“Não tínhamos necessidade de torturar Debray para que falasse. Tinha tanto medo que quando lhe soprávamos nos olhos começava a chorar.”
A história de Régis Debray
Passaram-se tantos anos e correu muita tinta... mas muitas passagens da história ficaram enredadas na corrente do tempo e das sucessivas versões do episódio que levou Che à Bolívia, à prisão e condenação na Bolívia do intelectual francês Régis Debray, à posterior prisão de Che, ao seu assassinato e à libertação de Debray. Biógrafos, comentaristas, agentes da CIA e até alguns companheiros do Che que sobreviveram à expedição boliviana deram deste episódio e da captura de Che argumentos sempre renovados, contrapostos, contraditórios, às vezes delirantes, outras vezes distantes a qualquer forma constatada da verdade.
Da meia dúzia de biografias válidas que existem do Che nenhuma oferece a mesma explicação.
Quem entregou Che?
A versão mais sólida aponta para Debray como o culpado por ter indicado onde Chevara se encontrava em seu périplo mortal pela Bolívia. Em 31 de agosto de 1996,
O acusado encontrou um defensor inesperado em Benigno, um dos ex-companheiros de Che na Bolívia, que negou que Debray fosse responsável direto pela prisão. Dois anos mais tarde, o próprio Benigno ia ser protagonista de uma dessas cenas de circo: já exilado na França, Benigno viajou para Miami para encontrar-se com Felix Rodríguez, um agente cubano da CIA que passou anos perseguindo Che por meio mundo. Ambos pousaram juntos numa foto para promover a paz entre cubanos. Inimigos de antes, reconciliados pela velhice e pelos interesses políticos do momento.
Rodríguez não comentou nesse momento as confidências que lhe havia feito em 1989 o jornalista norte-americano John Weisman, publicadas no livro Shadow Warrior. Ali, o ex-agente da CIA afirma que logo depois da captura de Debray – 20 de abril de 1967 – o intelectual francês, interrogado pela CIA, disse o essencial: “Foi o testemunho de Debray que convenceu a CIA a concentrar seus esforços na captura do revolucionário”.
Em 1996, o jornalista norte-americano John Lee Anderson escreveu uma das biografias de referência – Che Guevara – Uma biografia [Objetiva, 1997] – na qual também desenvolve o argumento de que foram as palavras de Debray que selaram o destino de Che. Outras versões, em especial a do intelectual e político mexicano Jorge Castañeda – Che Guevara – A vida em vermelho [Companhia das Letras, 2006] – e a do francês Pierre Kalfon – Che – Ernesto Guevara, uma lenda do século [Terramar, 1998] – dão volta a essas acusações e acusam Ciro Bustos de ter falado demais. Bustos era um dos companheiros de Che na Bolívia preso ao mesmo tempo que Debray. Lidas através do tempo, cada biografia parece responder a uma vontade pessoal de buscar um culpado: Bustos, Debray ou algum outro.
Os bolivianos que participaram daquela caçada aos revolucionários se riem com certa condescendência quando evocam os fatos que envolvem aquele momento da história. Um deles disse a Página/12: “Não tínhamos necessidade de torturar Debray para que falasse. Tinha tanto medo que quando lhe soprávamos nos olhos começava a chorar. Mas o que ele pôde dizer não muda a história, não nos ajudava muito. Nós já sabíamos por onde Che andava quando capturamos Ciro Bustos e Régis Debray. A CIA nos havia dado um respaldo decisivo”. Os bolivianos garantem hoje que não lhes fazia falta nem que Bustos nem que Debray lhes confirmassem que o comandante Ramón era o Che.
