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quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O Troféu Guri e a dramaturgia midiática do autoelogio


RBS busca legitimação por meio de representantes ideais

Hoje, até o vendedor de pipocas sabe que vivemos numa sociedade midiatizada. Embora em decadência técnica (por corresponder a um modo de produzir e circular que está sendo superado pelas últimas tecnologias) e sob crescente suspeição social (em todo o mundo), a velha imprensa faz as mediações entre o poder e o populacho, quando não, pretende ser a própria fala do poder e das instituições de poder.

O jogo de deliberação da verdade sempre foi bancado basicamente pela mídia conhecida. Com a crise de hegemonia e a impotência tecnológica de acompanhar os novos tempos, a velha mídia de guerra trata de provocar acontecimentos, espetacularizar fatos opacos e mesmo encenar debates falsos na sociedade objeto de sua ação. Os factóides estão por toda a parte. Talvez ocupem mais espaço que os fatos, nas grades de programação e nas páginas dos diários.

Junto a essa mise-en-scène de disputas pelo espaço público, há aquilo que Patrick Charaudeau chamou de dispositivos de encenação do debate. A encenação pode ser apresentada sob diversos modelos de dramaturgia.

Um desses modelos de representação pode ser exemplificado com o chamado "Troféu Guri", criado e patrocinado pela RBS. É encenado e vai ao ar anualmente por ocasião da festa-feira do agronegócio sulino denominado Expointer, em Esteio, na região metropolitana de Porto Alegre (não tão distante que pareça rural, não tão no miolo da Capital que pareça urbanóide).

Trata-se de uma cerimônia simbólica, um híbrido rural-urbano, que pretende recriar uma ágora político-representativo ideal. Escolhem-se cidadãos e cidadãs que simulam uma democracia direta para efeito de disputa de mentirinha com as instituições tradicionais de representação política, a saber, Câmara e Senado, hoje tão abatidos.

As falas dos agraciados (eu as vi em grande parte, ontem) são falas de autoridade. Falas que confirmam - do exterior - que o centro do debate é precisamente o que a RBS está colocando em cena no cotidiano. Uma encenação moralizadora e legitimadora do papel social da própria empresa midiática que a promove. Um autoelogio formalmente não-cabotino. A astúcia da elipse para afirmação corporativa, sem exibir insolência. Reúnem-se valores da nossa sociedade - homens e mulheres fidalgos, probos e respeitosos -, todos portadores de uma autoridade polivalente e superior: ad hoc ( legitimador nomeado), ad honores (sem remuneração, portanto, supostamente desinteressado) e, finalmente, a priori (que não depende de facticidade).

Acresce o fato de tomar emprestado uma expressão do mundo campeiro, o "guri", forçando uma identificação naturalizada com a feira anual do agronegócio, bancado e subsidiado pelo poder público estadual.

6 comentários:

gustavo kern disse...

Na minha opinião, por justiça, o troféu guri devia ser dado ao nosso grande Gaucho da Copa, o verdadeiro promotor da cultura guasca mundo afora. Uma homenagem desse nível é o mínimo que se deve render ao homem que prestou a tarefa civilizadora, de cunho missionário, ao atravessar o oceano para concientizar os primitivos sul africanos da importância da Copa do Mundo.

Cé S. disse...

Que análise! Cheguei a sentir pena dos "representantes". Tá circulando no tuiter sob o link http://ow.ly/nJZ0

Anônimo disse...

Infelizmente, tem os que se prestam a esse jogo. Um verdadeiro artista jamais se prestaria a ficar numa situação de vassalagem fétida. Lacáios de latifundiários.

Jordi disse...

Existem, sim, 'verdadeiros artistas' que se prestam a muita outra coisa de que se pode não gostar, e é bom que seja assim. A arte educativa já mostrou do que é capaz no realismo socialista do stalinismo. Mas, nesse, caso, que artistas? Bebeto Alves, Martha Medeiros? Em pouco tempo, quem se lembrará da obra deles? Além de se prestarem à palhaçada, são totalmentre irrelevantes fora da estratégia da mídia a que servem.

catia do canto disse...

E grande parte da sociedade civil da Comissão Organizadora Nacional da I Confecom, que dizia zelar pela democratização das comunicações, garantiu 40% de representação aos empresários e, de brinde, 60% + 1 de quórum qualificado para temas sensíveis dessa conferência!

IMPRESSIONANTE!

Anônimo disse...

Isso ai parece mais o troféu "Moleque" do ano.... Gente hipócrita.

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