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Surf no lixo contemporâneo: a que ponto chegamos! E que mundo deixaremos de herança para Keith Richards?

domingo, 16 de setembro de 2007


Nestlé se agiganta no governo Lula

“O multimistura é um programa que não existe mais”, informa a assessoria de imprensa do Ministério da Saúde. Clara Takaki Brandão, a nutricionista que criou o composto largamente utilizado pela Pastoral da Criança acusa o governo: “A multimistura começou a ser excluída da merenda escolar para abrir espaço para o Mucilon, da Nestlé”. A informação está na revista IstoÉ, desta semana.

A cena foi comovente. O vice-presidente José Alencar preparava-se para plantar uma árvore em Brasília quando foi abordado por uma nissei de 65 anos e 1,60 m de altura. Era manhã da quinta-feira, 6. A mulher começou a mostrar fotografias de crianças esqueléticas, brasileiros com silhueta de etíopes, mas que tinham sido recuperadas com uma farinha barata e acessível, batizada de “multimistura”.

Alencar marejou os olhos. Pobre na infância no interior de Minas, o vice não conseguiu soltar uma palavra sequer. Apenas deu um longo e apertado abraço naquela mulher, a pediatra Clara Takaki Brandão. Foi ela quem criou a multimistura, composto de farelos de arroz e trigo, folha de mandioca e sementes de abóbora e gergelim.

Foi esta fórmula que, nas últimas três décadas, revolucionou o trabalho da Pastoral da Criança, reduzindo as taxas de mortalidade infantil no País e ajudando o Brasil a cumprir as Metas do Milênio. E o que a pediatra foi pedir ao vicepresidente? Que não deixasse o governo tirar a multimistura da merenda das crianças. Mais do que isso, ela pediu que o composto fosse adotado oficialmente pelo governo. Clara já tinha feito o mesmo pedido ao ministro da Saúde, José Gomes Temporão – mas ele optou pelos compostos das multinacionais, bem mais caros. “O Temporão disse que não é obrigado a adotar a multimistura”, lamenta Clara.

Há duas semanas a energia elétrica da sala de Clara dentro do prédio do Ministério da Saúde foi cortada. Hoje, ela trabalha no escuro. “Já me avisaram que agora eu estou clandestina dentro do governo”, ironiza a pediatra. Mas ela nem sempre viveu na escuridão. Prova disso é que, na semana passada, o governo comemorou a redução de 13% nos óbitos de crianças entre os anos de 1999 e 2004 – período em que a multimistura tinha se propagado para todo o País.

Desde 1973, quando chegou à fórmula do composto, Clara já levou sua multimistura para quase todos os municípios brasileiros, com a ajuda da Pastoral da Criança, reduto do PT. Os compostos da multimistura têm até 20 vezes mais ferro e vitaminas C e B1 em relação à comida que se distribui nas merendas escolares de municípios que optaram por comprar produtos industrializados. Sem contar a economia: “Fica até 121% mais caro dar o lanche de marca”, compara Clara.

Quando ela começou a distribuir a multimistura em Santarém, no Pará, 70% das crianças estavam subnutridas e os agricultores da região usavam o farelo de arroz como adubo para as plantas e como comida para engordar porco. Em 1984, o Unicef constatou aumento de 220% no padrão de crescimento dos subnutridos. Dessa época, Clara guarda o diário de Joice, uma garotinha de dois anos e três meses que não sorria, não andava, não falava. Com a multimistura, um mês depois Joice começou a sorrir e a bater palmas. Hoje, a multimistura é adotada por 15 países. No Brasil só se transformou em política pública em Tocantins.

Clara acredita que enfrenta adversários poderosos. Segundo ela, no governo, a multimistura começou a ser excluída da merenda escolar para abrir espaço para o Mucilon, da Nestlé, e a farinha láctea, cujo mercado é dividido entre a Nestlé e a Procter & Gamble. “É uma política genocida substituir a multimistura pela comida industrializada”, ataca a pediatra.

A coordenadora nacional da Pastoral da Criança, Zilda Arns, reconhece que a multimistura foi importante para diminuir os índices de desnutrição infantil. “A multimistura ajudou muito”, diz. “Mas só ela não é capaz de dizimar a anemia; também se deve dar importância ao aleitamento materno.” A revista procurou as autoridades do Ministério da Saúde ao longo de toda a semana, mas nenhuma delas quis se pronunciar. “O multimistura é um programa que não existe mais”, limitou-se a informar a assessoria de imprensa do Ministério.

11 comentários:

Anônimo disse...

Agora só falta o governo dizer que a patente da multimistura é da Nestlé.

Anônimo disse...

Lula não quer concorrência. Multimistura só no governo dele.

Anônimo disse...

Outra coisa que não podemos tirar do "radar" é que a Nestlé aos poucos está comprando todas as fontes d'água do país. Quem viver verá!

Carlos Eduardo da Maia disse...

