachorros de Palha. Segundo uma antiga escrita taoísta, nos rituais chineses, cachorros de palha eram usados como oferendas para os deuses. Durante o ritual eram tratados com reverência e respeito. Quando tudo terminava, e não sendo mais necessários, eram pisoteados e jogados fora: "Céu e terra não têm atributos e não estabelecem diferenças: tratam as miríades de criaturas como cachorros de palha" - diz a escrita do sábio Lao-Tsé.

E completa John Gray: "Se os humanos perturbarem o equilíbrio da Terra, serão pisoteados e jogados fora".

Uma leitura que nos reconcilia com os animais e com o Planeta, sem a chatice da conversa "verde" e nem a falsa piedade dos consumidores de pet shop e mascotes caseiros.

Artigo de Cristóvão Feil. Publicado originalmente na revista mensal do MST, em setembro de 2007.

12 comentários:

Anônimo disse...

Essa ofensa desenfreada da esquerda reaça contra o Maia, João de Viamão e outros anônimos que se atrevem a colocar algumas linhas em desacordo com suas cartilhas não é racismo?
Tô lôco então!
E esses caras têm a cara de pau de criticar o Barbie (que por chamá-lo assim já se trata de racismo dos brasileiros).
Como diria meu avô, "vão cagar no mato" já que matéria é sobre ecologia.

Mario Rangel disse...

Em primeiro lugar, seu anônimo das 10:17, assina teus comentários. Pois essa de se esconder para dezer o que diz, é coisa de covarde.

Segundo, reaça são os comentários destes que tu defendes. Ou então tu és tão burro que não sabes o que quer dizer reacionário.

Como já havia dito, defender idéias é uma coisa. Mas não respeitar o outro é canalhice, pois estes que tu defendes, pensam que podem ofender e ficarem impunes.

E, como diria o teu avô: vai cagar no mato e depois senta num formigueiro.

O DG é um fórum de discussões críticas, e não um muro de lamentções.

Anônimo disse...

O Maia não existe, é um pseudônimo do DG para aumentar a polêmica do seu site.
Impossível existir quem, de forma natural, mantenha uma linha tão coerente com o que a RBS veicula. O Maia fala rigorosamente o discurso da direita, é orgânico da tucanagem, uma sombra do Políbio. Ele diz "A" e no transcorrer do dia vamos ver os jornais e o pessoal da direita falar "A".
Ele chega a furar a pauta dos jornalistas do PIG na ânsia de passar adiante "a palavra do dono".
Se fosse uma pessoa comum ocorreriam no texto dele, nas idéias, interesses, divergências com a pauta diária do PIG, são pouquíssimos os que estão 100% de acordo com o mundo neoliberal.
O único traço de humanidade dele é o pensamento raso, o apego a chavões, o uso do senso comum, o tempo livre típico de funcionário CC, mas isso pode ser esmero do Feil em produzir seu personagem.
Então acho besteira defender o Maia, ele se defende sozinho e faz parte dos móveis e utensílios.

Anônimo disse...

Ótimo livro.

armando

Carlos Eduardo da Maia disse...

Primeiro lugar, o texto do post é bom e o livro do Gray eu recomendoooo.
Ponto importante: não se pode colocar chantilis de ideologia e nem açucar mascavos de politicagem nas questões ambientais, porque elas dizem respeito ao controle e a regulação de um risco que pode ser incerto. Nas questões ambientais não se pode radicalizar e sair pelo corredor nebuloso da paranóia. O direito ao meio ambiente faz parte da terceira gerações de direitos, os chamados direitos da solidariedade. Para quem não sabe, anotem: a primeira geração são os direitos da liberdade, a segunda, os direitos da igualdade e a terceira geração da solidariedade.

No argh depósito do maia tem mais de 2000 posts e quem achar algum comentário em defesa do estado mínimo, do liberalismo, do neoliberalismo ganha uma bala sete belos.

André F. disse...

...ACHO QUE O MAIA... "DES-MAIOU"!!!!

André F. disse...

...Talvêz o problema é que o Homem se auto-sabota por ser naturalmente medroso...TAMBÉM!!!...

André F. disse...

P.S.(...Acontecimentos como essa bela REAÇÃO ao golpe baixo lá em HONDURAS,essas atitudes repentinas que as populações tomam quando se convencem do que é correto...;ISSO e a cultura nos sustentam, com esperança e alegria comunal...)

Anônimo disse...

O posts no blog do Maia são que nem os decretos do Agaciel: tudo secreto.

Ninguém entra lá. Nem mosca para cheirar.

Claudio Dode

André F. disse...

...pQUE SE AS MOSCAS ENTRAREM ELE ENGOLE...

Anônimo disse...

Agora, falando do post mesmo, que gozar do Maia é nosso café da manhã, os seres humanos se comportam tal e qual o mofo, vão consumir tudo que for possível até que fatores externos os contenham.
É simples assim.
Regulação governamental ou "de mercado" (quáquáquá) ou social não vai acontecer antes que levemos a primeira grande surra.
Vai acontecer o capítulo 5 ou 6 do "Colapso" do Jared Diamond: em algumas regiões será o cenário Maia e e em ouras o da Islândia.
A diferença entre o livro e o que virá é que o sistema "atmosfera" vai buscar um novo ponto de equilíbrio depois de certo ponto e não se recuperará como nos desastres locais que o livro cita.
O mais tenebroso seria o cenário do Lovelock "deserto e savanas do Canadá até a Terra do Fogo".
Estamos "fu" e os idiotas em Honduras dando golpes de estado de medo de eleições diretas, vê se tem cabimento.
Por aqui os idiotas se dividem em dois grupos: os que querem melhor divisão através do crescimento da economia (e erosão do ecosistema) e os que que buscam lucro djá concentrado em poucos, mas também se lixando para o meio ambiente.
Ou seja: sem golpe de estado, estamos "fu" igual, mas dentro de um estado democrático de direito.

Maurício Santos disse...

Aí, Feil, muito bom o post. Sou fã do J.Gray e, na semana passada, presenteei um caríssimo amigo com o "Cachorros de Palha". Tua síntese ficou muito boa, recomendo a leitura do livro a todos.

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cfeil@ymail.com

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