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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Só nos reconhecemos no dinheiro


O homem sem qualidades

Para o marxismo vulgar o tema da alienação é insuportável, porque decifra o hieróglifo que esconde a identidade entre o mundo do liberalismo burguês e o mundo do stalinismo; que são tão diferentes quanto pode ser uma imagem no espelho. Sob o peso insuportável das contradições, então, o espelho se quebra, desfaz-se a mistificação e a realidade desaba, como em piegas histórias de folhetim popularesco: dois inimigos descobrem, afinal, que são irmãos (a tensão é grande), um deles, falido e abalado, não resiste e morre; e o outro, herdeiro de uma riqueza combalida, promove-se, finalmente, a sheriff do último estranho mundo invertido das mercadorias – o império onde o sol nunca se põe.

Nesta altura, pode-se perceber já não mais a presença abstrata da alienação, mas as suas marcas materiais concretas. É gerada no ato do trabalho produtivo abstrato; incorpora-se aos objetos de troca; penetra nos lares através dos valores de uso do consumo cotidiano; materializa-se no dinheiro, como medida quantitativa e qualitativa de todas as coisas e de todos os homens; institucionaliza-se na vida política como representação da universalidade; acultura-se como senso comum de uma realidade mistificada; ideologiza-se como imaginário social invertido, onde o sujeito é objeto e o objeto é sujeito. As virtudes do homem estão nas virtudes das mercadorias.

O dinheiro quantifica e qualifica o valor dos indivíduos. A auto-realização do homem sem qualidades é confundida com a capacidade de consumo dos indivíduos frustrados. O homem, assim repartido, torna-se irreconhecível, desumaniza-se, não se reconhece mais em si e no outro; mas ambos se reconhecem nas mercadorias e no dinheiro.

O mundo todo abarco e nada aperto/ É tudo quanto sinto, um desconcerto (Camões).

Esse se reconhecer nas mercadorias não é a mesma coisa que reencontrar a parte da humanidade perdida, alienada, mas valorizar por impulso racionalizante e ideológico os objetos como sujeitos da última vida social. Os objetos são feitiços que determinam (governando) o mundo invertido do último capitalismo.

A alienação, assim concebida, é uma totalidade inerente ao modo de produção de mercadorias. Uma tatuagem indelével – às vezes oculta, às vezes aparente – nas moléculas constitutivas das mercadorias e de toda a vida social de todos os homens da modernidade. É a seiva abstrata que nutre e irriga as relações sociais coisificadas da atualidade acelerando os processos históricos que desumanizam o homem, mas que, contraditoriamente, também podem apurar a reaproximação autoconsciente com a sua humanidade.

Que me dava que o mundo se acabara/ Ou que a ordem mudasse a Natureza? (Camões)

Camões, que morreu em 1580, viveu o amanhecer do que hoje está no entardecer, e parece que já reclamava um ordenamento que alterasse a natureza, a "naturalidade" dos acontecimentos da vida; ou, então, que o mundo se acabe, mesmo! Não são, certamente, os efeitos precoces da alienação capitalista; mas os resultados da inversão da consciência por efeito de mistificações religiosas, filosóficas ou políticas que mascaram historicamente a realidade do homem, impedindo-o de exercitar a unidade da razão com a liberdade no caminho da verdade.

17 comentários:

André F. disse...

O Homem moderno não quer perder tempo no que considera "caso perdido".Por estar esvasiado daquela ânsia de conhecer a verdade,seu próprio e misterioso enigma,sua condição transcendental e possibilidades,êle não crê na cooperação do próximo,não reconhece no semelhante aquílo que já julga morto em sí...Por que pensar na minha condição miserável se eu preciso aluguel etcetcetc...Porisso o PODER sempre temeu e sufocou o verdadeiro artista ,pois ao contrário da Mercadoria,NA ARTE o Homem se reconhece...o véu cai...e percebe a grande verdade:A Liberdade EXISTE e não se compra;é conquista de Homem!!!

Juarez disse...

