Estado para o século 21
A visão do Estado atuando em contraposição às forças de mercado se tornou anacrônica diante dos desafios das nações neste começo do século 21.
Pela globalização, por exemplo, diversos países voltaram a se especializar no uso intensivo dos recursos naturais e da produção de contido custo do trabalho, comprometendo o avanço de projetos nacionais capazes de incluir a totalidade de suas populações nos frutos da modernidade.
No Brasil da última década, a prevalência da premissa de que menos Estado representaria mais mercado teve convergência com o modelo de sociedade para poucos.
E a contenção do Estado produziu o encolhimento do próprio setor privado nacional (bancos e empresas não financeiras), cada vez mais dominado por corporações estrangeiras.
Com a redução dos bancos públicos, acompanhada da brutal diminuição dos bancos privados nacionais, e o esvaziamento das firmas nacionais entre as maiores empresas no país, parcela crescente da riqueza deixou de ser compartilhada com a nação.
Hoje, pelo menos dois quintos dos brasileiros [cerca de oitenta milhões de pessoas] são analfabetos funcionais, afora um enorme déficit econômico e social. Obstáculos como esses enfraquecem o estabelecimento de um novo padrão civilizatório contemporâneo dos avanços do século 21.
As forças de mercado, embora imprescindíveis na geração de oportunidades, mostram-se insuficientes para garantir o acesso a todos. Não há dúvidas de que, neste contexto, a presença renovada do Estado se faz necessária. Mas que Estado? Um equívoco seria tratar o Estado com as mesmas premissas do século passado.
Neste século, cuja sociedade eleva sua expectativa média de vida para além dos 80 anos, a parcela dos idosos deve superar o segmento infantil e as ocupações geradas passam a depender fundamentalmente do setor terciário, que já responde por três quartos do total dos postos de trabalho.
Sem a garantia do pleno e equivalente direito de oportunidades a todos, o princípio da liberdade de iniciativa individual e coletiva permanece no plano da retórica. Em síntese: a prevalência do reino da desigualdade e da exclusão sediada no Brasil.
O Estado necessário do século 21 precisa incorporar novas premissas fundamentais.
A primeira passa pela reinvenção do mercado, capaz de fazer valer a isonomia nas condições de competição.
Em qualquer atividade econômica, predomina hoje um conjunto de práticas oligopolistas de formação de preços e domínio do mercado, o que exclui parcela significativa dos empreendimentos empresariais da livre competição.
A mudança na relação do Estado com o mercado é urgente e inadiável, com a adoção de políticas que apoiem a igualdade de oportunidades por meio de condições de competição e cooperação só oferecidas ao circuito superior da economia, como o acesso ao crédito, tecnologia e assistência técnica, entre outras.
Uma segunda premissa compreende a mudança na relação do Estado com a sociedade, especialmente quando as políticas universais de saúde, educação, trabalho e transporte não apresentam a eficácia global esperada. Isso porque a complexidade dos problemas atuais requer ação totalizante, por isso matricial e transdisciplinar no plano territorial.
Uma política de assentamento urbano, por exemplo, dificilmente terá êxito sem superar a lógica das caixinhas contida no compartilhamento do Estado brasileiro. Além da especificidade do assentamento, é necessária para a eficácia global a adoção de políticas complementares e articuladas, como educação, saúde, transporte e saneamento, entre outras.
Por fim, uma terceira premissa deve convergir para a mudança na relação do Estado para com o fundo público. De um lado, o avanço na tributação progressiva, capaz de deslocar a base tradicional de incidência (produção e consumo) para o patrimônio e novas formas de riqueza. De outro, a renovação do sistema de financiamento da agenda socioeconômica do século 21 (postergação no ingresso no mercado de trabalho, trajetória ocupacional diversificada, educação para a vida toda). O uso do fundo público comprometido com os novos desafios não precisa ser estatal, podendo ser comunitário.
Tudo isso, contudo, dificilmente poderá ser desenvolvido sem a renovação do Estado para o século 21.
