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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

A matriz da violência no mundo


O crime como força produtiva

Todos os ideais Iluministas estão mortos, subsiste somente o aspecto negocial ("geralmente colocado sob o signo da vigarice", no dizer de Ernst Bloch), o lado puramente econômico, produtor de mercadorias e alienação, que se reproduz de modo ampliado pelos aportes incessantes da ciência reificada através das tecnologias de dinheirização da vida.

O mestre dos gangsteres, Salvatore Lucky Luciano (foto), dizia com conhecimento de causa, que ao entrar em qualquer negócio o importante é não ser o morto. Uma moral definitiva sobre o seu negócio e, de resto, sobre o negócio do capitalismo em geral. Um jogo com regra singular: não ser o morto. O resto vale tudo. Que o diga Bernard L. Madoff, o esperto que enganou meio mundo vendendo pirâmides de ganância, a um preço de 50 bilhões de dólares.

Qualquer estudante de economia, mesmo os não-estudantes, os transeuntes próximos a uma escola de economia, sabem que nos primórdios do capitalismo, na fase de acumulação primitiva, está o roubo, o saque, a escravidão e a pilhagem. Aí está a transnacional Siemens, há 70 anos cometendo crimes, sempre prosperando. Muitas dessas ações de apropriação nem sempre foram consideradas crime. O abigeato, por exemplo, nem sempre sofreu sanção. Bento Gonçalves da Silva, o grande herói guasca, foi um abigeatário confesso. Hoje, é crime passível de severa punição, e os fazendeirotes da Campanha guasca exigem veículos e força pública para inibir o crime de abigeato em suas propriedades.

O Direito anda a pé, o fato social anda a jato. E essa diferença de velocidade é fator econômico de grande relevância, quem dela tirar proveito tem inegáveis vantagens comparativas sobre o concorrente.

O vale-tudo da acumulação primitiva foi sendo abrandado pela lei e pelo Estado, mas não foi totalmente eliminado da vida social moderna. A concorrência entre os capitais reproduz incansavelmente novos vale-tudo, para os quais o Estado e a lei não estão e, muitas vezes, não querem estar preparados.

No Brasil, meses atrás, houve a constatação de maquiagem de mercadorias (pacote de alimento de 200 gramas, com apenas 190 gramas, de 1 kg, com 980 gramas, etc.): uma franca manifestação local do que é o negócio capitalista, na essência.

A fraude, aqui, é força produtiva.

O aumento de rentabilidade do capital pode vir tanto do incremento de produtividade quanto do esforço de desprezar a lei, para aquele, é preciso investimento, para esse, só é preciso empenho criativo e cara-dura.

As novas “forças produtivas” podem ser: “acordos e cartéis, abusos de posição de liderança, dumping e vendas casadas, delitos de iniciados e especulação, absorção e desmembramento de concorrentes, balanços falsos, manipulações contábeis e de preços de transferências, fraude e evasão fiscal por filiais off shore e sociedades virtuais, desvio de créditos públicos e mercados fraudados, corrupção e comissões ocultas, enriquecimento ilícito e abuso de bens sociais, vigilância e espionagem, chantagem e delação, violação do direito do trabalho e da liberdade sindical, da higiene e da segurança, das cotizações sociais e ambientais” (Brie), etc. Que grande grupo negocial está fora de um, dois ou todos esses poucos itens de “esforço criativo” para aumentar rentabilidade e vencer concorrentes?

A lavagem de fundos ilícitos pelos principais bancos dos Estados Unidos constitui uma fonte importante de fluxos externos para aquele país. Uma subcomissão do Senado americano calculou essa cifra em torno de 500 bilhões de dólares/ano. São recursos de múltipla origem: desde o narcotráfico, máfia russa e japonesa até o caixa dois de companhias multinacionais, depósitos em paraísos fiscais “legalmente” tolerados. Tráfico de tudo: novos narcóticos sintéticos, cocaína, armamento pesado, órgãos humanos, alta prostituição, falsificação de grifes (muitas vezes pelos próprios proprietários para aproveitar o crescente mercado informal subterrâneo mundial), pirataria na informática e na indústria fonográfica, o tráfico de animais (só este movimenta anualmente cerca de 20 bilhões de dólares), etc.

