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sexta-feira, 15 de junho de 2012

De vítima da guerra suja à vítima da feira eleitoral




Pela verdade e pela memória, contra o oportunismo e o eleitoralismo

A criação da Comissão Nacional da Verdade suscitou uma série de discussões com consequências muito interessantes. Uma delas, sobre o seu caráter: investigar os “dois lados” ou apurar a responsabilidade do Estado no processo de perseguições prisões, torturas, sequestros, mortes, desaparecimentos e outras violações dos direitos humanos a partir da ditadura civil-militar imposta ao país em 1964.

Assim como a publicação do livro “Memórias de uma guerra suja”, baseado no depoimento do ex-delegado do DOPS, Claudio Guerra, que desnuda os meandros da estrutura repressiva montada, principalmente, a partir de dezembro de 1968 com a decretação do AI-5. O próprio depoente em recente entrevista garantiu: “Existem muitos outros Claudio Guerra por aí”.

No rastro da criação da Comissão da Verdade foram desencadeadas ações de agitação e propaganda de companheiros e companheiras do Levante Popular da Juventude, escrachando torturadores em todo o Brasil.

Porém, esse contexto abriu caminho para os oportunistas de plantão, principalmente em ano eleitoral, garimparem os seus votinhos. Aqui em Porto Alegre surgiu até um tal Comitê Carlos De Ré, “coordenado” pelo vereador Pedro Ruas do PSOL. Para começo de conversa, Carlos De Ré não tinha afinidades pessoais, políticas ou ideológicas com o nobre edil, muito antes pelo contrário. Portanto, trata-se de uma apropriação indébita da memória de um combatente de esquerda.

Conheci Carlos Alberto Tejera De Ré (foto), chamado pelos seus familiares, amigos e companheiros carinhosamente de Minhoca, nos idos de 1967. Ele com quinze anos, e eu com dezessete.

Conhecemo-nos em plena luta contra a ditadura civil-militar que se abateu no Brasil em 1964, tendo perpetuado um golpe contra as instituições democráticas, derrubando um presidente eleito democrática e constitucionalmente.

Minhoca, com apenas dezesseis anos, conheceu a prisão pela primeira vez, preso numa panfletagem contra a ditadura. Aí, ainda, sem sofrer a ira dos torturadores. Saiu da cadeia e no mesmo dia voltou às fileiras da militância. Agora, já no processo de resistência armada contra o sistema foi preso novamente e, naquele momento, sentiu todo o peso da violência do terrorismo de Estado.

Em 1971, estava na Ilha do Presídio já há algum tempo, quando atracou a barca da guarda com um grupo de presos que, após passar pela tortura na “fossa’ do DOPS, regressava de uma temporada de brutalidades em celas solitárias de quartéis do exército situados em cidades próximas da fronteira com a Argentina.

E ali, novamente reencontrei o companheiro Minhoca: debilitado, abatido, mais magro em sua magreza, porém altivo em sua moral e sempre com a sua costumeira afetividade que, até a morte, nunca o abandonou.

Fora da cadeia voltamos a nos encontrar em 1973. Novamente militando, com os ensinamentos de uma longa autocrítica feita na prisão e fora dela: revisando métodos, formas de luta, táticas, mas conservando a visão estratégica da construção de uma sociedade livre, sem explorados nem exploradores. De lá para cá, foram muitos anos de combate. Muitas vezes na mesma trincheira, às vezes, em trincheiras separadas. Sempre combatendo o inimigo comum, e buscando a utopia da qual compartilhávamos. Sempre acompanhada de uma camaradagem muito fraterna, nos bons momentos assim como nas épocas difíceis, nas festas, como nas agruras. Por tudo isso, posso dizer: até sempre meu irmão e camarada.

Após a morte do Minhoca aconteceram algumas homenagens em sua memória nem sempre muito adequadas, no meu entender, mas sempre com boas intenções. Porém, o que está acontecendo agora extrapola totalmente o terreno das boas intenções e se configura como uma utilização oportunista e eleitoreira da memória de um revolucionário que sempre se opôs a tais práticas personalistas.

Artigo do economista Calino Pacheco Filho.

2 comentários:

Anônimo disse...

P. Ruas tem largos serviços prestados ao oportunismo.

Christine disse...

Calino, querido.

Me valho dos comentários que fiz no post anterior, destacando aos leitores -o que vc bem sabe e não disse o contrário- que o Comitê Carlos de Ré não se reduz ao nome de um ou outro integrante, tampouco suas intenções se traduzem pela postura indivudual, passada ou presente, fictícia ou fática, de qualquer militante que o construa.

Aproveito para te pintar um abraço fraterno e agradecer sempre, ainda que nunca o suficiente, pela importância histórica que teve e continua tendo na luta pelo melhor do nosso país e do nosso povo. Povo, aliás, que deve a pessoas como vc e o Minhoca, que foram amigos e companheiros, o gosto pela liberdade que conhecemos, ainda que não seja uma liberdade plena em uma democracia plena. E é por essa liberdade e por essa democracia que continuamos na luta por memória, verdade e justiça.

Conto contigo na trajetória.

Abraços,
Chris.

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