Artigo de Marcio Pochmann, economista, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Publicado hoje na Folha.
A visão do Estado atuando em contraposição às forças de mercado se tornou anacrônica diante dos desafios das nações neste começo do século 21.
Pela globalização, por exemplo, diversos países voltaram a se especializar no uso intensivo dos recursos naturais e da produção de contido custo do trabalho, comprometendo o avanço de projetos nacionais capazes de incluir a totalidade de suas populações nos frutos da modernidade.
No Brasil da última década, a prevalência da premissa de que menos Estado representaria mais mercado teve convergência com o modelo de sociedade para poucos.
E a contenção do Estado produziu o encolhimento do próprio setor privado nacional (bancos e empresas não financeiras), cada vez mais dominado por corporações estrangeiras.
Com a redução dos bancos públicos, acompanhada da brutal diminuição dos bancos privados nacionais, e o esvaziamento das firmas nacionais entre as maiores empresas no país, parcela crescente da riqueza deixou de ser compartilhada com a nação.
Hoje, pelo menos dois quintos dos brasileiros [cerca de oitenta milhões de pessoas] são analfabetos funcionais, afora um enorme déficit econômico e social. Obstáculos como esses enfraquecem o estabelecimento de um novo padrão civilizatório contemporâneo dos avanços do século 21.
As forças de mercado, embora imprescindíveis na geração de oportunidades, mostram-se insuficientes para garantir o acesso a todos. Não há dúvidas de que, neste contexto, a presença renovada do Estado se faz necessária. Mas que Estado? Um equívoco seria tratar o Estado com as mesmas premissas do século passado.
Neste século, cuja sociedade eleva sua expectativa média de vida para além dos 80 anos, a parcela dos idosos deve superar o segmento infantil e as ocupações geradas passam a depender fundamentalmente do setor terciário, que já responde por três quartos do total dos postos de trabalho.
Sem a garantia do pleno e equivalente direito de oportunidades a todos, o princípio da liberdade de iniciativa individual e coletiva permanece no plano da retórica. Em síntese: a prevalência do reino da desigualdade e da exclusão sediada no Brasil.
O Estado necessário do século 21 precisa incorporar novas premissas fundamentais.
A primeira passa pela reinvenção do mercado, capaz de fazer valer a isonomia nas condições de competição.
Em qualquer atividade econômica, predomina hoje um conjunto de práticas oligopolistas de formação de preços e domínio do mercado, o que exclui parcela significativa dos empreendimentos empresariais da livre competição.
A mudança na relação do Estado com o mercado é urgente e inadiável, com a adoção de políticas que apoiem a igualdade de oportunidades por meio de condições de competição e cooperação só oferecidas ao circuito superior da economia, como o acesso ao crédito, tecnologia e assistência técnica, entre outras.
Uma segunda premissa compreende a mudança na relação do Estado com a sociedade, especialmente quando as políticas universais de saúde, educação, trabalho e transporte não apresentam a eficácia global esperada. Isso porque a complexidade dos problemas atuais requer ação totalizante, por isso matricial e transdisciplinar no plano territorial.
Uma política de assentamento urbano, por exemplo, dificilmente terá êxito sem superar a lógica das caixinhas contida no compartilhamento do Estado brasileiro. Além da especificidade do assentamento, é necessária para a eficácia global a adoção de políticas complementares e articuladas, como educação, saúde, transporte e saneamento, entre outras.
Por fim, uma terceira premissa deve convergir para a mudança na relação do Estado para com o fundo público. De um lado, o avanço na tributação progressiva, capaz de deslocar a base tradicional de incidência (produção e consumo) para o patrimônio e novas formas de riqueza. De outro, a renovação do sistema de financiamento da agenda socioeconômica do século 21 (postergação no ingresso no mercado de trabalho, trajetória ocupacional diversificada, educação para a vida toda). O uso do fundo público comprometido com os novos desafios não precisa ser estatal, podendo ser comunitário.
Tudo isso, contudo, dificilmente poderá ser desenvolvido sem a renovação do Estado para o século 21.
