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terça-feira, 11 de setembro de 2007



Por que o Rio Grande do Sul é assim - III

A revolução burguesa no Rio Grande do Sul

Investigar sobre a existência de uma revolução burguesa no limite meridional do Brasil implica em verificar dois fatores preponderantes: 1) a ação de atores das grandes transformações que estejam por trás da desagregação do regime escravocrata-senhorial; 2) a formação de uma sociedade de classes.

Como afirma Florestan Fernandes, no Brasil “a Revolução Burguesa não constitui um episódio histórico”, foi um desdobramento longo de pequenas e continuadas “rupturas com o imobilismo da ordem tradicionalista e a gradual chegada da modernização como processo social”.

Entretanto, como já vimos antes, no Rio Grande do Sul aconteceu o episódio histórico, onde preponderou o “espírito revolucionário” de que falava Joaquim Nabuco. Mas para que fosse possível esse momento histórico, que aqui se desdobrou preferencialmente de 1891 (com a Constituição castilhista) a 1895 (com a paz de Pelotas), houve o processo de uma longa e complexa base psicocultural, política e evidentemente econômica, já que o Estado sulino apresentava singularidades em relação à tradicional produção da monocultura de exportação praticada no resto do País.

[Aqui um breve parêntese elucidativo, para quem não leu os dois sueltos anteriores desta pequena série: estamos investigando os motivos que levam a burguesia guasca a renunciar a sua própria revolução social, onde foi francamente vitoriosa, para apegar-se ao passado farroupilha que, embora heróico, foi uma sucessão de fracassos. Por que as fanfarras do Tradicionalismo organizado – e ideologizado – não evocam a vitória modernizante de 1893, preferindo lembrar as derrotas sucessivas de 1835-1845?]

Aqui não tivemos um sistema abortado ou interrompido de plantation, como sugeriram equivocadamente os estudos do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. Tivemos sim uma pluralidade de agentes econômicos (a pecuária exportadora, a charqueada, a pequena agricultura e a artesania das colônias de imigrantes não-ibéricos), ao contrário de São Paulo que foi vítima da monocultura extensiva de exportação, inibidora da divisão social do trabalho e do mercantilismo interno – bases necessárias de uma formação social dinâmica, burguesa, moderna e racional (Weber).

A guerra civil começa em 2 de fevereiro de 1893, quando o uruguaio Gumercindo Saraiva invade o Rio Grande com 400 rebeldes armados, em sinal de protesto pela reeleição de Julio de Castilhos à presidencia do Estado, tendo ocorrido sua posse uma semana antes, em 25 de janeiro. Saraiva, um colorado uruguaio, representava mais do que os fazendeiros maragatos, representava sociologicamente uma reação armada do macro sistema baseado no latifúndio e na pecuária de exportação. Dava-se início ao embate sangrento entre o Rio Grande atávico e conservador e o Rio Grande modernizante e planificador. A guerra civil foi obra cruenta, então, das forças oligárquicas reacionárias à Constituição estadual castilhista de 14 de julho de 1891.

A Constituição castilhista de 1891 foi um marco político da hegemonia republicano-chimanga no Estado. Representa uma ordem legal exemplar, que se poderia classificar com um tipo ideal weberiano – segundo Luiz Roberto Targa.

Mas isto veremos no capítulo seguinte.

No final desta série “Por que o Rio Grande do Sul é assim”, este blog indicará a bibliografia usada, bem como as devidas sugestões de leitura para aprofundar o tema aqui tratado.

Ilustração de Glauco Rodrigues (1929-2004), consagrado pintor brasileiro, nascido em Bagé (RS).

24 comentários:

Carlos Eduardo da Maia disse...

A revolta da degola de 1893 é um movimento de divisão do povo gaúcho. A revolução farroupilha -- apesar do RS ter perdido -- é um movimento de união. Por isso o povo do RS ( e não a sua burguesia ou elite) se vangloria muito mais desse espírito de união e de convergência do que da barbárie de 1893 que levou gaúchos a lutarem e degolarem gaúchos. Da mesma forma, salvo os fascistas anacrônicos, ninguém comemora na Espanha as façanhas da guerra civil.

Anônimo disse...

Segundo o grande historiador Carlos Eduardo da Maia a Revolução Francesa, por conseguinte, dividiu o povo francês conspurcando o afável espírito de união conduzido pela aristocracia ciente dos direitos dos povos.

Anônimo disse...

Essa é inédita: "ninguém comemora na Espanha as façanhas da guerra civil".

Maia olha bem e vê se nós usamos bombacha, aqui.
Olha novamente, mas olha bem!

