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terça-feira, 15 de maio de 2012

O grande e atual escândalo brasileiro: especulação imobiliária urbana



Imóvel como bem social

Ontem, esta Folha publicou uma pesquisa do Banco Interamericano de Desenvolvimento segundo a qual 62% da população da cidade de São Paulo não tem condições de comprar uma casa própria.

O motivo central é o preço extorsivo dos imóveis. No mesmo dia, descobrimos que um alto funcionário da prefeitura, responsável pela liberação de empreendimentos imobiliários, aproveitou-se da situação para demonstrar seus dotes de especulador imobiliário e comprar, em sete anos, a bagatela de 106 imóveis.

Essas duas notícias são, na verdade, dois lados da mesma moeda. A explosão dos preços dos imóveis em São Paulo, assim como em outras grandes cidades, está vinculada ao ataque especulativo.

Novos empreendimentos são comprados não por famílias que procuram, enfim, aproveitar o crescimento econômico e escapar dos aluguéis, mas por imobiliárias e especuladores. Seus interesses restringem-se a inflacionar o mercado fazendo, por exemplo, com que o preço médio dos imóveis na cidade tenha triplicado em quatro anos.

Como os imóveis são vistos, acima de tudo, como um tipo de investimento, o interesse maior consiste em criar situações de concentração de propriedade que facilite a "rentabilização" financeira.

Era de esperar que os governos transformassem o combate à especulação imobiliária em luta maior. No entanto, em vez de procurar defender seus cidadãos, o que vemos é uma associação incestuosa entre prefeituras e interesses do mercado. O que não é de estranhar, pois o setor da construção civil está entre os maiores doadores de campanhas eleitorais municipais.

Uma política realmente zelosa dos reais interesses dos cidadãos deveria começar por simplesmente impedir indivíduos e empresas de terem mais do que dois imóveis na mesma cidade.

Imóveis não são ativos de investimento, mas bens sociais. Não devem servir para que aqueles que nada produzem façam mais dinheiro sem nada fazer. Antes, eles são um bem maior que o Estado deve garantir para a segurança das famílias.

É claro que alguns verão nisso um atentado à propriedade privada. Entretanto mesmo a Constituição brasileira não hipostasia o direito de propriedade, pois a submete à exigência dela preencher uma função social.

Limitar a concentração oligopolista da propriedade no setor imobiliário é a maneira mais eficaz de ampliar o direito dos cidadãos a um bem fundamental.

Com isso, parcelas majoritárias da população não precisariam mais presenciar o triste espetáculo de ver suas economias espoliadas para valorizar as fortunas dos mais ricos.

Artigo do professor Vladimir Safatle, da Filosofia da USP. Publicado hoje na Folha.

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A especulação imobiliária urbana é o grande escândalo brasileiro, deste e de outros tempos passados, mas que se agrava mais e mais. Parece que tem vida própria, ninguém a detém. 

Este deveria ser o grande tema das eleições municipais de 2012. Mas não será. Sabem por que? Porque os candidatos não querem mexer neste vespeiro, que, além do mais, ainda lhes podem pingar alguns trocados no pires encardido da arrecadação eleitoral.  

Se no passado colonial nós tivemos o regime do escravagismo como grande usina do poder e das desigualdades estruturais do País, hoje, a especulação imobiliária urbana dá continuidade àquele roteiro sinistro de miséria e exclusão.

Até quando?

Foto: Vila Protásio Alves, em Porto Alegre (RS).

7 comentários:

Márcio Bustamante disse...

Em São Paulo essa questão extravasa em muito as raias do absurdo. É absolutamente revoltante. Você se sente um completo otário ao sair para procurar um imóvel para adquirir. Os valores são astronômicos e absolutamente descontextualizados.

Toda força ao Movimento dos Sem Teto! Todo apoio a União dos Movimentos por Moradia!!

Marcelo disse...

Nunca me esqueco um texto do fernando pessoa sobre o provinciano postados nesse blog. Ele é a perfeita descricao do porto-alegrense padrao, que tende a ver a especulacao imobiliária com bons olhos.

Breton disse...

No RJ o Marcelo Freixo tá pautando a questão.

Anônimo disse...

Conheço o que é feito na Bélgica, país com alto índice de casa própria. Talvez fosse o suficiente para diminuir radicalmente a especulação imobiliária:
1) Diferenciação de primeira moradia, que tem menos impostos, e de imóveis adicionais.
2) Imposto de 17% a cada compra de imóvel. Redução para a primeira moradia em certos casos.
3) Imposto de 30% sobre a mais valia de um imóvel (se não for primeira moradia) se revendido antes de 5 anos após a compra.

Abraços,
Marko

Nelson disse...

Se você ousar propor o mesmo caminho para nossas cidades, Marko, rapidinho vão te acusar de socialista/comunista.

Lembro que, quando prefeito de Porto Alegre, o companheiro Olívio enfrentou oposição virulenta ao propor algo semelhante através do imposto progressivo.

Dalila disse...

Aqui no Brasil o legislador, se quisesse de fato, dar destinação social à propriedade, diminuindo tamanha desigualdade, deveria fazer mudanças radicais. Só a título de esclarecimento, a Constituição Federal assegura o direito à propriedade, e que esta deve atender à função social, mas na prática, o que poderia ser feito é uma DESAPROPRIAÇÃO CONFISCATÓRIA, destinada às propriedades particulares que não estão atendendo à sua função social. Lindo até aqui, mas os empecilhos que a lei coloca torna tal solução completamente inviável: para ocorrer tal desapropriação, o Município deveria primeiro notificar o proprietário para que ele procedesse ao parcelamento da área ou a edificação compulsória; se ele nao atendesse a essa recomendação, o Município deveria aumentar o IPTU (IPTU progressivo por 5 anos); e se ainda assim, ele não desse uma destinação ao imóvel, o Município poderia proceder à desapropriação, mas essa dependeria ainda de um plano diretor e ainda uma lei específica, dizendo que naquele municipio e em determinada área existe um imóvel de interesse público que deve sofrer intervenção do Poder público. Como se não bastassem todos estes passos, a autorização para tento, deveria vir do Senado federal, pois o Poder Público deveria ressarcir o proprietário mediante o Titulo da Dívida Pública, sendo endividamento nacional e necessitando, portanto, da autorização do Senado.
Bom, como sabemos, tudo nesse nosso Brasil é demorado, burocrático e dificultoso de se resolver, quando a solução não interessa aos poderosos. Repito a pergunta, até quando???

Dalila Prates
Salvador, Bahia

Anônimo disse...

Tolice dizer que a bolha imobiliária do Brasil poderia ser resolvida como na Bélgica. Países totalmente diferentes, proposta inócua para o brasil. Em pouco tempo, os falsos movimentos "MSTS" e seus associados ptralhas estariam tomando conta de todas as negociações, como fazem hoje em dia com suas ONGs de fechada. + uma ideia infantilizada pelos "çoçialistas de butique" como o tal Marcelo Freixo, burguesinho do Lebron...

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