Toda a logística estatal norte-americana do serviço secreto que era empregado na Guerra Fria onde opera, hoje? Ganha um doce quem disser que é na nova guerra econômica pela americanização de fundos legais e ilegais, tanto faz; a moeda é uma mercadoria vil que procura proteção máxima; e os EUA podem dispor de meios para dar-lhe segurança e rentabilidade.

O comércio mundial anual situa-se, hoje, “ao redor de 5 trilhões de dólares, calcula-se que 20% por via do crime, ou 1 trilhão de dólares” (Brie). Essa “riqueza” é administrada lisa e serenamente pelos grandes bancos do planeta, por grandes escritórios de advocacia, mega-corretoras, intermediários diversos, gerentes e diretores de trustes e fiduciárias, constituindo um bolo internacional que é lavado todos os dias, em quantidades parcelares, pela chamada economia legal.

A guerra contra o grande crime é uma nova guerra fria (uma guerra de mentirinha), na qual os Estados nacionais pouco podem, porque dominados pelos interesses que sustentam e reproduzem tal situação. Aí reside a matriz primal da violência de nossos dias. Violência globalizada, que se alastra e se reproduz nos quatro cantos do mundo, em pequenas sucursais do inferno.

É da natureza mesma do negócio capitalista, essa prática heterodoxa. É da natureza mesma do escorpião picar o sapo que o ajudou a vencer a forte correnteza.

Mudar a natureza das coisas, quase sempre, envolve mudar as próprias coisas.

Artigo de Cristóvão Feil, sociólogo.


20 comentários:

Anônimo disse...

Numero de homicidios na Italia 1300 ao ano, 58 milhoes de habitantes.

Homicidios somente em SP 1000 ao mes.

Anônimo disse...

E ainda tem gente que acredita na livre concorrência. Basta ver o exemplo dos postos de gasolina: inúmeros pequenos produtores, deveriam produzir uma aguerrida concorrência. Mas o que há, cartel, máfica, ameaça a tiros aquele que ousar desafiar o esquema. O preço é padronizado, basta observar as bombas da capital. E alguns, contra todos os fatos, continuam acreditando no sistema. Em época de natal nada mais apropriado, quem sabe o papai noel não traga óculos novos para essa gente.

Anônimo disse...

Não é a toa que o velho Marx tem muito a nos dizer:
"A consequência inevitável da concorrência é a total determinação das mercadorias, a falsificação, a produção de má qualidade, o contágio universal, tal como ela se revela nas grandes cidades."(Manuscritos Econômico-Filosóficos/O acúmulo de capitais e a concorrência entre capitais)

Jean Scharlau disse...

Substantivo artigo, Professor!

Suzana Gutierrez disse...

Olá

Uma excelente e necessária reflexão. Tenho recomendado as tuas postagens pelo Google Reader (onde agrego os sites que leio) e elas tem passado por mais recomendações dos contatos que tenho.

É importante que textos como este tenham maior alcance.

abraço!

Suzana Gutierrez

Anônimo disse...

Maria orlanda Pinassi tem um artigo muito bom: "O Capital comete o crime. A ocasião faz o bandido". Li na Carta Maior em junho de 2006, o vínculo não existe mais. Um trecho:

* Do pecado original à sua negação

No entanto, é Karl Marx quem puxa o fio da meada
lembrando que o conceito liberal de crime – o mesmo
que há tanto tempo fornece (e, ironicamente, oculta) o
substrato classista da pena contra os que violam a
propriedade privada – tem suas origens fincadas nos
mais repugnantes atos de usurpação e violência.

Por exemplo, quando narra as atrocidades da acumulação
primitiva, Marx destrói a passividade com a qual se
convencionou descrever a formação da classe
trabalhadora. Os fatos desmistificam o sentido
fatalista e, no mínimo, estranho de libertação dado a
um movimento vivo e muito violento que expropriou e
transformou produtores diretos numa imensa massa de
indivíduos despossuídos, lançados a mais absoluta
pobreza e à dependência exclusiva do mercado de
trabalho.

