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terça-feira, 1 de setembro de 2009

O MST e a atualização dos índices de produtividade


"A nossa classe dominante é muito conservadora, não tem visão social e só pensa no próprio umbigo" - diz líder dos sem-terra

Reproduzimos aqui a íntegra da entrevista concedida por João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST, ao jornal O Estado de S.Paulo sobre a atualização dos índices de produtividade. Trechos desta entrevista estão na matéria intitulada ''Produzir mais, às vezes, é ter mais prejuízo'', publicada pelo jornal da família Mesquita, em 30/08/2009.

Quais argumentos do MST podem ter pesado na decisão do governo de atualizar, agora, os índices de produtividade rural?

Apenas solicitamos ao governo que cumpra a lei, que determina que os índices sejam atualizados. Atualmente, Incra usa dados defasados do IBGE de 1975 como parâmetros para as desapropriações. Portanto, basta o governo cumprir a lei.

Isso é realmente importante? O que a sociedade brasileira ganha com essa revisão?

A Constituição Federal estabeleceu que a propriedade da terra é um bem da natureza, que a rigor pertence a todos os brasileiros. Por isso, está condicionada pela sociedade a cumprir uma função social. Se o uso dessa terra não cumpre a função social - em benefício nao só do seu proprietário, mas de toda a sociedade - deve ser desapropriada pelo Estado. Uma das condições para cumprir a função social é produzir pelo menos dentro da média do que se entrega para a sociedade em cada região. A sociedade vai ser beneficiada porque a atualização vai obrigar os latifundiários atrasados a aumentar a produção ou entregar as suas terras para o governo.

Na visão dos ruralistas, os conflitos no campo vão aumentar. O movimento pretende ocupar as propriedades consideradas improdutivas?

A atualização dos índices vai dar mais agilidade e condições para o governo cumprir a lei e desapropriar as fazendas que são improdutivas, mas que se escondem atrás dos números de 1975. Mesmo assim, serão usados dados de 1996 para a atualização, ou seja, ainda dez anos atrasados. Os ruralistas que têm medo da atualização não produzem e usam as terras para especulação ou reserva de valor. Aqueles que estiverem produzindo, nada precisam temer. Se o governo aumentar as desapropriações e a Reforma Agrária, é evidente que vai diminuir a pobreza e a desiguladade no campo e, com isso, diminuem os conflitos. Não fazer a Reforma Agrária aumenta os conflitos, por que não representa solução nenhuma. Qual é a solução que os ruralistas apresentam para os pobres do campo? Apenas mudarem para as cidades e engrossar as favelas. Ou seja, transferem os problemas sociais para as cidades, que passam por uma situação explosiva de violência e precariedade de trabalho e moradia.

Produtores rurais disseram que os mesmos índices de produtividade deveriam ser aplicados nos assentamentos, sob o argumento de que na pequena propriedade rural é mais fácil produzir com eficiência. Como o MST vê a produção dos assentados?

Ótimo. É isso mesmo que queremos: que a sociedade compare a produtividade por hectare de um assentamento e da agricultura familiar, com as fazendas acima de 2000 hectares. Quantas pessoas trabalham por hectares em cada área? Quanto rende a produçao por hectares? Quantas vacas de leite têm por hectares em cada área? Inclusive, que se compare os 97 bilhões de reais que o governo dá de credito para as grandes propriedades, com os 500 milhões de crédito que os assentados recebem no Pronaf. Como moram os assentados e como moram os fazendeiros? Quanto a Caixa Econômica concede de crédito para um fazendeiro comprar seu apartamento na cidade, enquanto uma família assentada recebe 10 mil reais para construir uma casa no campo? A sociedade pode comparar também a qualidade dos alimentos produzidos na agricultura familiar com a quantidade de venenos aplicados por hectare nas grandes propriedades - em especial na cana, na soja, no milho - que concentram os 713 milhões de toneladas de agrotóxicos, que depois vão para o estômago dos consumidores. Desafiamos também os ruralistas a contratarem uma auditoria de especialistas e comparar qualquer fazenda antes e depois de ser desapropriada e destinada para a Reforma Agrária, medindo quanto se produzia e o número de pessoas beneficiadas antes e agora.

Qual o peso do quesito improdutividade na arrecadação de terras para a reforma agrária?

O peso é muito pequeno, porque a lei determina que governo desaproprie todas as fazendas que não cumprem a função social. Não há função social nas fazendas que têm trabalho escravo, desrespeitam o ambiente ou são utilizadas pelo narcotráfico. Só no Mato Grosso do Sul mais de 30 mil hectares estão parados na justiça, por uso do tráfico de drogas, que deveriam ser destinados aos trabalhadores sem-terra. Mais de 350 fazendas foram desapropriadas, mas estão paradas no Poder Judiciário, influenciado por juízes coniventes com o latifúndio. Os ruralistas estão querendo fazer uma batalha ideológica na defesa ao direito absoluto da propriedade, que não existe na nossa Constituição. Por essa razão, até hoje barram na Câmara a lei que que determina a desapropriação de fazendas com trabalho escravo. Ou seja, para defender o direito de propriedade são coniventes até com o trabalho escravo. A Polícia Federal já encontrou mais de 300 fazendas com trabalho escravo. O Brasil tem muita terra disponível para ser desapropriada (e os proprietários ainda recebem indenização) e depois distribuídas para serem trabalhadas. No entanto, a classe dominante é muito conservadora, não tem visão social e só pensa no próprio umbigo. Depois, se encastelam em condomínios de luxo, depositando dinheiro no exterior, com medo do povo e da desigualdade que sustentam, mesmo representando apenas 1% dos estabelecimentos agrícolas.

2 comentários:

carlos disse...

o saudoso celso furtado tinha razão.
o mst é a organização social mais importante desse país desde a sua redemocratização.

abçs

Nelson Antônio Fazenda disse...

O MST, nascido aqui bem pertinho da minha cidade, é motivo de orgulho para todos os trabalhadores brasileiros e, por que não dizer, do mundo inteiro.

Vida longa ao MST!

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