É mais complexo que isso André. O texto é muito denso.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Quando Marx escreveu a Ideologia Alemã com o rancoroso do Engels ele nunca imaginou que suas idéias seriam transformadas em fetiche religioso por aqueles que tem fé na religião de que a história da humanidade nunca vai ser contada de forma multilateral, mas apenas pelo lado bipolar da luta de classes. Aprendi lendo Sándor Márai -- que foi um burguês -- que o motor da história é mesmo a luta de classes, mas a verdade é sempre enigmática, pois ninguém é dono da verdade. Ela não tem dono, pois existem várias -- nem uma, nem duas e nem três -- versões da mesma história. Tadinho daqueles que batem sempre na mesma duvidosa tecla das velhas teorias. O importante é criar os fatos necessários para que a revolta ocorra, mas o povo não está preocupado com isso, ele está louco para comprar a linha branca com IPI reduzido pelo Lula. E os crentes chamam isso de "alienação".

André F. disse...

...DACORDO!!O texto fornece muito pano prá manga :não se resume a um único "aspecto"...

André F. disse...

MAIA :O Motor da História é o SEXO!!!

Anônimo disse...

Resta razão ao velho Paul Lafargue que, na obra o "Direito à Preguiça", chamavaa atenção para a necessidade da libertação do trabalhador do trabalho, principalmente desse trabalho alienante e burrificador, que só leva valor ao proprietário do modo de produção.

armando

Jean Scharlau disse...

Mil e quinhentos anos antes de Camões: "- Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro e perder sua alma?"

André F. disse...

...hahahaha... ou então o comum:"Saco vazio não pára em pé"...

Carlos Eduardo da Maia disse...

Armando, o Walter Benjamin escreveu um texto chamado "experiência e pobreza", que faz parte das obras escolhidas editadas pela saudosa Brasiliense, no meio da década de 80. Foi meu livro de cabeceira por vários anos. O texto começa assim:

"Em nossos livros de leitura havia a parábola de um velho que no momento da morte revela a seus filhos a existência de um tesouro enterrado em seus vinhedos. Os filhos cavam, mas não descobrem qualquer vestígio do tesouro. Com a chegada do outono, as vinhas produzem mais que qualquer outra na região. Só então compreenderam que o pai havia lhes transmitido uma certa experiência, a felicidade não está no ouro, mas no trabalho."

André F. disse...

PÔ MAIA:Que pegadinha prá se fazer c/os filhos!!!:E se esses ingênuos houvessem esburacado tudo e arrancado os Pés!!?? E,videira dá melhor em terra dura mesmo... "Parábolas ruins da BOLA"!!!

mario arngel disse...

Ah não!!!!

Dois comentários do Maia no mesmo post, não dá!

Ô Feil... Corta esse cara...

hahahaha

Anônimo disse...

A Felicidade não está no ouro, mas no trabalho.

Muito falso vindo do Maia, que só louva o capital, e abençoa todas as suas desvirtuações.

De um neoliberal Yedista juramentado, soa nada mais do que uma hipocrisia. No caso do Maia: uma a mais não faz diferença.

A linhas branca com o IPI baixo é uma arma do Lula para manter o comércio funcionando. Não é supérfluo. Alienante é o consumo direcionado ao "parcão", como o tenis Nike para o footing etc. No Pau da goiabeira : Veadaagem

Claudio Dode

André F. disse...

O Mario Rangel diz... "Cortar"o MAIA em QUAL sentido??!...(BASTANTE cortado!!???)hehehehehehe

Charlie disse...

Dinheiro é coisa do diabo.

André F. disse...

TSK! TSK!...O DIABO é que é coisa do dinheiro!!...

Donkey Kong disse...

Na verdade, o texto é simples. É uma critica a sociedade do valor abstrato. Isso é um capítulo do capital. Fim. É a discussão Guevara x Soviéticos, ruptura do abstrato para o útil. Enfim...

André F. disse...

TAMBÉM,meu filho,TAMBÈM!...hehehehehehehehe

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