E o Aznar, filhote de Franco, comemora o quê? Se elegeu com que votos, senão com o remanescente franquismo pós-fascista-neo-liberal?

Maia, vai lá pro Acampamento Farroupilha rachar lenha e servir mate pros bombachudos, que estão precisando de graxeiro de estância, vai... se é que tu sabes o que é isso.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Professor Monteiro, a revolução francesa teve também o apoio da burguesia francesa. Foi uma revolução contra o modelo monárquico centralizador, arrogante e irresponsável. Praticamente todos os partidos franceses da direita à esquerda comemoram as façanhas da revolução de 1789. Não é o caso das revoltas de 1844 e da Comuna de 1871. Essas dividiram a França. Não houve exatamente uma reação forte da Corte à Revolução Francesa; haviam movimentos para que tropas austríacas e alemãs ingressassem em solo francês para estancar a revolução, mas o plano foi abortado com a prisão de Luiz XVI em Varenne.

Carlos Eduardo da Maia disse...

O que estou querendo dizer, Joca Britto, é que a Espanha não comemora a guerra civil, assim como o RS não comemora a revolta de 1893. Acho que Aznar e seu partido também não comemoram essa data, apesar de eles terem apoiado o Franco. Mas a Espanha hoje é um país completamente diferente e que se ergueu exatamente sobre as cinzas da barbárie da divisão da guerra civil. Houve um pacto, um consenso em torno de objetivos comuns e que beneficiam a todos.

Anônimo disse...

Para comemorar a derrota militar da república espanhola os franquistas erigiram um portentoso moumento - o Valle de los Caidos - casualmente o local do enterro do ditador. Local de peregrinação dos saudosista, todos integrantes do PP, e mantido pelo Estado. O Maia deveria pensar um pouco mais antes de fazer afirmações vazias.

Kayser disse...

Quem disse que a Revolução Farroupilha foi um movimento de união do povo do RS? Boa parte do povo do RS opôs-se aos farrapos. Porto Alegre, por exemplo, foi "Mui Leal e Valorosa" ao império, sendo, portanto, contrária aos farrapos.

Carlos Eduardo da Maia disse...

É evidente que certas pessoas - sem generalizar - comemoram a vitória do fascismo na guerra civil espanhola. Mas isso não é oficial e nem deve ser. Ao contrário do que ocorre com o 20 de setembro, que, inclusive é feriado no RS. Ninguém está aqui generalizando, é evidente que gaúchos apoiaram as tropas imperiais, como sempre ocorre em qualquer lugar. Mas o simbolismo da revolução farroupilha é de união do povo gaúcho, ao contrário da bárbara revolta da degola de 1893. Tem de ser muito insensível para comemorar a vitória na revolta de 1893.Alguém, por acaso, comemora?

Anônimo disse...

Qual revolução francesa é comemorada? O jacobino Robespierre, que pela sua firmeza garantiu a revolução burguesa, inclusive com o uso da guilhotina,foi muito parcamente mencionado na comemoração dos duzentos anos da Revolução.Praticamente não há logradouros, avenidas com seu nome na França.A comemoração foi seletiva, pois não é de bom tom , nem é educado relembrar as massas de que a violência pode ser a parteira da história.Com Cromwell aconteceu o mesmo.O espírito burguês procura congelar a história, que terminaria com a realização de seus valores für ewig (para sempre).

Anônimo disse...

Maia, não é por essa questão meramente moral que a burguesia não comemora 93. As mortes e as desumanidades de uma guerra nunca foram empecilho para nenhum vencedor deixar de comemorá-la, em nenhuma latitude da Terra. Os guascas não comemoram por que não lhes tocam comemorar. Os motivos reais vamos ver aqui no blog nos próximos dias.

Te segura nas bombachinhas, meu filho!
E não fica lendo muito o coronel Joca Tavares por que ele foi apenas o gênio militar dos maragatos, e não consegue explicar os fatores estruturais do advento da hegemonia castilhista. Era apenas um milico alçado.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Professor Monteiro, o perí0do do terror da Revolução Francesa não é comemorado e Robespierre pode ter sido incorruptível, mas foi um fascínora, um picareta da moral, um tirano. Fez muito bem o povo francês em não homenagear esse grande vilão que condenava e fazia pressão para condenar sumariamente qualquer um para o cadafalso. E como cada um colhe o que planta, sua cabeça foi para a guilhotina.

Anônimo disse...

Eu estou impressionado com o alto nível das pessoas que têm respondido a esse imbecil do Carlos Eduardo Da Mala... Eu acho que ele deve ser ignorado, só assim pára de encher o saco...
Mas entrei aqui, mesmo, só para parabenizar ao CRISTÓVÃO FEIL pela magnífica iniciativa e inestimável contribuição para uma visão mais esclarecida e esclarecedora de nossa história... PARABÉNS, PARABÉNS, PARABÉS!!!!