Esse é o típico problema da globalização. Mais fácil trabalhar em parceria com uma empresa como a Nestlé que faz um produto de razoável qualidade e que pode ser distribuído, de forma homogênea, em todo o território nacional do que fazer parceria com pequenas entidades que produzem produtos artezanais e que não tem condições de distribuir em todo esse imenso país a "multimistura" de forma homogênea. O justo e razoável seria democratizar a distribuição desses produtos, mas como a gestão do Estado brasileiro é pífia, ficamos comendo Mucilon da Nestlé.

Anônimo disse...

Eremildo Maia diz: "como a gestão do estado.."," problema tipico da globalização. "mais fácil trabalhar com uma empresa com a Nestlé".
O probelma é ter um ministro que pensa um pouco como tu.
Isto que é triste!

Carlos Eduardo da Maia disse...

Todo mundo que administra alguma coisa na vida pensa assim, Claudio Omar.

Anônimo disse...

Caro Maia: artezanais, é com S: artesanaias. Pois a palavra primitiva é arte.

Anônimo disse...

Repasso nota do Ministério da Saúde a respeito dessa matéria.

Em relação à matéria “A vitória dos enlatados”, publicada pela revista Isto É, no último final de semana, a Assessoria de Comunicação informa do Ministério da Saúde informa que:

• Clara Brandão, que criou a multimistura, foi admitida no Ministério da Saúde, por meio de DAS, durante a gestão do ministro Adib Jatene (1995-1996);

• Desde 2003, não possui nenhum vínculo funcional com o ministério, embora ainda utilize duas salas e funcionários para as suas atividades;

• Suas despesas para eventos, como Congressos, são pagas com recursos próprios, não representando o governo federal em nenhuma atividade;

• O Atual secretário de Vigilância em Saúde, Dr. Gerson Pena, quando diretor da Fiocruz, solicitou que Clara Brandão desocupasse a sala que ela utiliza;

• A Política Nacional de Nutrição e Alimentação, de 1999, está baseada em uma estratégia diversificada para o combate à desnutrição infantil;

• Uma das diretrizes é utilizar a cultura regional e produtos típicos para a orientação da composição da base alimentar;

• A multimistura nunca foi adotada como estratégia nacional, apenas em casos pontuais. Atualmente, não é utilizada pelo governo federal;

• Uma análise feita pela Universidade Federal de Pelotas, encomendada pela Pastoral da Criança, aponta riscos na utilização da multimistura, como a contaminação e, portanto, um veículo para doenças;

• O estudo também observa que não se encontrou evidências suficientes para utilizar alimento como recurso adequado para o balanceamento nutricional e de controle da anemia;

• O Conselho Federal de Nutrição tem parece contra a utilização da multimistura;

• Finalmente, o Ministério da Saúde não utiliza produtos como Mucilon e Farinha Láctea em seus programas nacionais. A estratégia pode ser adotada por decisão dos gestores municipais ou estaduais.

Brasília, 18 de setembro de 2007.

Anônimo disse...

Recordando:
Eremildo Maia diz: "como a gestão do estado.."," problema tipico da globalização. "mais fácil trabalhar com uma empresa com a Nestlé".
O probelma é ter um ministro que pensa um pouco como tu.
Isto que é triste!

17 Setembro, 2007 11:57
Carlos Eduardo da Maia disse...
Todo mundo que administra alguma coisa na vida pensa assim, Claudio Omar.

17 Setembro, 2007 15:56

Avaliando:

Todo mundo que administra alguma coisa pensa como o Carlos Eduardo de Maia.

Supimpa!

É o gênio Onipresente!

Anônimo disse...

A insensibilidade evidente na nota da assessoria de imprensa do Ministério da Saúde é incompreensível. Contra fatos não há argumentos. São quase três gerações recebendo o complemento alimentar e o resultado é a olhos vistos. Nenhuma pesquisa tem mais registros que os feitos pela Pastoral da Criança ao logo de mais de uma década. São vidas, não ensaios retóricos. A disputa é de vaidades e não de bom senso. A questão da discriminação é importante, o enriquecimento ilícito também, assim como outros aspectos passíveis de discussão, mas a condenação de tantos desamparados à morte ou à vida indigna é muito mais importante. Pois o mesmo trabalho não é feito em outras áreas do governo. Há muito sendo feito por ONGs, a exemplo da Pastoral da Criança.
Cruel é saber que, o que é feito com uma 'canetada inconseqüente', leva-se décadas para desfazer e, em alguns casos, ou melhor, em algumas vidas, tornam-se irreversíveis. Cadê aqueles petistas e demais companheiros que estavam juntos na hora da lida, antes de se locupletarem às custas da boa-fé alheia? Diziam-se sensibilizados pelas mesmas causas dela e agora se omitem vergonhosamente. Como dizia M.L.King: "pior é o silêncio dos bons"... Estou tentando fazer a minha parte. Abraços, José Maria.

Anônimo disse...

Eu gostaria de entrar em contato com a Dra. Clara Takaki , alguém tem o contato dela?
Sei que posso ajudá-la neste processo.
FAvor passar meus telefones para ela.
011 9489.9669

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