Da pilhagem inicial aos novos proprietários sobreveio
a imperativa necessidade de legitimar e, com isso,
potencializar os seus já fabulosos resultados. A
regência do capital impunha a reprodução permanente e
sempre ampliada daquele primeiro – e já concluído –
movimento de expansão e acumulação de riquezas,
impulsionada então por uma nova centralidade
fundamental: a exploração do trabalho “livre” e
assalariado que, até finais do século XIX, conviveu e
até mesmo se associou perfeitamente à exploração do
trabalho escravo nas colônias (1). Isso significa que
a reprodução do movimento necessário à acumulação é
também a reprodução da espoliação, do roubo, do logro
e, principalmente, da extração do sobretrabalho
empregando múltiplos métodos, quase todos muito
violentos. Sobre isso, aliás, é importante lembrar que
os métodos privados empregados no princípio do
processo de desenvolvimento da acumulação jamais
caíram em desuso, ao contrário, a eficiência de seus
resultados foi complementada por outros métodos,
alguns oficializados pelo Estado, muitos dos quais tão
truculentos quantos os predecessores (2).


Outro livro que deveria ser lido por qualquer estudante secundarista é o clássico de Leo Huberman "A História da Riqueza do Homem". Tem na Cultura, custa 67 reais.

Su, legal ter notícias tuas!!!

Anônimo disse...

Parabéns pela excelente reflexão, Feil.
A concorrência reduz os preços? Verdade?
Nunca vi tantos postos de gasolina em minha cidade. Nunca o preço da gasolina esteve tão elevado.
Minha cidade está "minada" de farmácias; nunca se viu tantas. Nunca os remédios foram tão caros.
O governo FHC abriu o setor bancário aos bancos estrangeiros sob a justificativa de que uma maior concorrência iria reduzir o custo dos serviços bancários. Resultado: nunca foi tão caro manter uma conta em banco. Nesses últimos dez anos, as tarifas bancárias subiram como nunca, foram às alturas.
E alguns bancos, mesmo com lucros astronômicos, estão se fundindo; para poderem sobreviver, explicam.
E viva a concorrência.

Anônimo disse...

Torno a escrever aqui a frase que Alfred Neumann publicou na revista Mad muitos anos atrás. Escreveu ele:
"Um país capitalista se faz com homens corruptos e livros-caixas rasurados".
Neumann estava errado?

Carlos Eduardo da Maia disse...

O capitalismo é tão lixo e tão ruim que permitiu a multiplicação por seis da população mundial, multiplicou por dez a sua produção per capita e elevou de 30 para 60 anos a expectativa de vida do homem. É claro, é evidente, é cristalino que o sistema não é o ideal, porque ele uma tendência
produzir uma detestável desigualdade. Ontem saiu o IDH dos países do mundo. O Brasil continua desigual, mas os 20% mais ricos do Brasil tem a qualidade de vida da elite espanhola, enquanto os 20% mais pobres tem a qualidade de vida da India. Em contrapartida, os 20% mais pobres da Espanha tem a qualidade de vida de toda a população cubana. A Espanha -- que viveu fortes turbulências ideológicas no século XX -- é que conseguiu se desenvolver social e economicamente porque aderiu a uma linguagem que o Brasil continua a gaguejar. Mas vamos sim superar essa gagueira.

Anônimo disse...

AQUÍ A DIREITA CONTINUA A FOMENTAR UMA POLÍTICA NEOLIBERAL FALIDA E DSASTRADA!! A DIREITA ESTÁ SEM RUMO !! AS PIORES EMPRESAS DO RESTO DO MUNDO TENTAM SE INSTALAR NO RS TENTANDO LEVAR VANTAGEM COM A DES-GOVERNADORA QUADRILHEIRA !!!

Carlos Eduardo da Maia disse...

A história da riqueza do homem do Huberman e as veias abertas da américa latina do Galeano eram meus livros favoritos. Pena que eles ficaram mofados.

Anônimo disse...

O que não se usa mofa, com certeza.

Se lesse talvez não tivesse mofado o cérebro

Anônimo disse...

maia, quem fez a populaçao sair de 2 bi para 7 foi o petroleo e a China, pais mais populoso ao mundo nao é capitalista.

O que existe no Brasil é exploraçao escravista, nao capitalismo.

A Espanha cresceu com uma bolha financeira sem precendentes, esta entre as primeiras a falir, desemprego desesperador.

Nao sei onde tu buscas essas informaçoes distorcidas e antigas e nem pq às posta aqui, nao somos cretinos, ja te provamos isso milhoes de vezes.

Anônimo disse...