ET: Maia, vai procurar tua turma, vai? Vai ver se o Sperotto tá lá no Acampamento Farroupilha.

Carlos Eduardo da Maia disse...

A questão Cristóvão é que o RS mudou de 1893 até hoje. Não se pode buscar fatos históricos do passado e tentar inserí-los no contexto atual, como fez o Eugênio, colocando a gestão Fogaça no meio de uma aberração intelectual. Aqueles ideais burgueses de Castilhos e Borges estão mortos e sepultados. Pode haver aqui ou lá alguns resquícios, mas o RS precisa se unir mais para ir além. E os ideais dos farrapos fortalecem essa união pelo RS. Sobre o livro do Joca Tavares li algumas cartas e são bem interessantes porque contam as características e os pensamentos da época. As tropas iam e vinham do uruguai e ali se refugiavam. Os "causos" são interessantes para o entendimento da moral da época.

Carlos Eduardo da Maia disse...

Ricardo José é o nosso Robespierre.

Anônimo disse...

Maia, tu andas pilchado por aí? Tua turma anda.

Para os "de fora" me explico: pilcha é uma fantasia completa de latifundiário que alguns piolhos de rico usam aqui no Sul.

Consiste em usar lenço colorado (dos maragatos), chapéu tapeado (mesmo em ambientes fechados pra mostrar a "educação" do vivente), bombachinha com fru-fru nas laterais, bota, espora e o cu de fora...

Carlos Eduardo da Maia disse...

E o Matusalém é o bobo da corte.

Anônimo disse...

Maia, por falar em bobo da corte,como anda teu blog? Com muitas atividades?

Carlos Eduardo da Maia disse...

Anônimo, o meu depósito é um mercadinho da esquina que está conseguindo vender algumas goiabadas. Quer uma?

Anônimo disse...

Entâo, cara-pálida, sabia que o olho do dono é que engorda o boi? Vai cuidar dele senão a "concorrência" vai te passar a perna. É, vazio não tem trabalho.

Anônimo disse...

Cristóvão: Excelente a série. Só ela já seria suficiente para qualificar o melhor blog gaúcho. Mas tem um erro: Gumercindo Saraiva era blanco. Dos onze irmãos apenas um saiu colorado. Se no álem tem internet, então o Aparício deve estar te xingando: "lareputamadrequeloparió".

Cristóvão Feil disse...

Os Saraiva (ou Saravia) eram a rigor "doble chapa" viviam bandoleirando na fronteira entre o Uruguay-Brasil. E como bons doble chapas de nacionalidade dupla também o eram em termos partidários. O Gumercindo fez o "serviço" de deflagar a revolução em 2 de fevereiro de 1893 em nome dos lenços vermelhos (colorados-gasparistas-maragatos) da Fronteira, numa estratégia de Joca Tavares e os latifundiários da reação ao castilhismo (lenço branco-chimango). Portanto, naquele dia 02.02.93 ele estava "colorado" (maragato).
Abraço Flics!

Anônimo disse...

Bueno, estamos falando de países diferentes. Me referia ao Uruguay, onde desde então até a Frente Ampla, só "existiam" dois governos: Blanco - Partido Nacional - representando o latifúndio, e Colorado - a burguesia progressista de Montevidéu.
salu2

Tomacaúna disse...

A tese de que a Revolução Farroupilha "uniu" o povo gaúcho é hilária. Nada marca mais a história do RGS que a eterna bipolarização, o antagonismo (presente mesmo dentro das próprias forças farrapas). Um momento de unanimidade seroa impensável.

Agora, a forma como essa história é recontada é outra coisa, muito diferente. O Leonardo Boff fala que uma das principais características do sistema dominante é a capacidade de utilizar, em seu favor, conceitos e símbolos que lhes são contrários, castrando-os de seu caráter contestador.

É isso que o tradicionalismo faz com o 'gaucho': esvazia todo seu conteúdo histórico, de figura oposta à estância e apresenta-o como um peão dócil fantasiado de patrão. Não se enganem, o gaúcho do MTG é castrado.

Anônimo disse...

apesar de todo o blablabla presidencialista, será mesmo que o RS não seria MUITO melhor se fosse federalista, digo o mesmo para alguns outros estados desse brasil varonil.
basta estudarem um pouco de DIREITO TRIBUTÁRIO para entenderem do que estou falando.
comemorar o que?
a miséria de muitos?
a riqueza da família sarney?

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