Artigo de Marcio Pochmann, economista, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Unicamp. Publicado hoje na Folha.
Foto: Executivos da fusão Sadia/Perdigão comemoraram o feito, ontem. O governo Lula faz olho branco para os monopólios e oligopólios que acabam colonizando o País, e administra o Estado brasileiro como se ainda vivêssemos sob o capitalismo concorrencial do final do século 19.
11 comentários:
O autor deveria explicar esta parte: "Com a redução dos bancos públicos, acompanhada da brutal diminuição dos bancos privados nacionais",
pois a mim parece que deu-se exatamente o contrário.
PS - o autor analisa a última década, então de 1999 a 2002 inclusive, aconteceu isso que ele diz, mas no governo Lula - 2003 a 2009 - tanto os bancos nacionais privados quanto os estatais cresceram. Quais seriam os estrangeiros que teriam ampliado suas fatias no Brasil? Alguém aí sabe?
No depósito de hoje recebi a seguinte mensagem de um liberal sobre a incorporação da Sadia ao patrimônio da Perdigão:
Uma das poucas intervenções governamentais aceitas por qualquer liberal que se preze diz respeito ao controle para não formação de monopolios e oligopolios. Nosso governo intervencionista falha na mais elementar intervenção.
Esses liberais de meia-tigela são incríveis, não querem a o Estado e privilegiam as forças do mercado, mas quando os agentes econômicos livremente se movem em direção ao monopólio/oligopólio ficam brabos. Eles não conseguem entender que a ação do livre-mercado é justamente buscar o monopólio/oligopólio.
Não existe livre mercado. Pelo menos desde a primeira metade do século passado. O que existe e prevalece é o monopólio e o oligopólio.
Aí é que deveria entrar a ação do Estado, arbitrando, promovendo políticas públicas de anulação ou mitigação dos grandes trustes e setores oligopolizados. O amigo do Maia reclama é disso, mas como tem a cabeça feita pela RBS e o PIG logo acha que a culpa do seu infortúnio negocial é do.... MST.
Quer dizer, quando a cabeça não tem consciência o cu é que paga.
Prieb!
Lamento pela sua falta de consciência.E também pelo seu c.!
As cooperativas de produtores, metidas a colocar supermercados, eliminaram os tradicionas mercados familiares em muitas cidades.
Portanto, para o bem do consumidor, ....fod.n.se os que precisam consumir, e os que dependem de negócios longa data familiar!
E o Lula fez pior do que qualquer outro presidente.
PUUUTTTTAAAAQQUUUUUEEEEPPPAAAARRRRIIIIUUU!!!!!
Tóia,
Há aqui um reconhecimento do mercado enquanto tal está. Além disso implicito estáo o sofisma da burguesia nacional. Há que montar um projeto com estes pressupostos, mas sem as ilusões, meu amigo...
André
Jean,
Dei uma pesquisada no site do BCB que tem dados até 2006.
Em 2006 a uma alterda brusca, com os bancos nacionais passando de 54,98% (2005) para 72,59% (2006) a participação dos bancos públicos e privados nacionais.
Eu não sei qual banco estrangeiro foi vendido nesse ano (acho que o ABN Amro para o Itaú) que explica essa virada.
Mas, de fato atualmente ocorreu um crescimento dos bancos de controle nacional sobre os estrangeiros.
Talvez, ele tenha algum dado mais atualizado não disponibilizado, mas não creio.
- Estes Maçons tem que tomar cuidado em falarem o nome de DEUS. Porque ao invés de um raio Ele pode remeter um compasso entre os neurônios binários. E Ele tem boa pontaria. Não erra nunca.
PRESTEM ATENÇÃO;
O MAIA ANUNCIOU QUE RECEBEU UMA (01) MENSAGEM NO BLOG DELE.
Já avisou a Yeda? Olha o aumento...
Claudio Dode
E esse time da Marginal sem número coonestando essa (con)fusão, em que a Sadia entrou com o todo.
armando
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