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quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Dos movimentos libertários à hegemonia neoliberal


A "longa marcha" que foi engolindo tudo

Voltando ao assunto dos punks, apenas como introdução. O movimento surgiu na década de 70, portanto, quase imediatamente depois do febril maio de 1968 e da onda cultural hippie. Foram fenômenos urbanos de rebeldia e contestação ao estabelecido, seja em que esfera da vida fosse, à direita e à esquerda - se é que se possa chamar a União Soviética, a China e os epígonos do stalinismo de esquerda. Sem base teórica, mesmo porque não era essa a intenção, foram movimentos urbanóides que se decalcaram pelo mundo afora, especialmente nas grandes cidades do globo. O seu fio condutor foi a estética, a imagem e a música, sobretudo. O requerimento comum de todos eles: a liberdade - uma faca para não só dois legumes, mas para uma cesta variada de hortaliças e signos de todo o espectro.

Partilhando da mesma ontologia essencial do sistema produtor de mercadorias, tais movimentos funcionam como soluços existenciais da própria crise cíclica do sistema, mais notadamente depois da Segunda Guerra e do advento da cultura e a comunicação social de massa.

Sendo assim, são presas relativamente fáceis dos rearranjos e retomadas dos novos ciclos de acumulação. Não que sejam incorporados pela via econômica, mas absorvidos metabolicamente (perdão pelo organicismo explícito) pela própria cultura no qual vicejaram (outro organicismo!).

O geógrafo marxista David Harvey, que não tem exatamente a melhor análise do fenômeno neoliberal, mas apenas uma delas, afirma que a grande palavra de ordem original do que hoje se entende como hegemonia neoliberal foi dada precisamente pela consigna da chamada "liberdade individual" - bandeira essa que os nossos amigos beats, hippies, estudantes de '68 e punks também empunhavam com amor febril.

Se o neoliberalismo, no início de sua "longa marcha" (como previra Hayek em 1947, já roubando uma palavra de ordem maoísta), tivesse afirmado que se propunha apenas a restituir o poder econômico a minúsculos grupos de eleitos pelo mundo afora, certamente jamais lograria conquistar a hegemonia política e cultural no mundo inteiro. Foi porque partiu de conceitos e valores consagrados como centrais, pelo menos desde o advento do Iluminismo, que houve a virada neoliberal, a partir do início dos anos 1970.

Ironicamente, o início da virada acontece na China com Deng Xiaoping, em 1978, contando com a imprescindível chancela do próprio Partido Comunista chinês. Depois vieram as experiências no Chile de Pinochet, de Thatcher na Inglaterra, de Reagan nos EUA, Giscard na França, Índia, África do Sul, Argentina, Taiwan, Coréia, Cingapura e praticamente todos os demais países do mundo, com raras exceções.

A usina teórica neoliberal - com efetiva organicidade internacional - gerou um potente consentimento popular com o objetivo de legitimar o pensamento que o inspirava. Para tanto, foram usados berçários de difusão ideológica a partir de Universidades (eles se instalaram na Universidade Católica do Chile ainda no início dos anos '50, só para citar um exemplo), de corporações, instituições já existentes ou que foram criadas para esse fim precípuo, meios de comunicação, associações profissionais, escolas, Igrejas, serviços secretos estatais, etc.

Nota: Pretendemos voltar ao assunto. Isto é, se vocês quiserem.

12 comentários:

Anônimo disse...

É a Fernanda Young?

Bruno Romano disse...

É dessa munição que necessita a artilharia de devotos do pensamento anti-estático.

Ouviu? NECESSITA. ;D



Abraço

Anônimo disse...

segue aí, Feil, pra ver onde se quer chegar.
Abs

Guilherme Dal Sasso disse...

queremos!

Hermes disse...

Se enrolaram na bandeira da liberdade, que tinha ficado sem guarda, esquecida entre tantas (justiça, igualdade, dignidadde, valor...) e vieram vender seus caderno para os ricos daqui.
Ao primeiro relance, se entenderam, piscaram o olho e seguiram fazendo negócios.
Depois da Vale, da CEEE, da CRT, a ideologia deles chegou no que é mesmo: suporte para roubalheiras baratas, direcionar licitações, o business as usual for our partners.
Qualquer coisa que faça eles andarem de carro novo sem precisar fazer força.
Liberdade não é uma calça azul e desbotada.
Liberdade é não se deixar guiar, enganar e roubar.

Anônimo disse...

Meu caro Feil,
Alerto para uma certa ênfase recorrente em teus artigos num "anti-estalinismo" que considero algo infantil. Lembre-se que em maio de 1968 e para os "maos" do início dos anos 70 Stalin - não os epígonos -era um ícone, enquanto Fidel era ou bem "estalinista" ou bem "revisionista", you choose...
Imagino que você tenha lido o livro de Debray ("estalinista/revisionista" companheiro do Che que amargava numa prisão boliviana enquanto a esquerda caviar brincava de fazer revolução em Saint Germain), publicado em 1978 e entitulado, a propósito, "Modeste contribution aux discours et cérémonies oficielles du dixième anniversaire".
Está tudo ali, meu caro.

Juarez Prieb disse...

Quem denunciou os crimes do Stalin foi Krushvev, primeiro ministro da URSS em 1956.
Tem gente que ainda não se convenceu dos crimes e das traições do "guia genial dos povos".
Cito só uma traição, a da guerra civil espanhola. Agentes da KGB assassinavam líderes republicanos que lutavam contra o fascismo de Franco aliado a Hitler. Só essa.

Juarez Prieb disse...

Anônimo stalinista leia isto...

http://www.boitempoeditorial.com.br/anoIapresentacao.pdf

É sobre o revolucionário Victor Serge, autor de "Memórias de um revolucionário", onde conta a tirania stalinista e o terror contra os próprios companheiros bolcheviques.

Rivelino disse...

Sim, claro, acho importanto ler sobre este movimento.

Rodrigo Cardia disse...

Eu quero o assunto seja retomado.

milena disse...

só pra registrar o deleite em ler esse blog. tá muito bom mesmo.

Anônimo disse...

Caro Juarez,

Você aparentemente não entendeu a ironia. Dizia que justamente os maiores estalinistas - gente como os da Gauche Proletarienne de Benny Levi, alias Pierre Victor - criticavam o "estalinismo" ou o revisionismo dos outros. Ou seja, o que quis dizer é que o "estalinismo" é sempre o dos outros. Como dizia o grande Cláudio Abramo, trotskista histórico, o anti-estalinismo é quase sempre uma desculpa para o anti-comunismo. Nesse sentido, não considerarei o fato de me chamares "estalinista" como um insulto, porque há coisas piores, como ser liberal, por exemplo. De resto, etiquetar os outros, chamando-os de "estalinista" ou o que o valha, se não me engano é uma prática rigorosamente estalinista.
Grande abraço.
PS. Já ouvi falar em Kruschev. Conheço muito bem e admiro muito Victor Serge.

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