Os Estados Unidos forjaram um modelo de
democracia que serve de régua e compasso para todos os regimes
políticos do mundo conhecido. Fazem passar a ideia de que constituem
um paradigma de convivência democrática e tolerância
civilizatória. Mas na prática, a teoria (ou a propaganda do
american way life veiculado sobretudo pelo cinema) é outra -
o seu contrário.
Os Estados Unidos é a nação que mais
se envolveu em guerras, em toda a história mundial. Contabiliza-se
um conflito sangrento a cada três anos, desde 1793 (fim da Guerra da
Independência) até 1991 (Guerra do Golfo). Portanto foram cerca de
oitenta guerras distintas, mas que envolvem quase sempre os mesmos
motivos: forjar uma personalidade nacional estadunidense coercitiva e
policialesca, dentro e fora das fronteiras do País, bem como
sustentar um domínio político-militar que satisfaça o imperialismo
de seus capitais, em especial do seu complexo industrial-militar. Sem
esquecer a guerra atual no Afeganistão, que teve início no ano de
2001, menos de trinta dias depois do suposto ataque terrorista à
Nova York, em 11 de setembro daquele ano.
Nos processos eleitorais, onde a
propaganda pela democracia estadunidense se faz mais intensa, é
justamente o momento onde as maiores contradições do ethos ianque
se mostram desnudos e por inteiro. A começar pelo custo - em moeda
corrente - das eleições presidenciais. Segundo o jornal britânico,
The Guardian, os dois candidatos Romney e Obama - as duas alas
do unipartidarismo local, consumiram cerca de 5,8 bilhões de dólares
(7% mais onerosa que a eleição de 2008) em três meses de campanha
pelos seus respectivos programas, cuja margem de divergência se
verifica somente nas franjas dos grandes temas sociais e políticos.
Um só exemplo: não há debate acerca dos faraônicos gastos
militares. Assunto proibido, porque intocável, porque não há
divergência, já está tudo acertado com o hegemônico complexo
industrial-militar - entidade fantasmagórica mas de capital
importância no contexto do poder político estadunidense.
Sobram as questões ditas polêmicas
(classificação essa originada do “senso comum” que brota da
mídia conservadora, radar orientador dos graus de debate permitidos,
tolerados, vetados e liberados): casamento gay, liberação da
maconha, e ficamos por aí, porque do mais importante não se pode
polemizar, a não ser nas mesas de bares. A tolerância da chamada
democracia mais generosa do mundo é tão estreita quanto as
(im)posições do pensamento ultra-conservador, hegemônico tanto na
ala democrata quanto na ala republicana do partido único que governa
os Estados Unidos desde sempre.
Barack Obama representa a esperança
mitigada, o que - noves fora - não quer dizer coisa alguma. A
esperança é uma dimensão do sonho da cidadania que jamais pode ser
sonegada, nem na parte nem no todo. Se ela se constitui numa mera
peça de propaganda para captar votos no espetáculo bilionário do
processo eleitoral, se trata de uma esperança prostituída,
portanto, sem nenhuma validade corrente para a cidadania. Quem
protagonizou essa farsa é um fraudador daquilo que é o bem maior
dos despossuídos e desassistidos - a aposta e a luta por um futuro
digno e menos injusto de milhões de trabalhadores jovens,
aposentados, idosos, negros, latinos e uma faixa crescente da classe
média que resvala para a indigência e a necessidade.
O primeiro presidente negro dos EUA é
o mesmo que vai ratificar sua política militarista e agressiva pelo
mundo afora, o mesmo que permitirá que os seus mariners cometam mais
massacres de civis nas aldeias famintas e empoeiradas do Afeganistão,
o mesmo que vai manter as cerca de mil bases militares do País pelo
mundo afora, o mesmo que irá continuar expulsando imigrantes, o
mesmo que irá fazer vista grossa para execução em massa das
fatídicas hipotecas imobiliárias (usina de homeless) e
favorecer o sistema especulativo de Wall Street sem nenhuma
contrapartida social pelo auxílio que o Estado lhe prestou no
momento crítico e falimentar de sua existência.
A aparência de Obama, sua negritude,
seu charme, sua simpatia, sua popularidade, sua performance como ator
dramático e sobretudo como mediador do contrato social (leonino e
desequilibrado) cai como uma luva para o establishment branco
e endinheirado estadunidense. Ele representa uma síntese da
nacionalidade multicultural do País, representa a imagem (e somente
esta) que o verniz democrático do Império quer exibir ao mundo,
representa com riqueza de detalhes a terra de oportunidades que o
capitalismo ianque quer brindar a civilização ocidental, representa
a legitimação de uma ética social que promete glórias aos
vencedores, mas infunde perseverança infinita aos perdedores
(especialmente quando estes aumentam em proporção geométrica a
cada crise do capital).
Mais um bilionário show eleitoral
terminou nos Estados Unidos. Venceu o mais do mesmo, ainda que esse
mesmo não tenha se dado conta que se encontra num plano inclinado,
sem rota de retorno.
Artigo de Cristóvão
Feil, publicado originalmente na edição de papel do Jornalismo B.
Um comentário:
Perfeito. Assino embaixo. É o totalitarismo mais perfeito que a humanidade já vivenciou.
Uma curiosidade. O que faria Obama se um novo Katrina devastasse New Orleans? Procederia como Bush filho (o alcoólatra)que abandonou a própria sorte a população pobre (em sua maioria esmagadora negra, ou para ser politicamente correto, afro-descendente)da capital do Jazz.
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