No ano passado, o general Gary Prado, que em 9 de outubro de 1967 capturou Che
Régis Debray (foto, sentado) foi julgado e condenado a 30 anos de prisão. Quase quatro anos depois saiu em liberdade graças a uma negociação secreta com a França cujos compromissos nunca foram cumpridos por Paris. Há quase quatro décadas, os diplomatas bolivianos tomaram conhecimento de que Debray havia sido posto em liberdade lendo o jornal Le Figaro. Só no dia seguinte chegou de
Nos anos
Na época, a Bolívia era governada pelo general Juan José Torres, um militar da ala esquerda das Forças Armadas que havia chegado ao poder mediante um golpe de Estado e logo foi derrotado por outro golpe perpetrado por Hugo Banzer. Um dos homens que negociaram o acordo com os franceses, que desempenhou um papel preponderante na posterior libertação de Debray, o ex-vice-chanceler Fernando Laredo, lembra os fatos sem nenhum rancor: “Os franceses não cumpriram [o acordo], mas isso foi culpa nossa. Nós lidávamos com a libertação de Debray, mas como o governo de Torres não controlava tudo do seu lado ele nos escapou das mãos. Havia outros grupos que também negociavam com os franceses. A França não nos enganou. Havia muita confusão e muitos negociadores. Foi isso que aconteceu”. Laredo disse a Página/12 que a libertação, com ou sem acordo, foi uma decisão política de Torres. “Sabíamos que se nós não o tirássemos outros militares o matariam. Para eles, Debray era um apoio substancial das guerrilhas da América Latina, o que não era certo. Era uma questão de princípio”.
A decisão de tirar Debray da prisão foi tomada pessoalmente por Torres. Mas não foi simples. Certos setores militares não queriam soltar Debray. Para consegui-lo foi montada uma operação a mando do major Rubén Sánchez, comandante dos Colorados da Bolívia, o regimento de escolta presidencial, militar de esquerda e membro do MNR. Foi com um comando a Camiri, onde Debray estava preso numa divisão do exército a partir da qual eram dirigidas as operações contra a guerrilha de Che. Sánchez tomou o prédio e libertou Debray. “O avião já estava esperando por ele. Quando o comando entrou em Camiri, Debray pensou que viriam matá-lo”, conta Laredo. O avião partiu rumo ao Chile.
Debray escreve numerosos ensaios e, como muitos outros ex-aventureiros de esquerda, suas idéias cheiram a salões para damas elegantes e assustadiças que acodem de vez em quando aos confessionários. Paris nunca entregou as peças da troca. Debray nunca pagou suas dívidas. Nem com a Bolívia, nem com a história da América Latina
Íntegra do artigo de Eduardo Febbro, publicado no jornal argentino Página/12, de 07 de outubro último.
6 comentários:
Delicado, delicado! Olhar pelo retrovisor é sempre mais fácil...
Debray não tem dívida nenhuma com ninguém. Pouco importa se ele entregou ou não entregou Che. O próprio Che, naquela altura do campeonato, já sabia que mais cedo ou mais tarde ele seria preso. A versão do Castañeda é, nesse sentido, mais plausível. Che participou de uma guerra perdida que não contou com a simpatia de ninguém, nem mesmo de Fidel -- que deu graças a deus quando Che saiu da pifia administração que fez para fazer revolução pelo mundo afora. Debray segue o caminho da imensa maioria dos intelectuais que a certa altura da vida resolveram trilhar os passos da utopia.
Caro Maia, Debray segue o caminho da maioria dos ex-gauches que, como prostitutas, resolvem se lambuzar nas maravilhas do mundo do mercado e mais um punhado de moedas.
Questão de ponto de vista, Armando, caiu a ficha do Debray, como ocorre com a imensa maioria das pessoas que na adolescência e na juventude foram gauche na vida. Como não existe proprietário e, muito menos, latifundiário da verdade absoluta seguimos a vida como ela é, com e sem prostitutas (cada um escolhe o que é bom para a tosse).Como a história não é roteiro predeterminado, só nos resta trabalhar com o ânimo que a semana despertou. Saudações plurais sem dogmas.
Segue o Maia Como seguidor da Yeda Pantalhuda, e suas "idéias consistentes como maionese", que a Yeda "confessou" na RBS
parecido com o mercadante!
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