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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

O show eleitoral do bom rapaz Obama


Os Estados Unidos forjaram um modelo de democracia que serve de régua e compasso para todos os regimes políticos do mundo conhecido. Fazem passar a ideia de que constituem um paradigma de convivência democrática e tolerância civilizatória. Mas na prática, a teoria (ou a propaganda do american way life veiculado sobretudo pelo cinema) é outra - o seu contrário.

Os Estados Unidos é a nação que mais se envolveu em guerras, em toda a história mundial. Contabiliza-se um conflito sangrento a cada três anos, desde 1793 (fim da Guerra da Independência) até 1991 (Guerra do Golfo). Portanto foram cerca de oitenta guerras distintas, mas que envolvem quase sempre os mesmos motivos: forjar uma personalidade nacional estadunidense coercitiva e policialesca, dentro e fora das fronteiras do País, bem como sustentar um domínio político-militar que satisfaça o imperialismo de seus capitais, em especial do seu complexo industrial-militar. Sem esquecer a guerra atual no Afeganistão, que teve início no ano de 2001, menos de trinta dias depois do suposto ataque terrorista à Nova York, em 11 de setembro daquele ano.

Nos processos eleitorais, onde a propaganda pela democracia estadunidense se faz mais intensa, é justamente o momento onde as maiores contradições do ethos ianque se mostram desnudos e por inteiro. A começar pelo custo - em moeda corrente - das eleições presidenciais. Segundo o jornal britânico, The Guardian, os dois candidatos Romney e Obama - as duas alas do unipartidarismo local, consumiram cerca de 5,8 bilhões de dólares (7% mais onerosa que a eleição de 2008) em três meses de campanha pelos seus respectivos programas, cuja margem de divergência se verifica somente nas franjas dos grandes temas sociais e políticos. Um só exemplo: não há debate acerca dos faraônicos gastos militares. Assunto proibido, porque intocável, porque não há divergência, já está tudo acertado com o hegemônico complexo industrial-militar - entidade fantasmagórica mas de capital importância no contexto do poder político estadunidense.

Sobram as questões ditas polêmicas (classificação essa originada do “senso comum” que brota da mídia conservadora, radar orientador dos graus de debate permitidos, tolerados, vetados e liberados): casamento gay, liberação da maconha, e ficamos por aí, porque do mais importante não se pode polemizar, a não ser nas mesas de bares. A tolerância da chamada democracia mais generosa do mundo é tão estreita quanto as (im)posições do pensamento ultra-conservador, hegemônico tanto na ala democrata quanto na ala republicana do partido único que governa os Estados Unidos desde sempre.

Barack Obama representa a esperança mitigada, o que - noves fora - não quer dizer coisa alguma. A esperança é uma dimensão do sonho da cidadania que jamais pode ser sonegada, nem na parte nem no todo. Se ela se constitui numa mera peça de propaganda para captar votos no espetáculo bilionário do processo eleitoral, se trata de uma esperança prostituída, portanto, sem nenhuma validade corrente para a cidadania. Quem protagonizou essa farsa é um fraudador daquilo que é o bem maior dos despossuídos e desassistidos - a aposta e a luta por um futuro digno e menos injusto de milhões de trabalhadores jovens, aposentados, idosos, negros, latinos e uma faixa crescente da classe média que resvala para a indigência e a necessidade.

O primeiro presidente negro dos EUA é o mesmo que vai ratificar sua política militarista e agressiva pelo mundo afora, o mesmo que permitirá que os seus mariners cometam mais massacres de civis nas aldeias famintas e empoeiradas do Afeganistão, o mesmo que vai manter as cerca de mil bases militares do País pelo mundo afora, o mesmo que irá continuar expulsando imigrantes, o mesmo que irá fazer vista grossa para execução em massa das fatídicas hipotecas imobiliárias (usina de homeless) e favorecer o sistema especulativo de Wall Street sem nenhuma contrapartida social pelo auxílio que o Estado lhe prestou no momento crítico e falimentar de sua existência.

A aparência de Obama, sua negritude, seu charme, sua simpatia, sua popularidade, sua performance como ator dramático e sobretudo como mediador do contrato social (leonino e desequilibrado) cai como uma luva para o establishment branco e endinheirado estadunidense. Ele representa uma síntese da nacionalidade multicultural do País, representa a imagem (e somente esta) que o verniz democrático do Império quer exibir ao mundo, representa com riqueza de detalhes a terra de oportunidades que o capitalismo ianque quer brindar a civilização ocidental, representa a legitimação de uma ética social que promete glórias aos vencedores, mas infunde perseverança infinita aos perdedores (especialmente quando estes aumentam em proporção geométrica a cada crise do capital).

Mais um bilionário show eleitoral terminou nos Estados Unidos. Venceu o mais do mesmo, ainda que esse mesmo não tenha se dado conta que se encontra num plano inclinado, sem rota de retorno.

Artigo de Cristóvão Feil, publicado originalmente na edição de papel do Jornalismo B.

Um comentário:

Irton Fel disse...

Perfeito. Assino embaixo. É o totalitarismo mais perfeito que a humanidade já vivenciou.
Uma curiosidade. O que faria Obama se um novo Katrina devastasse New Orleans? Procederia como Bush filho (o alcoólatra)que abandonou a própria sorte a população pobre (em sua maioria esmagadora negra, ou para ser politicamente correto, afro-descendente)da capital do Jazz.

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