A
estadista em construção
Primeiro,
foi a demissão de ministros comprometidos com a corrupção; depois,
a firmeza que vem mostrando em baixar os juros, enfrentando para isso
muitos interesses, inclusive os dos seus eleitores, pequenos
poupadores; há alguns dias, foi o discurso na instalação da
Comissão da Verdade em que fez uma bela defesa dos direitos humanos
e do seu caráter suprapartidário; agora, é sua decisão histórica
de, aplicando a Lei de Acesso à Informação, publicar os salários
dos servidores do Executivo.
Todos
atos que mostram coragem e firmeza, sugerindo que a presidente
brasileira é uma estadista em construção.
Sua
decisão que me levou a esta conclusão foi a da última semana - a de
tornar pública a remuneração dos servidores públicos. Saber
quanto recebem os servidores públicos eleitos e não eleitos é um
direito inconteste dos cidadãos. Mas é um direito que sempre foi
negado aos brasileiros.
Quando
fui ministro da Administração Federal, decidi publicar os
vencimentos dos servidores públicos no "Diário Oficial".
Caiu uma tempestade sobre mim. Servidores indignados vieram me falar
sobre seu "direito à privacidade".
Nas
democracias, em relação ao dinheiro público, não há direito à
privacidade; não há o "direito" de receber valores
absurdos que nada têm a ver com o nível de seu cargo.
Alguns
poderão dizer que meu entusiasmo em relação à presidente é
apressado. De fato, é cedo para dizermos que Dilma Rousseff preenche
as condições muito raras que definem um estadista. Mas estou
dizendo que ela está "se construindo" como estadista. Ela
está demonstrando a firmeza e a coragem que são necessárias.
Mas
não basta isso. Conforme disse classicamente Maquiavel, além da
"virtù", o príncipe necessita da fortuna. "Virtù"
não significa apenas virtude, e sim competência para governar,
discernimento ao tomar decisões, capacidade de fazer compromissos e,
finalmente, bom êxito em seu governo. O que depende também da sorte
- da fortuna.
Estadista
é o governante que tem a visão do todo, olha para o futuro e tem a
coragem de buscá-lo, confrontando os interesses de muitos, inclusive
dos seus seguidores. É quem conhece seu país, sabe quais são seus
grandes problemas e contribui para resolvê-los.
Os
estadistas são geralmente identificados nas guerras em defesa de seu
país, mas podem sê-lo em momentos decisivos de seu desenvolvimento
econômico e social.
O
estadista brasileiro do século 20 foi Getúlio Vargas, porque
comandou a revolução nacional e industrial brasileira. A presidente
Dilma poderá ser uma nova estadista, agora em um contexto
democrático, se lograr vencer os dois grandes males brasileiros: a
corrupção de suas elites e a armadilha da alta taxa de juros e do
câmbio sobrevalorizado.
Em
seu discurso na instalação da Comissão da Verdade, a presidente
declarou: "A verdade é algo tão surpreendentemente forte que
não abriga nem o ressentimento, nem o ódio, nem tampouco o
perdão... é, sobretudo, o contrário do esquecimento". Deixo
essa bela frase como fecho desta coluna. Muitos serão ainda os
desafios que Dilma terá que enfrentar; não sabemos quanta fortuna
terá, mas já sabemos que terá "virtù".
Artigo
do professor, economista e ex-ministro da Fazenda do governo Sarney,
Luiz Carlos Bresser-Pereira. Publicado hoje na Folha.
2 comentários:
De fato, ainda é muito cedo para que Dilma possa ser qualificada de estadista. Porém, concordo com o professor quando este alça Getúlio à condição de estadista brasileiro do século 20. A baixa estatura física de Getúlio escondia uma envergadura sem par no tocante à capacidade política.
Fico feliz em ver a honestidade intelectual do Bresser Pereira.
Postar um comentário