Vamos mudar algo.
Preparem-se para cairem sentados no chão, engatinhar até a geladeira e acabar com estoque de bebidas:
Caminhavamos eu e meus colegas para o almoço ontem e um deles ao comentar a crise se sai com essa: "mas foi culpa do governo americano que emprestou para quem não podia pagar"....
Ou seja, um vivente que lê Zero Hora e assiste Jornal Nacional pensa que a culpa da crise não é capitalismo se inviabilizando mas do governo americano por emprestar mal o dinheiro para pobres comprarem casa.
Confrontado, não desistiu: a culpa é do governo por não fiscalizar como se faz no Brasil.
Todo o sentimento de vitória que a esquerda compartilha nas últimas semanas está restrito a ela.
A esquerda fazemos essa leitura dos fatos. As outras pessoas percebem-no apenas parcialmente e ainda procuram entender o que se passa com framework que o PIG semeou nelas.

Anônimo disse...

Mesmo que fosse DOADO uma casa nos EUA para cada habitante, legal ou ilegal, a divida nao chegaria a 10% do que foi criado em derivados.

Ficavam tres funcionarios, na mesma sala, representando dois bancos e uma seguradora, vendendo entre si, contratos feitos em cima de outros contratos, todos segurados.

De 10 faziam 100 e amanha 10.000 depois usavam o o $$ dos clientes para comprar tais papeis.

Todos os dias, maravilha, sempre tinha cliente e o preço nao importava.

O que temos pela frente sao 700 trilhoes de dolares de derivados, 10 vezes o PIB do planeta.

Anônimo disse...

Maia, talvez não tenham sido seus livros que mofaram, talvez tenha sido seu pensamento. Por que tudo o que aparentemente melhorou no mundo nas últimas décadas ou nos últimos 200 anos foi fruto do capitalismo? E depois é a esquerda que é "ideológica"... Sabemos que o capitalismo só se tornou mais palatável a partir da revolução russa... Isso sem contar as inumeráveis lutas, rebeliões, a força crítica intelectual, artística e criativa de resistência que nas bordas do capitalismo criou a tensão constante para evitar que ele se tornasse o que é seu destino: a barbárie pura e simples. Talvez até fosse melhor assim, daí a coisa ficaria sem máscara e o mofo que está debaixo do verniz apareceria de vez. Por que, por que afinal o capitalismo acredita que a produção humana de bens e serviços, de riquezas de todos os tipos é monopólio seu? Esta é uma concepção religiosa no sentido estrito do termo.

Anônimo disse...

O capitalismo está falido. Esse modelo, de fato, tem que ser modificado. Mas qual é a alternativa. O sistema socialista da Russia e outros da cortina de ferro, mais a ilha de Cuba não faliu também? Claro que faliu, pois não atendeu aos anseios da população, além de ser aplicado de forma tremendamente autoritária. Esse socialismo falido tentou acabar com qualquer ideal democrático. A grande maioria das pessoas prefere o capitalismo ao socialismo. Isso por que o capitalismo permite às pessoas ao menos sonhar com uma vida melhor. No socialismo nem isso é possível.

Rivelino disse...

Parabéns Feil!!! Acompanho seu blog quase que diariamente.Sou do Sudeste de Minas Gerais, Itaú de Minas. Cidade que tem o desprazer de ter uma fábrica de cimento do Grupo Votorantin. Ouvir idéias como a sua por aqui é impossível. Esta é uma das postagens mais esclarecedoras sobre o surgimento do capitalismo e de sua manutenção. Após a crise do mensalão a professora M. Chaui escreveu um artigo em que dizia que a ética não existe no meio empresarial. Com toda razão escreveu isso. O sistema vende uma idéia de ética ideal às pessoas comuns como se fosse real. Pura ilusão! Nos querem ver dominados!
Seus artigos servem para nos orientar em relação a isso.

Anônimo disse...

Nem no meio empresarial, nem no meio político! Alguém lembra dos escândalos do governo yeda há alguns meses atrás? Parece que não houve nada, foi tudo invenção do PT gaúcho.Para cúmulo da zombaria, nossa ética governadora ainda dançou com o esposo uma valsa em frente do piratini ao som de um sinfônica - é o novo jeito de debochar! Tristeza!

Anônimo disse...

O Maia, a Gazela do parcão, acha que a população aumenta por causa do capitalismo, e a tal livre iniciativa.

ô Maia, A população aumenta porque literalmente as pessoas "trepam" e se reproduzem. Independente do capital. Até porque para isso os pobres fazem melhor. Incluside por não poderem ir no parcão.

O capitalismo só "fode" e reproduz dinheiro.

Para aumentar a população não precisda dinheiro, só tesão.

Mas isso não é um assunto para ti.

Claudio Dode

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