Rapinagem
A melhor observação que li sobre a crise das dívidas na Europa foi a de um leitor do “London Review of Books” que, numa carta à publicação, comenta as queixas dos alemães inconformados com a obrigação de mandar seus euros saudáveis para sustentar a combalida economia grega. O leitor estranha que ninguém se lembre de perguntar sobre as grandes reservas de ouro que os alemães levaram da Grécia durante a Segunda Guerra Mundial – e nunca devolveram. Só os hipotéticos juros devidos sobre o valor do ouro roubado dariam para resolver, ou pelo menos atenuar, a crise grega. O autor da carta poderia estranhar também o silêncio que envolve um exemplo mais antigo de pilhagem, a dos tesouros artísticos da Grécia Antiga, levados na marra e de graça para os grandes museus da Alemanha. Seu valor garantiria com sobras a ajuda aos gregos que os alemães estão dando com cara feia.
É claro que se, num acesso de remorso, os alemães decidissem devolver ou pagar o que levaram da Grécia, estaria estabelecido um precedente interessante: a América poderia muito bem reivindicar algum tipo de retribuição da Europa pelo ouro e pela prata que levaram daqui sem gastar nada e sem pedir licença, durante anos de pilhagem. Que não deixaram nada no seu rastro, salvo plutocracias que continuaram a pilhagem e sociedades resignadas à espoliação. Alguém deveria fazer um cálculo de quanto a metrópole deve às colônias pelo que não pagou de direitos de mineração no tempo da rapinagem desenfreada. Só por farra.
Quanto às reservas de ouro levadas da Grécia pela Alemanha nazista, a observação do leitor do “London Review” mostra como a História não é linear, é um encadeamento. A atual crise do euro e da comunidade europeia é a crise de um sonho de unidade que asseguraria a paz e evitaria a repetição de tragédias como as das duas grandes guerras. Sua meta era uma igualdade econômica, que dependia de um equilíbrio de forças, que dependia da Alemanha como potência econômica ser diferente da Alemanha que invadiu e saqueou meia Europa. Os alemães atuais não têm culpa pelos desmandos dos nazistas, mas não podem renunciar à força desestabilizadora que têm, que continuam a ter. Como a Grécia não pode evitar de ter saudade do seu ouro, do qual nunca mais ouviu falar.
Artigo de Luiz Fernando Veríssimo, publicado hoje em vários jornais brasileiros.
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Completando as pertinentes observações do Veríssimo: na abertura das Olimpíadas de Londres 2012, dias atrás, houve um detalhado desfile das conquistas britânicas pelo mundo afora, com destaque para os avanços civilizatórios operados pela primeira revolução industrial, as contribuições inegáveis da cultura inglesa, etc. Mas faltou a menção às conquistas do Império inglês nos séculos 18 e 19. Faltou alguma alusão às rapinagens, saques e roubos mesmo do colonialismo inglês no Egito, por exemplo, na Índia, no sul da China, onde se apoderaram de Hong Kong, só para citar alguns locais onde houve choro e ranger de dentes por onde os "civilizados" ingleses passaram. Não mencionaram nada acerca do famoso Museu Britânico. Curioso, não?
Foto: Museu Britânico de Londres, erguido em 1753. Mantém uma variada e valiosa coleção de objetos saqueados do mundo todo. Lá é possível encontrar peças de valor inestimável subtraídas da antiga Grécia, do Japão, das culturas pré-colombianas da América, da África, sobretudo do antigo Egito, e naturalmente da Ásia inteira, principalmente arte chinesa e persa antigas. O Museu Britânico é uma suntuosa caverna de Ali Babá da civilização branca e culta do Ocidente.
12 comentários:
Pelo menos o povo de Hong Kong é extremamente grato aos britânicos, eles não ficaram reféns das doutrinas impostas pelo livro vermelho de Mao. Se não fossem os britânicos a pedra de Roseta, por exemplo, estaria perdida e aniquilada em alguma esquina da barbárie.
Ética do pilantra, eu vou na sua casa me apropriar das suas coisas, já que és incapaz de cuidá-las. Fico com todos os teus bens, de qualquer forma não irias ter condições de possuí-lo e mantê-lo.
Ética do colonizador.
Vai pra London, Maia!
Carlos Eduardo da Maia disse...
.... Se não fossem os britânicos a pedra de Roseta, por exemplo, estaria perdida e aniquilada em alguma esquina da barbárie.
Maia,a pedra de Roseta foi pilhada pelos franceses.
Jouber
Vamos doar o Maia pro Museu Britânico?
Não...Vamos doar ao Maia um pouco de inteligência!!!!
se tivessem que compensar o saque americano nem 200 espanha e 500 portugal dariam conta. lembrando que até hoje a família real de españa (o reizinho sebento e cachaceiro mais sua tropa de inúteis) vive daquele saque.
E o holocausto vitoriano praticado contra o povo indiano no século XIX.
alguém avisa aos analfabetos da zero lixo que Texas é com maiúscula.
O holocausto do povo indiano durou pelo menos até 1947, na independência da Índia, conquistada depois de muito enfrentamento sangrento com a polícia de Sua Majestade. Quem vai pagar essa conta de sangue?
Esqueci de comentar sobre a arquitetura do Museu Britânico. Como se vê, um estilo fake, a falsificação-imitação descarada da arquitetura clássica greco-romana, com muitas colunas dos velhos templos gregos. Se vê que a originalidade britânica é próximo do zero.
Nos EUA também há essa imitação em profusão. É o velho complexo de Império, refletindo na arquitetura transplantada e sem imaginação.
Primeiro, é claro, parabenizar o Veríssimo por mais um excelente texto.
A seguir, a propósito de saques, roubos e rapinagens perpetradas pelo império britânico, seria bom lembrarmos do saque que eles fizeram contra a saúde do povo chinês.
No século XIX, a rainha Vitória empreendeu guerras contra a China para obrigar o governo daquele país a reabrir seus portos ao ópio que os navios mercantes britânicos traficavam desde a Índia. A rainha alegava - pasmem - que com a medida o governo chinês prejudicava o livre comércio.
Disso nos alerta outro grande das letras, o uruguaio Eduardo Galeano, em seu genial, magnífico, De pernas pro ar-A escola do mundo ao avesso.
E os bombardeios assassinos da Força Aérea Real (RAF) contra as cidades alemãs de Dresden e Hamburgo que mataram mais de 70 mil civis. Bombardeio inútil pois a guerra já estava vencida pelos aliados contra os nazis.
O escritor Kut Vonnegut estava em Dresden como soldado dos EUA e escreveu o livro Matadouro 5 para contar o terrorismo britânico sobre os civis alemães.
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