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segunda-feira, 17 de setembro de 2007


Por que o Rio Grande do Sul é assim – parte V

A constituição republicana e revolucionária

Júlio de Castilhos e seus companheiros da vanguarda comtista intuiram que o Rio Grande do Sul estava pronto para se modernizar, mas que essa necessidade histórica não se realizaria por si só. O “espírito revolucionário” exige ações revolucionárias estratégicas materializadas em instrumentos institucionais-constitucionais decisivos. Neste sentido, em primeiro lugar, era preciso um marco jurídico-constitucional para a nova ordem, em segundo, era preciso uma imprensa partidária combativa, e terceiro, uma força militar estatal auxiliada por corpos provisórios politizados e treinados militarmente, a partir de militantes locais do PRR, com capilaridade em todo o território sulino.

A Constituição castilhista de 1891 é um marco legal singular. Trata-se de uma peça jurídica que garante um governo autoritário, cerebralmente autoritário, uma vez que não previa a divisão dos três poderes, segundo o modelo liberal clássico, atribuindo ao Presidente (hoje, governador) o direito de legislar e editar decretos que se referenciavam diretamente na Constituição e não em leis ordinárias escritas por uma Assembléia de Representantes.

A Constituição rio-grandense e a prática político-administrativa do castilhismo por quase 40 anos, garantiram ao Estado funcionar praticamente como uma República autônoma do resto da Federação brasileira. Desta forma, o PRR cumpria agora o ideário Farroupilha de 1836, quando da decretação da malograda República Rio-grandense em Piratini.

Como assinala muito bem Luiz Roberto Targa, “essa constituição inédita e original não se baseou na dos Estados Unidos da América, como foi o caso das outras constituições brasileiras, tanto a da União, quanto a dos Estados”.

Os positivistas tiveram uma administração marcadamente anti-oligárquica e anti-patrimonialista, com ações políticas, segundo Targa, que mostravam concretamente uma ruptura com a ordem latifundiária, tais como: transparência das contas públicas, coincidência entre o orçamento previsto e o realizado, política de proteção ao consumo das classes baixas (pelo contigenciamento de bens de primeira necessidade passíveis de serem exportados), pela estatização não-patrimonialista de dois dos mais importantes portos sulinos (Porto Alegre e Rio Grande) e de toda a rede férrea do Estado (de uma empresa francesa, mas explorada por norte-americanos), a realização de obras essenciais em infra-estrutura somente nas zonas minifundiárias e coloniais, tendo-se negado a privilegiar áreas de interesse da pecuária de exportação, bem como políticas de proteção fiscal e tarifária à indústria nascente das regiões de imigração européia.

Outro marco importante da gestão castilhista do Estado foi a reforma fiscal, cujo ponto central foi a substituição do imposto de exportação (quase sempre sonegado) pelo imposto territorial. Para tanto, era fundamental discriminar a esfera pública da esfera privada. Na prática, tratava-se de impor medidas efetivas de o Governo retomar as terras públicas ilegalmente apropriadas pela oligarquia rural nas últimas décadas do Império. Retomadas as terras, no período compreendido entre 1895-1906, legitimado pela vitória na guerra civil e com força militar suficiente para garantir o cumprimento da lei e da ordem estatal, o Governo castilhista entregou lotes rurais a posseiros, a companhias de loteamento e a pequenos proprietários.

Essas medidas cada vez mais afirmavam a consolidação do Estado burguês moderno, qual seja a de tornar autônoma a esfera estatal da esfera privada das oligarquias rurais tradicionais e atrasadas.

No Rio Grande do Sul isso foi conquistado a ferro, fogo e vontade revolucionária organizada e materializada em instrumentos concretos de mudança social.

No final desta série de pequenas notas, vamos linkar o artigo completo (que estará publicado num anexo), com bibliografia e indicação de leitura complementar.

Retrato de Júlio Prates de Castilhos, primeiro presidente eleito do RS, líder republicano que concebeu e escreveu a Constituição de 1891, quando tinha 30 anos de idade. Morreu em 1903, com apenas 43 anos de idade.



4 comentários:

Anônimo disse...

Trecho de "O sentido social do Castilhismo", por Mário Maestri

"Do resultado da Revolução Federalista dependeu a orientação da história gaúcha. Se os federalistas tivessem vencido, a colonização teria sido interrompida; o contrabando, liberalizado; as rendas estatais, empregadas na defesa dos interesses pastoris. A vitória dos pica-paus impediu que o Rio Grande se transformasse, no melhor dos casos, em um Uruguai falando português ou, no pior, em um imenso Bagé!
...Após o fim do Estado Novo, os interesses pastoris, relegados a um segundo plano político e econômico, reforçaram a identificação da Revolta Farroupilha ao ideário pastoril-latifundiário, através de movimento tradicionalista e seus Centros de Tradição Gaúcha – CTG. A modernização castilhista do movimento farrapo naufragou por falta de conteúdo histórico.
...A incessante campanha contra o castilhismo-borgismo dos últimos anos assume claro caráter liberal-conservador. Esse movimento desenvolve-se sobretudo através da apologia dos grandes líderes federalistas e libertadores – Gaspar Silveira Martins, Gumercindo Saraiva, Assis Brasil, etc. – e da execração dos próceres republicanos – Júlio de Castilhos, Borges de Medeiros, etc. São claras as razões dessa operação ideológica, que tem exemplo excelente no ensaio de Décio Freitas sobre Júlio de Castilhos – O homem que inventou a ditadura no Brasil".

Anônimo disse...

Muito bom, Armando! Esse é o ponto.

Convergimos para a mesma leitura que faz o professor Maestri. A nossa intenção é fazer cair a máscara do Tradicionalismo "gaucheiro" e "farrapista".

A história do RS é belíssima, mas não pelos motivos que os bombachudinhos celebram.

Não é à toa que a dona Yedinha (uma tucana) anda pilchada nestes dias da semana Farroupilha. É uma solene fraude. Essa gente pratica a pior picaretagem que pode haver, por que pretende iludir o imaginário popular.

Acho isso imperdoável!

Anônimo disse...

Décio Freitas era um cara de direita travestido de socialista. Esse livro sobre o Julio foi feito por encomenda da RBS para denegrir a memória do grande líder anti-oligárquico.

Anônimo disse...

Mas nós somos azarados mesmo, ou muito burros, para nos darmos bem em democracias! Aparentemente só nos resta esperança (com base histórica) nas "boas ditaduras", como a de Getúlio e a de Castilhos-Medeiros. Talvez no futuro, esfriadas as mágoas e esquecido o estupro da nossa amiga Liberdade, dada a sanha entreguista dos sucessores, até se louve a ditadura dos milicos, que enfim, matou alguns milhares, assim como outra das anteriores, das quais preservou muitas conquistas. Realmente, tudo é relativo entre o céu e a terra...
Rodrigo

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