O modelão da nossa mídia está obsoleto
A imprensa do RS nem sempre foi assim. No século 19 e início do século 20 era uma imprensa abertamente partidarizada. O leitor comprava o jornal e sabia do que se tratava. Os diários eram francos e sinceros na defesa de suas idéias. Até que surgiu o Correio do Povo, em 1895, no final da guerra civil que havia começado em 1893. Fundado por um sujeito nascido no Nordeste, parece que nas Alagoas, ele foi o primeiro jornal não-engajado, um diário com intenções francamente comerciais, para atender o público urbano emergente que não se identificasse nem com chimangos nem com maragatos.
Hoje, a imprensa está nas mãos de empresários que, entre outros negócios, fazem comunicação social num ambiente promíscuo e sem limites definidos. O rádio e a tevê são concessões do Estado. E a mídia impresa é iniciativa empresarial sem necessidade de concessão, apenas o fôlego empreendedor para sustentar um business geralmente deficitário e de difícil expansão numa sociedade de massas refratária à palavra escrita.
O cenário comunicacional (não gosto desta palavra) tal como vemos da nossa janela foi montado durante a ditadura militar de 1964. Toda a grande imprensa conhecida, repito, toda, ajoelhou e rezou na capela dos gorilas de 64. O modelo, portanto, é um modelo midiático estreito, habituado a abastecimentos publicitários do Estado, de pensamento autoritário, e dissimuladamente plataforma de expressão de uma oligarquia direitista atrasada, anti-social e excludente.
Este modelo anacrônico está sendo questionado, hoje. A modalidade da mídia que usa meios eletromagnéticos – rádio e tevê – está esgotado. O aparato jurídico não sustenta mais a manutenção dos privilégios, precisa ser revisto, ampliado e atualizado. A modalidade de mídia impressa, mundialmente, declina ano a ano face a dois fenômenos que se alimentam mutuamente: as novas tecnologias, como a internet, e os novos requerimentos de campos simbólicos plurais por parte da sociedade de massas.
Neste sentido, a RBS, concretamente, está fustigada por duas ameaças: 1) a queda inexorável da tiragem do jornal Zero Hora; 2) a necessidade de democratização efetiva das concessões públicas dos meios eletromagnéticos (onde o conglomerado de veículos do grupo deixam-no em situação de flagrante ilegalidade, além de ter vencida a concessão da RBS TV, na última sexta-feira, dia 5).
Para tanto, e como todas as grandes mídias do mundo, o grupo RBS está migrando lentamente para a internet. Acaba de fazer modificações importantes na funcionalidade de seus jornalistas e profissionais de mídia. Todos agora estão simultaneamente no papel e na rede, no sentido de fixar a marca ponto-com do veículo tradicional diário, o Zeagá. Reconhecendo a força dos blogs, cada jornalista que se preze tem o seu blog pessoal (mesmo que seja um simulacro apenas formal do conceito de blog), eles querem é estar presentes nessa onda nova e enigmática que tomou conta do mundo virtual da rede mundial de computadores.
Mas a internet carrega um problema que os desespera e os põem à beira de um ataque de nervos: é um meio democrático, polifônico, polissêmico e plural que não se presta às determinações objetivas da lei do valor. No duro mesmo, a internet é ruim de negócio! É difícil ganhar dinheiro só com a veiculação no meio. A propriedade das coisas, objetos e gentes, o velho truque de precificar tudo, na internet não pega. E os grandes players da rede não estão nem no Brasil, nem no Hemisfério Sul. Neste caso, o furo é mais acima. A RBS teria que se transformar numa outra coisa para continuar ganhando dinheiro com a exploração dos mass media. Estruturalmente é, pois, uma situação de fato crítica.
Por esses motivos todos, a mídia corporativa e oligárquica precisa tanto do Estado. Não só pelo habitus atávico, mas por depender mesmo do amparo de governantes amigos para a realização dos seus capitais. O governo Lula, mesmo sendo objetivamente inofensivo aos seus interesses corporativos, representa uma ameaça potencial imediata, já que não pode ser controlado organicamente de dentro (como sempre foi no Brasil), e pode se constituir no gatilho desestabilizador da ordem oligárquica no País. Esse governo, mesmo que o seu titular não o queira, pode abrir a caixa de Pandora e liberar todos os seculares fantasmas que assombram as velhas oligarquias de todo o mundo – a participação popular e o questionamento da ordem institucional obsoleta.
Lula é inofensivo, mas os que o elegeram não o são – deve pensar o baronato midiático. E assim é!
Ilustração: Pandora, do pintor Jules Joseph Lefebvre (1882).
2 comentários:
Concordo com o ponto de vista do blogueiro. O certo é que qualquer meia dúzia que vai vender mídia - quer queira ou não - vai virar empresa e os viventes, os sócios, se tornarão empresários. E como tais, vão ter que, necessariamente, almejar lucro, administrar pessoas e vender o seu peixe. E o mar não está mesmo para peixe. A competição é grande ( e isso é muiiiito bom) e o Estado orgânico ou inorgânico não tem que ficar dando forcinha para grupo de comunicação privado, como sempre aconteceu neste país. Apenas acho que é muito cedo para dizer que os grandes grupos midiáticos brasileiros estão com os dias contados.Eles têm know how, sabem o mercado que estão lidando, e o capitalismo é dinâmico, ele se modifica como um camaleão e se adapta, com razoável facilidade. Mesmo que a grande mídia se incline para a internet (que realmente não é lucrativa) seus sites serão sempre os mais acessados. O que não pode acontecer - e o povo brasileiro tem que estar de olho - é a meia dúzia que esteve na sexta feira na frente da ZH, que a Sueli pensou que estavam esperando o ônibus, tenha o poder de controlar a pauta da mídia.
Olá Cristóvão! Li este seu post, e me senti tentado a comentar, mesmo que fosse para te dar uma palavra de apoio, porque é sempre bom cruzar com blogs inteligentes e críticos, como parece-me ser o seu! Parabéns! Vá em frente... já está adicionado no meu del.icio.us! Um Abraço!
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