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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

quinta-feira, 4 de outubro de 2007


Carne queimada

Nesta segunda-feira, em universidades de todas as regiões dos Estados Unidos, os estudantes negros saíram das salas de aula e realizaram uma manifestação em apoio a seis alunos negros de uma escola secundária em Jena, uma cidadezinha no centro da Louisiana. Os agora famosos "seis de Jena" foram acusados de tentativa de homicídio em segundo grau depois de uma briga, em dezembro passado, na qual estudantes negros surraram um colega branco.

O incidente começou quando alunos negros da escola tentaram se acomodar à sombra de uma árvore informalmente considerada como área reservada aos estudantes brancos. Na manhã seguinte, a árvore apareceu decorada por cordas dispostas em forma de laços de forca. A retaliação dos negros contra os brancos surgiu por conta dessa provocação.

Na semana passada, em Jena, um total de até 20 mil manifestantes - muito mais gente do que os três mil moradores da cidade - tomou as ruas, em uma marcha de protesto liderada por muitos veteranos da luta pelos direitos civis nos anos 60. Esses milhares de pessoas, que estavam protestando contra o que vêem como desigualdade no tratamento perante a Justiça, foram mobilizados de maneira muito moderna, formando um movimento de base. Mais de 400 mil pessoas assinaram petições veiculadas na internet exigindo a revisão do caso. David Bowie contribuiu com US$ 10 mil para o fundo de defesa judicial dos seis de Jena. O caso explodiu em blogs, no YouTube e nos programas de entrevistas das rádios negras.

No evocativo "Diário de Adolescência", de Gilberto Freyre, publicado postumamente, há uma forte e chocante descrição de uma "viagem macabra" que ele fez entre Dallas e Waco, em 1919, quando estudava na Universidade Baylor, no Texas. "O que me arrepiou foi, na volta, ao passar por uma cidade ou vila chamada Waxahaxie, (...) sentir um cheiro intenso de carne queimada e ser informado com relativa simplicidade: ‘é um negro que os boys acabam de queimar...’. Não sei - mas isso sim me arrepiou, e muito. Nunca pensei que tal horror fosse possível nos Estados Unidos de agora. Mas é. Aqui ainda se lincha, se mata, se queima negro. Não é facto isolado. Acontece várias vezes."


As relações raciais nos Estados Unidos mudaram para melhor. É importante reconhecer o fato. Mas o país gasta US$ 60 bilhões ao ano com suas prisões e mantém mais de dois milhões de seus cidadãos encarcerados. Os negros respondem por metade desse total. É diante desse pano de fundo que as memórias tóxicas do passado foram revividas uma vez mais, na semana passada, em Jena, Louisiana.

Artigo do historiador britânico Kenneth Maxwell, que escreve semanalmente na Folha.

A fotografia de 1935 registra o linchamento de um homem negro na Lousiana (EUA), no lado esquerdo uma menina branca sorri. Estamos em 2007 e o espírito de 1935 ainda está vivo nos Estados Unidos.


Um comentário:

sueli halfen ( POA) disse...

Crist... existe essa tristeza toda !!!!!

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