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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

segunda-feira, 30 de junho de 2008



As legiões

Existe uma coisa chamada lógica enganosa, um pensamento que parece perfeitamente razoável até se revelar que não é. Por exemplo, dois-pontos. As Forças Armadas existem para proteger a nação dos seus inimigos. Os maiores inimigos da nação, hoje, são os criminosos bem armados que dominam boa parte do seu território e são uma ameaça constante aos seus cidadãos. Os meios convencionais de combater esses inimigos não funcionam. A criminalidade aumenta, a nação se sente indefesa. A solução? Mandar as Forças Armadas saírem dos quartéis e usarem suas armas, hoje de uso exclusivo das forças bandidas, para combater o crime. Mobilizar esta força ociosa para que cumpra seu papel de defender a pátria.

O silogismo é falso e perigoso, como se viu na recente experiência carioca. Exército agindo contra o crime não acaba com o crime e corre o risco de corromper o Exército. Exército na rua para manter a ordem está a poucos passos de estar na rua para impor exceção e arbítrio. O Brasil é um dos raros países do mundo que não seguiu o exemplo da Roma antiga, onde as legiões eram aquarteladas longe da cidade justamente para prevenir a tentação de usá-las a qualquer pretexto - não que isso as tenha impedido de muito intervir na vida civil dos romanos. O fato de os quartéis brasileiros estarem geralmente dentro de perímetros urbanos só aguça a lógica enganosa, pois realça a inutilidade de uma força militar dedicada aos seus rituais internos e à preparação para guerras hipotéticas enquanto na rua em frente, ou no morro atrás, o crime corre solto e o inimigo toma conta. Fica difícil convencer as pessoas de que esse aparente contra-senso é preferível a transformar militar em polícia. Que é melhor para nossa saúde cívica as legiões ficarem longe de Roma, metaforicamente falando.


Luis Fernando Veríssimo (publicado no Estadão de hoje)


8 comentários:

Anônimo disse...

Figuras (à Barthes) do imaginário pequeno burguês (leia-se bovino):
esquerda = anarquismo = comunismo = locupletação = ilegalidade = terrorismo = criminoso = tirano = ateu = desumano = bandido = inimgos da pátria = traficantes = forças do mal = pobre = favela = marginal = socialistas = imoral (e vai por aí).
Não é isto, não? Então porque as últimas ações das forças bovinas recorrem exatamente a estratégias de classificação simbólica? MST = ilegal = vagabundo = criminoso = violência = pobre = favela = anarquistas = movimentos sociais = bandidos = ações de guerrilha - opostos a: autoridade = cristão = empresário = honestidade = legalidade = gravatas, saltos altos e conjuntinhos = instituto de beleza = falar bem e correto = uniforme militar e por aí afora.

Carlos Eduardo da Maia disse...

É impressionante como um fato isolado - três jovens do Morro da Providência foram entregues a mando de um tenente do exército para traficantes do Morro da Mineira -- generaliza e reduz toda uma discussão aquele fato.Isso também se chama de "lógica enganosa".

Um Serrano a vela disse...

Eu diria, Feil, que o maior inimigo do Brasil é o banco central, esse q subiu as taxas novamente (com desculpa de inflaçao), para salvar especuladores larapios.

O banco central nao é brasileiro, esta ai para sugar o pais transferindo $$$ para a "mao invisivel".

Até pq, policia mata bandido, q um dia foi criança, puro se sem maldade. Mata alguns bandidos adultos e deixa todas as sementinhas crescerem e se tornarem os bandodos do futuro.

Como dizia Olivio, "segurança é uma questao social", quem tem escola, saude, segurança e pode contar com um emprego q lhe permita ser honesto, nao vira bandido.

Anônimo disse...

Eu sempre fui um defensor das forças armadas como auxiliar na segurança pública. Este "pequeno" fato de um oficial ter cedido a corrupção, não honrando a farda, ilustra perfeitamente o que LFV disse. Estou já algum tempo reavaliando tudo aquilo que pensava a este respeito. Sem dúvidas que "segurança é uma questao social", mas bandido nasce bandido - má índole é de berço. o motivo eu não sei, mas acompanha o ser humano na sua matriz genética como um câncer latente! Se fosse somente questão social filhinhos de endinheirados não viravam marginais. Como combater isto?

Um Serrano a vela disse...

Dei aula em bairro pobre onde a diretora disse q era inutil eu ensinar um alto nivel de conhecimento aos alunos, pq eles eram da "vila" e nao iriam pra universidade.

Hoje uma das alunas mora na Europa, e nao casou com europeu nao, foi com a capacidade intelectual e moral dela.

Reafirmo, bandido nao nasce bandido, nasce um cidadao puro, uma obra de arte da natureza. Depois é q o mundo trata de molda-lo.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Como combater isso? Punindo. Este país não pune e, sobretudo, as pessoas que têm grana. Tem que punir. É fundamental acabar com a impunidade neste país. Colarinho branco também tem que ir para o presídio.

Anônimo disse...

O pseudônimo ativo e operante, também aquele blog sem audiência!!!

Anônimo disse...

Que coisa mais chata esse mantra da direita que só pensa em punir, punir. Como disse o tal de Maia: "Como combater isso? Punindo. Este país não pune e, sobretudo, as pessoas que têm grana. Tem que punir. É fundamental acabar com a impunidade neste país." Tá legal; punir, mas punir os outros né, os filhos dos outros, não os amigos do Maia, que devem ser todos "gente de bem". Prevenir que é bom, nada.

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