Pela
verdade e pela memória, contra o oportunismo e o eleitoralismo
A
criação da Comissão Nacional da Verdade suscitou uma série de
discussões com consequências muito interessantes. Uma delas, sobre
o seu caráter: investigar os “dois lados” ou apurar a
responsabilidade do Estado no processo de perseguições prisões,
torturas, sequestros, mortes, desaparecimentos e outras violações
dos direitos humanos a partir da ditadura civil-militar imposta ao
país em 1964.
Assim
como a publicação do livro “Memórias de uma guerra suja”,
baseado
no depoimento do ex-delegado do DOPS, Claudio Guerra, que desnuda os
meandros da estrutura repressiva montada, principalmente, a partir de
dezembro de 1968 com a decretação do AI-5. O próprio depoente em
recente entrevista garantiu: “Existem muitos outros Claudio Guerra
por aí”.
No
rastro da criação da Comissão da Verdade foram desencadeadas ações
de agitação e propaganda de companheiros e companheiras do Levante
Popular da Juventude, escrachando torturadores em todo o Brasil.
Porém,
esse contexto abriu caminho para os oportunistas de plantão,
principalmente em ano eleitoral, garimparem os seus votinhos. Aqui em
Porto Alegre surgiu até um tal Comitê Carlos De Ré, “coordenado”
pelo vereador Pedro Ruas do PSOL. Para começo de conversa, Carlos De
Ré não tinha afinidades pessoais, políticas ou ideológicas com o
nobre edil, muito antes pelo contrário. Portanto, trata-se de uma
apropriação indébita da memória de um combatente de esquerda.
Conheci
Carlos Alberto Tejera De Ré (foto), chamado pelos seus familiares, amigos e
companheiros carinhosamente de Minhoca, nos idos de 1967. Ele com
quinze anos, e eu com dezessete.
Conhecemo-nos
em plena luta contra a ditadura civil-militar que se abateu no Brasil
em 1964, tendo perpetuado um golpe contra as instituições
democráticas, derrubando um presidente eleito democrática e
constitucionalmente.
Minhoca,
com apenas dezesseis anos, conheceu a prisão pela primeira vez,
preso numa panfletagem contra a ditadura. Aí, ainda, sem sofrer a
ira dos torturadores. Saiu da cadeia e no mesmo dia voltou às
fileiras da militância. Agora, já no processo de resistência
armada contra o sistema foi preso novamente e, naquele momento,
sentiu todo o peso da violência do terrorismo de Estado.
Em
1971, estava na Ilha do Presídio já há algum tempo, quando atracou
a barca da guarda com um grupo de presos que, após passar pela
tortura na “fossa’ do DOPS, regressava de uma temporada de
brutalidades em celas solitárias de quartéis do exército situados
em cidades próximas da fronteira com a Argentina.
E
ali, novamente reencontrei o companheiro Minhoca: debilitado,
abatido, mais magro em sua magreza, porém altivo em sua moral e
sempre com a sua costumeira afetividade que, até a morte, nunca o
abandonou.
Fora
da cadeia voltamos a nos encontrar em 1973. Novamente militando, com
os ensinamentos de uma longa autocrítica feita na prisão e fora
dela: revisando métodos, formas de luta, táticas, mas conservando a
visão estratégica da construção de uma sociedade livre, sem
explorados nem exploradores. De lá para cá, foram muitos anos de
combate. Muitas vezes na mesma trincheira, às vezes, em trincheiras
separadas. Sempre combatendo o inimigo comum, e buscando a utopia da
qual compartilhávamos. Sempre acompanhada de uma camaradagem muito
fraterna, nos bons momentos assim como nas épocas difíceis, nas
festas, como nas agruras. Por tudo isso, posso dizer: até sempre meu
irmão e camarada.
Após
a morte do Minhoca aconteceram algumas homenagens em sua memória nem
sempre muito adequadas, no meu entender, mas sempre com boas
intenções. Porém, o que está acontecendo agora extrapola
totalmente o terreno das boas intenções e se configura como uma
utilização oportunista e eleitoreira da memória de um
revolucionário que sempre se opôs a tais práticas personalistas.
Artigo
do economista Calino Pacheco Filho.
2 comentários:
P. Ruas tem largos serviços prestados ao oportunismo.
Calino, querido.
Me valho dos comentários que fiz no post anterior, destacando aos leitores -o que vc bem sabe e não disse o contrário- que o Comitê Carlos de Ré não se reduz ao nome de um ou outro integrante, tampouco suas intenções se traduzem pela postura indivudual, passada ou presente, fictícia ou fática, de qualquer militante que o construa.
Aproveito para te pintar um abraço fraterno e agradecer sempre, ainda que nunca o suficiente, pela importância histórica que teve e continua tendo na luta pelo melhor do nosso país e do nosso povo. Povo, aliás, que deve a pessoas como vc e o Minhoca, que foram amigos e companheiros, o gosto pela liberdade que conhecemos, ainda que não seja uma liberdade plena em uma democracia plena. E é por essa liberdade e por essa democracia que continuamos na luta por memória, verdade e justiça.
Conto contigo na trajetória.
Abraços,
Chris.
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