A 'ameaça Chávez'
A aritmética um pouco mais esmiuçada do que os números brutos do referendo venezuelano, como divulgados para definir o lado vencedor, sugere um futuro mais complexo para a Venezuela do que foram até agora os anos Chávez. E como grande parte da chamada mídia brasileira tornou-se participante do confronto venezuelano, relembrando os seus tempos de pouco jornalismo e muita política na Guerra Fria, também no Brasil o resultado do referendo é insuficiente para distensionar as articulações iniciadas a pretexto da "ameaça Chávez".
As presenças somadas de favoráveis e contrários representaram, no referendo, apenas 55,89% dos 16.109.664 de venezuelanos aptos a votar, ocorrendo abstenção de 44,11%. Do total de eleitores, portanto, só 9.002.439 decidiram opinar contra ou a favor do projeto de Constituição com que Chávez quis levar o seu plano de "socialismo bolivariano" a um vasto salto.
Os opositores ao projeto impuseram-se a Chávez com o apoio de 50,7% dos votantes. Maioria que se refere, não aos 16,1 milhões do eleitorado, mas aos 9 milhões que opinaram. Logo, os vitoriosos representam apenas 28,33% do eleitorado total da Venezuela. Não chegam nem a um terço dos eleitores.
Esse resultado não recebeu ressalvas nem do próprio Chávez, quanto à clareza da recusa a seu projeto de Constituição, pela maioria dos presentes às urnas. Mas, como definição política nacional e, em particular, nas condições do confronto que se trava na Venezuela, a vitória que não chega a contar nem com um terço dos cidadãos é pouco expressiva demais, para ter sentido e alcance mais profundos. Só não seria assim se houvesse alguma indicação, e nem de longe há, de segura maioria dos opositores de Chávez também nos 44,11% que se omitiram.
Os 50,7% vitoriosos representam 4.564.521 votos, nos 16 milhões de eleitores. E os 49,29% de apoio ao projeto de Chávez equivalem a 4.437.579 eleitores. Diferença entre vencedores e vencidos: 126.942 votos. Ou 0,79% do eleitorado. Os números um pouco esmiuçados são suficientes para indicar que, na relação de forças políticas, é muito improvável que o referendo venha a trazer alguma alteração na cena vivida pela Venezuela nos últimos anos.
Em contrapartida, no ânimo e na determinação o chavismo tende a sair estimulado. A diferença mínima em sua derrota não é bastante para gerar desarticulações e pessimismos, mas pode funcionar - é o mais comum - como o alerta que sensibiliza a militância para chamados a nova onda de excitação. O índice tão alto de abstenções não deixa dúvida de que o chavismo chegou mal arrumado e desentendido ao referendo. Ainda é cedo para saber se por discordância com o projeto de Constituição, como afirmam os comentaristas de oposição a Chávez, ou por soma de outros fatores, entre os quais o excesso de confiança.
Diante da campanha na mídia brasileira contra "a ditadura de Chávez", é bom registrar, aqui também, que a comissão de fiscais da União Européia louvou "o espírito de respeito mútuo e a civilidade" com que foi feito o referendo venezuelano.
Artigo do jornalista Jânio de Freitas, publicado na Folha de hoje.
A aritmética um pouco mais esmiuçada do que os números brutos do referendo venezuelano, como divulgados para definir o lado vencedor, sugere um futuro mais complexo para a Venezuela do que foram até agora os anos Chávez. E como grande parte da chamada mídia brasileira tornou-se participante do confronto venezuelano, relembrando os seus tempos de pouco jornalismo e muita política na Guerra Fria, também no Brasil o resultado do referendo é insuficiente para distensionar as articulações iniciadas a pretexto da "ameaça Chávez".
As presenças somadas de favoráveis e contrários representaram, no referendo, apenas 55,89% dos 16.109.664 de venezuelanos aptos a votar, ocorrendo abstenção de 44,11%. Do total de eleitores, portanto, só 9.002.439 decidiram opinar contra ou a favor do projeto de Constituição com que Chávez quis levar o seu plano de "socialismo bolivariano" a um vasto salto.
Os opositores ao projeto impuseram-se a Chávez com o apoio de 50,7% dos votantes. Maioria que se refere, não aos 16,1 milhões do eleitorado, mas aos 9 milhões que opinaram. Logo, os vitoriosos representam apenas 28,33% do eleitorado total da Venezuela. Não chegam nem a um terço dos eleitores.
Esse resultado não recebeu ressalvas nem do próprio Chávez, quanto à clareza da recusa a seu projeto de Constituição, pela maioria dos presentes às urnas. Mas, como definição política nacional e, em particular, nas condições do confronto que se trava na Venezuela, a vitória que não chega a contar nem com um terço dos cidadãos é pouco expressiva demais, para ter sentido e alcance mais profundos. Só não seria assim se houvesse alguma indicação, e nem de longe há, de segura maioria dos opositores de Chávez também nos 44,11% que se omitiram.
Os 50,7% vitoriosos representam 4.564.521 votos, nos 16 milhões de eleitores. E os 49,29% de apoio ao projeto de Chávez equivalem a 4.437.579 eleitores. Diferença entre vencedores e vencidos: 126.942 votos. Ou 0,79% do eleitorado. Os números um pouco esmiuçados são suficientes para indicar que, na relação de forças políticas, é muito improvável que o referendo venha a trazer alguma alteração na cena vivida pela Venezuela nos últimos anos.
Em contrapartida, no ânimo e na determinação o chavismo tende a sair estimulado. A diferença mínima em sua derrota não é bastante para gerar desarticulações e pessimismos, mas pode funcionar - é o mais comum - como o alerta que sensibiliza a militância para chamados a nova onda de excitação. O índice tão alto de abstenções não deixa dúvida de que o chavismo chegou mal arrumado e desentendido ao referendo. Ainda é cedo para saber se por discordância com o projeto de Constituição, como afirmam os comentaristas de oposição a Chávez, ou por soma de outros fatores, entre os quais o excesso de confiança.
Diante da campanha na mídia brasileira contra "a ditadura de Chávez", é bom registrar, aqui também, que a comissão de fiscais da União Européia louvou "o espírito de respeito mútuo e a civilidade" com que foi feito o referendo venezuelano.
Artigo do jornalista Jânio de Freitas, publicado na Folha de hoje.
4 comentários:
Pequeno contratempo na caminhada revolucionária. Mas, é um alerta para o açodamente dos pró o sim. Excesso de confiança dá nisso.
Deu hoje na Folha e achei interessantíssimo. O partido de Chávez, o PSUV tem cerca de 5,32 milhões de inscritos, o equivalente a 33% dos 16 milhões de eleitores do país. Chávez obteve menos votos no referendo do que o número de militantes filiados no PSUV (que deve ser uma grande salada de frutas).
Muito parecido com o nosso referendo das armas. Mal vendido, mal explicado, pacote com coisas distintas, triunfalismo, etc. E com o agravante de que lá vota quem quer. Vamos aprender.
armando
Perfeita a observação do Armando, no meu modo de entender, quanto ao que se passou no referendo da Venezuela: "Vamos aprender"!
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