Antropólogo contesta general alarmista
Eduardo Viveiros de Castro, professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é considerado "o" antropólogo da atualidade. Dele diz Claude Lévi-Strauss, seu colega e mentor, seguramente um dos maiores pensadores do século 20: "Viveiros de Castro é o fundador de uma nova escola na antropologia. Com ele me sinto em completa harmonia intelectual". Quem há de questionar o mestre francês que, nos anos 50, sacudiu os pilares das Ciências Sociais com a publicação de Tristes Trópicos, relato de experiências com os índios brasileiros nos anos 30?
Pois muitos questionam Viveiros de Castro. E muitos o criticarão por esta entrevista ao caderno Aliás [suplemento da edição dominical do Estadão]. Numa semana em que os conflitos entre índios e rizicultores (informalmente tratados de "arrozeiros"), lá na distante reserva Raposa Serra do Sol (Roraima), ganharam estridência e manchetes de jornais, o professor sai em defesa dos macuxis, wapixanas e outros grupos indígenas que habitam uma faixa de terra contínua de 1,7 milhão de hectares, palco de discórdias que sintetizam 500 anos de Brasil. A estridência ficou por conta de uma palestra do general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, feita no Clube Militar do Rio de Janeiro. O general foi contundente: disse que a política indigenista é lamentável e caótica, ganhando imediata adesão de seus pares. Augusto Heleno, que chefiou a missão brasileira no Haiti, também bateu pesado ao reagir contra a decisão da Justiça que determina a saída dos não-índios da reserva: "Como um brasileiro está impedido de entrar numa terra porque ela é indígena? Isso não entra na minha cabeça."
Também não entra na cabeça de Viveiros de Castro que os indígenas possam ser vistos como ameaça à soberania nacional. Ao contrário, entende que eles contribuem com a soberania. Atribui tanta polêmica ao alto grau de desinformação em torno das reservas existentes no País e, em particular, da Raposa Serra do Sol. "As terras não são dos índios, mas da União. Eles têm o usufruto, o que é bem diferente. Já os arrozeiros querem a propriedade." O entrevistado contesta números, analisa o modelo de colonização da Amazônia e tenta desfazer discursos que, na sua opinião, são alarmistas. Mas é condescendente com o general: "Ele está sendo usado neste conflito. É claro que o Exército tem de atuar lá, defendendo nossas fronteiras. Mas o que está em jogo são os interesses em torno de uma questão fundiária".
Ex-professor da École de Hautes Études en Sciences Sociales, de Paris, da Universidade de Chicago e da Universidade de Cambridge, Viveiros de Castro é autor de vários livros, entre eles, “Arawete, os Deuses Canibais” (Zahar), que resulta de pesquisa de campo com índios do Pará, e “A Inconstância da Alma Selvagem” (Cosac & Naify), uma coletânea de ensaios que revela sua principal contribuição para a antropologia. Trata-se do "perspectivismo amazônico", a proposição teórica que guia todas as suas formulações.
Leia a entrevista na íntegra aqui.
2 comentários:
Viveiros diz que "Os índios foram decisivos para que o Brasil ganhasse essa área, numa disputa que houve no passado com a Guiana, portanto, com a Inglaterra. Dizer que viraram ameaça significa, no mínimo, cometer uma injustiça histórica. Até o mito do Macunaíma, que foi recolhido por um alemão, Koch-Grünberg, e transformado por um paulista, Mário de Andrade, foi contado por índios daquela área, os macuxis, os wapixanas. Eles são co-autores da ideologia nacional."
Muito bom, acho que matou a charada. Esse general que vá catar coquinho.
Juarez Prieb
Diz Viveiros mais adiane: "Uma coisa me parece estranha: encarregado pela ONU, o Exército brasileiro lidera uma missão militar no Haiti, mas não consegue tirar de uma reserva indígena seis fazendeiros?"
Segundo o antropólogo, apenas seis gaúchos arrozeiros ameaçam a integridade dos índios em Roraima.
Juarez Prieb
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