João
Neves da Fontoura foi diplomata e vice-presidente
do RS, quando Getúlio Vargas fora presidente de 1928 a 1930.
Fontoura
publica suas “Memórias” a partir de 1958, quando sai o primeiro
volume de 401 páginas, editado pela velha Livraria do Globo, da
família Bertaso. O segundo volume porta 490 páginas e foi publicado
em 1963, semanas antes de sua morte, em março. É uma leitura muito
agradável e rica em informações sobre os acontecimentos políticos
do Rio Grande e do Brasil na primeira metade do século 20.
Ao
contrário das demais lideranças políticas do estado sulino, com
raras exceções, João Neves – como ficou conhecido – era um
sujeito com uma boa formação intelectual, nunca foi positivista,
como seus companheiros do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR),
porque estudou com os jesuítas de São Leopoldo, onde hoje ergue-se
a Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Unisinos.
Leitor
refinado, era apreciador da obra de Romain Rolland, aquele da qual
Gramsci (ao lado) subtraíra-lhe a genial expressão de que o “pessimismo da
inteligência” não deveria abalar o “otimismo da vontade”.
Muito
ligado ao grande líder republicano Borges de Medeiros (foto do
alto), para bem além dos laços familiares que os uniam, bem como o
fato de ambos terem nascido na mesma região do estado, Borges em
Caçapava do Sul, e Fontoura em Cachoeira do Sul.
A
certa altura da primeira parte de “Memórias”, João Neves
arrisca narrar sobre o perfil psicológico de Borges, uma
personalidade forte, introspectiva, “que detestava o exibicionismo,
a galeria, a popularidade fácil”. Em tempos de grandes e
graves crises políticas, João Neves afirma que jamais vira Borges
diferente. “Sua voz não traía emoções, nada denotava nele
ansiedade ou receio”. É preciso lembrar que o governo Borges durou
mais de 25 anos: da morte prematura de Julio de Castilhos, em 1903,
até entregar o poder estadual a Getúlio Vargas, em janeiro de 1928.
Sem esquecer que houve a sangrenta guerra civil de 1923, entre
borgistas-chimangos e partidários de Assis Brasil, os maragatos,
velhos federalistas da revolução de 1893.
João
Neves especula que a técnica de contenção do espírito do líder
republicano “consistia em compenetrar-se de que os acontecimentos
não correm com maior velocidade porque os homens procurem
antecipá-los ou impedí-los com força”. Para Fontoura, Borges –
determinista - socorria-se de Comte, quando este dizia que “o homem
se agita, e a humanidade o conduz”.
Anos
depois, conta João Neves, lendo a autobiografia de Trotsky (foto à esquerda), ele teria encontrado um traço comum na personalidade destes
líderes de natureza e ideologias tão distintas, embora, ambos
revolucionários. O “profeta desarmado”, criador do Exército
Vermelho, escrevera: “Sei, por experiência, o que são os fluxos e
refluxos da história, submetidos a certas leis. Não basta que nos
impacientemos para os transformar mais depressa. Acostumei-me a
considerar a perspectiva da história de um outro ponto de vista que
não o da minha situação pessoal” – arrematou o inimigo número
um de Stálin.
As
“Memórias” de João Neves da Fontoura estão esgotadas há
muitos anos. Encontraremos alguns exemplares, talvez, em sebos e
colecionadores. É hora, pois, de reeditar esse precioso material de
testemunho dos acontecimentos regionais e nacionais da primeira
metade do século passado. Leitura prazeirosa, imperdível, mesmo.
Não é possível compreender as singularidades e idiossincrasias do
Rio Grande do Sul sem conhecer essa obra sensível do militante João
Neves. Pode-se – deve-se – discordar das suas convicções
pequeno-burguesas e conservadoras, mas jamais dizer que foi um
político vulgar e despreocupado com a cidadania e seus requerimentos
republicanos, dos quais até hoje tanto carecemos.
Post publicado originalmente neste blog DG em 22/jul/2011.
2 comentários:
O correto é "vice-presidente" e não "ex-vice-presidente" já que tu estás falando de um acontecimento claramente no passado, mas que à época era presente. Caso contrário ele também seria ex-diplomata (não é mais) e Getúlio , ex-presidente do RS.
Abraços!
OK, anônimo, vou acatar a sugestão. Não estou muito certo, mas, aqui, o leitor sempre tem razão.
Abç.
CF
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